quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Qorpo Santo (Um Assovio,)



Comédia em 3 atos e um quadro

PERSONAGENS:
Fernando Noronha – Gabriel Galdino – Almeida Garrett – Jerônimo Avis – Luduvica – Luduvina – Esméria – Rosinha E Coriolana – Três Tocadores

As cenas passam-se em Paris.

ATO PRIMEIRO

Cena Primeira

FERNANDO (passeando e batendo na testa) – Não sei que diabo tenho nesta cabeça! Nem Cosme, que é da minha particular devoção, é capaz de adivinhar o que se passa dentro deste coco! O que, porém, é verdade é que todos os dias, todas as horas faço novas preces; e todas as horas e todos os dias transgrido os deveres que em tais protestos me imponho! (Chama.) Gabriel, Gabriel, que diabo estás fazendo nesse fogão, em que estás pregando há mais de duas horas! Querem ver que estás a roer os tijolos, julgando serem de goiabada! Cruzes! Cruzes! Que gastrônomo! É capaz... já estou com medo! É capaz de roer até a minha casaca velha! (Pegando de repente no nariz, tira um pedaço; olha e grita,) Oh! Diabo! Até já me roeu um pedaço do nariz, quando eu ontem dormia! Gabriel! Gabriel!

GABRIEL – Pronto! Então (de dentro) que tanto me chama!? Diabos te levem! É o amo mais impertinente que tenho visto! Cruzes! Ave-Maria! Já vou, já vou! Deixe-me tomar o meu quinhão de café; e tomo, porque estou o transido de frio! Estou gelo! Quer derreter-me!? Espere, espere!

FERNANDO – Diabos te levem para as profundas do maior inferno! Está este diabo a tomar
café desde que amanhece, até que anoitece! Vai-te, diabo!

GABRIEL – (aparecendo) – Ora, graças a Deus e a meu amo! – já que com o diabo cortei de
todo as minhas relações. (Apalpando e levantando a barriga.) Tenho esta pança mais pequena que a de um jumento, ou de um boi lavrador! Não é nada (caminhando para o lado do amo), existe aqui... quem sabe já quanto estará! (Rindo-se.) Duas chaleiras de café; quatro libras de açúcar... já se sabe – do mais fino refinado. Três libras, não! Seis livras de pão de rala e duas de fina manteiga inglesa. (Andando para uma e outra parte.) Troleró, troró! Agora sei que sou mesmo um Manuel José Taquarião! Só me faltam as cartas, e as parceiras! (Apalpa as algibeiras e tira um baralho.)

FERNANDO (à parte) – Estou otimamente servido de criado e companheiro! Não tenho, sinto – um guindaste para lhe suspender a pança!

GABRIEL (depois de haver examinado o baralho com atenção; para o amo) – Pensei que não
tinha trazido. Está ótimo! Vamos a uma primeirinha? (Batendo no baralho.) Hem? Hem?

(Tocando-lhe no braço.) Então? Vamos, ou não vamos!?

FERNANDO – Tu és o diabo em figura de bicho. (Batendo-lhe na pança.)

GABRIEL – Ai! não me fures, que eu tenho um filho de seis meses arranjado pela Sra. D.
Luduvina, aquela célebre parceira que o Sr. meu amo melhor que eu conhece ... visto que passou as mais apreciáveis noites com... ou... etc. etc.

FERNANDO (batendo-lhe na boca) – Ó diabo! Não descubras esse segredo! Senão, são capazes os amigos dela de me porem na cadeia!

GABRIEL (à parte) – Por isso é que muitas vezes eu chupo-lhe o dinheiro, faço d’amo! Tem
segredos, que eu sei; e que ele não quer que sejam revelados!

FERNANDO – Então, Galdino! Encheste o teu pandulho desde ( bate-lhe na bunda, que é
tão bem formidável, e na barriga) esta extremidade até esta...!

GABRIEL – Ai! ai! seu diabo! Não sabes que ainda não botei as páreas do que pari por aqui!...

(Apalpa a bunda).

FERNANDO – E entretanto, de mim não te lembraste, judeu! Vai me buscar uma chícara, anda!

GABRIEL _ Oh! Pois não! (pulando; e dando voltas.) O meu amo sabe dançar a chula? (Olha para os calcanhares.) E ainda faltam-me as esporas; senão, havia eu de fazer o papel mais interessante que se tem visto! Nem o Juca Fumaça era capaz de me ganhar em levianeza e linda graça! (Continua a dançar a chula.)

FERNANDO - Este diabo (à parte ou para um lado ) não vai me buscar café! Então? Vais ou
não vais!?

GABRIEL – Ah! quer café! Já vou! (Dá mais duas ou três voltas, e entra por uma porta, pela qual torna a vir logo depois.)

FERNANDO – Que tal estará o café deste judeu?

GABRIEL – Eis aqui! Está melhor que o chocolate da velha Teresa lá do Caminho Novo em que não há senão velhas tabaqueiras ou espirradeiras, que na frase dos rapazes são tudo e a mesma cousa!

FERNANDO (pagando a chícara e levando-a aos lábios) Fum!... Fede a rato podre! E tem
gosto de macaco são! Que porcaria! Pega; pega! (Atira-lhe com o café à cara.)

GABRIEL (limpando-se todo) – Não precisava fazer-me beber pelos olhos! Já estava farto de
derrama-lo pela cara. Agora arrumo a xícara.

FERNANDO – Quem sabe se o fétido e o gosto proveem da xícara!? Pode ser! Para não tornar a ter destes prazeres... (atirando) quebrarei as pernas deste pançudo! (Atira xícara e pires pernas do criado.)

GABRIEL –Ó diabo! Quase me quebras as pernas! Mas ficou sem o casal da xícara! O que me vale (à parte) é que por eu há muito já o conhecer, mandei o ano passado forrá-las de aço no ferreiro das encomendas, que mora lá por trás das vendas, na rua das contendas!

ATO SEGUNDO

Cena Primeira

LUDUVINA (mulher de Gabriel Galdino, velha feia e com presunções e ares de feiticeira) –
Graças a Deus que já se pode vir a esta sala (Olhando para o chão.) Oh! Cacos! Que barulho haveria aqui! Quem quebraria esta louça! Querem ver que meu marido, o Sr. barrigudo e bundudo, que pelas nádegas (e se espera que faça o mesmo pelo umbigo) andou brigando com o amo, que uma outra das mais raras esquisitices que se há visto sobre a Terra! Nem foi outra cousa! Deixem-nos por minha conta; hein de pôr-lhes freios e lei, e em toda a sua grei!

GABRIEL (entrando) - Oh! Minha querida Luduvina! Levantei-me a sonhar como um
sonâmbulo. Agarrei-me primeiro a uma janela, pensando que era a Sr.! Depois a uma talha, ainda com a mesma ilusão! E ultimamente a uma música chamada cavatina, pensando sempre que era a Sra. D. Luduvina!

LUDUVINA – O Sr. é muito gracejador! Quem o manda dormir tanto! Por que não faz como eu, que atiro-me do mar, ponho-me no ar!? Sabe que mais? (Pondo o dedo em frente ao rosto dele, como ameaçado.) Se quiser continuar a ser meu, há de primeiro: Levantar-se de madrugada, senão à do galo primeira cantada! Segundo; banhar-se dos pés à cabeça, e esfregar-se com fino sabão inglês ou sabonete. Terceiro; alimentar-se três vezes ao dia; e de comidas simples e brandas; como por exemplo: uma xícara de chocolate para almoço com uma fatia ou alguma massa fina torrada ou não; um ou dous pedacinhos de galinha ou cousa idêntica, para o jantar, e quando muito mais (o que não julgo necessário) – um cálice de vinho superior, ou uma xícara de café, ou de chá. À noite – qualquer líquido destes como ceia. O melhor de tudo é tomar uma só bebida para almoço, e para ceia; e para o jantar tão bem um só pratinho com um calice de vinho, ou uma xícara de café, no primeiro caso se for com carne, no segundo se for...

GABRIEL – Agora acabe! Depois da ceia, diga O que havemos de fazer? Em que me hei de
entender!?

LUDUVINA – De noite, depois do chá... já se sabe (abraçando-o), vamos para a cama dormir
quentinhos! Fazer alguns... alguns filhinhos. Sabe, não? Entende o que eu quero dizer? Entende; entende; o Sr. não é nenhum ignorante.

GABRIEL – Estás gaiata; gaiatíssima. Pois não basta a nossa filha Esméria para nos entreter!?
Ainda queres mais filhinhas!?

LUDUVINA – É porque eu sempre gostei...

GABRIEL – Mas isso era no tempo de moça; agora estamos velhos...

LUDUVINA – A mulher nunca é velha! E o homem sempre é moço.

GABRIEL – Ora explique-me Sra. Pulquéria, a sua asserção; eu não entendo bem.

LUDUVINA – Visto que me troca o nome, eu lhe trocarei o chapéu. Tira o que ele tem na cabeça e põe-lhe outro mais esquisito.) O nome que me deu, regula com o chapéu, que eu lhe – ponho: e dê graças a Deus não o deixei com a calva à mostra!

GABRIEL – Já agora estarei por tudo. Casei-me de fato com a Sra.; não há remédio (à parte)
senão aturá-la...

Cena Segunda

FERNANDO (entrando) – Oh! Que é isto? O Sr. acompanhado aqui desta dama!

GABRIEL – Pois quem tem? Sim; sabe... o meu casamento...sim; o Sr. ignora! Tem razão!

FERNANDO – Pois o Sr. é casado!?

GABRIEL – E até tenho uma filha chamada Esméria.

FERNANDO (olhando para um lado) – E esta! O meu criado; e já com uma filha.

GABRIEL – Sim, Sr. Sim, Sr. E por isso mesmo far-lhe-ei em breve as minhas despedidas!

FERNANDO – Ainda mais esta! Fala-me em despedida! (Pausa.) E depois quem me há de
servir, se me faltar este pançudo barrigudo!

ESMÉRIA (entrando) – Sua bênção, meu pai.

GABRIEL – Oh! Bem-vinda, minha querida!

FERNANDO – Onde diabo, em que casa tinhas tu metido a mulher, e este anjo de bondade!?
Tão escondidos ou bem guardados, que eu nunca pude saber que existiam!?

GABRIEL – Não me convinha; porque sei quanto o Sr. é amigo de alheias mulheres! E se a
minha Esméria é um anjo de bondade, a minha Luduvina é uma santa de maldade!

FERNANDO ( muito zangado) - Todos têm mulher. (Puxando os cabelos.) Isto é o diabo! É o diabo! E é o diabo. Onde irei eu buscar, achar uma que me agrade! (De repente, para Gabriel Galdino :)Amigo, dás-me a tua filha em casamento!? (Pondo-lhe a mão no peito.) Se
má dás, hoje mesmo, meu caro, ela será minha mulher!

GABRIEL – A minha Esméria é um anjo de bondade; só se o Sr. se sujeitar a todos os preceitos que ela lhe impuser!

FERNANDO – Mas que diabos de preceitos são esses!? Pois tu não me conheces? Não sabes
quanto eu sou franco e generoso; cavalheiro e...

GABRIEL – Sei; sei de tudo isso! Mas eu não quero fazê-la infeliz! O Ilmo. Sr. Dr. Fernando há de ser uma espécie, ou um verdadeiro criado fiel de minha filha; e há de declará-lo em uma folha de papel, escrita por tabelião e assinada pelo juiz competente; o dos casamento ou dos negócios civis. Etc. etc. e etc. Com a satisfação de todas estas condições, ou seu preenchimento, a minha muito querida filha, se quiser, será sua mulher. Fora delas, ou sem elas, não falaremos, não trocaremos mais sobre tão melindroso assunto.

FERNANDO (à parte) – E o caso não julgado é verdade – que estou pela menina apaixonado; e que por isso mesmo não terá remédio o Sr. Fernando, senão a tudo se ir sujeitando. Assim é que servia-me o meu futuro sogro; há mais de seis meses sem que eu soubesse que era casado, e que tinha filha! Foi realmente um mistério. E dizem-me que não aparecem ou não se vêem milagres no tempo presente.

ATO TERCEIRO

Cena Primeira

LUDUVICA ( criada da Almeida Garrett) - Depois Que este meu amo se associou ao Sr. Fernando de Noronha que este se casou com Sra. D. Esméria, filha de um velho criado deste; e finalmente, depois que se juntou certa camaraótica de maridos, mulheres, genros, criados ou quiabos, anda esta casa sempre assim! Ninguém os entende! Se vai servir à Sra. D. Luduvina, eis que se ouve a voz do Sr. Fernando de Noronha, gritando _ Luduvica! Luduvica! Traz-me as botas! Se se está servindo ao Sr. Dr. Fernando, eis que me chama a Sra. D. Esméria: “- Luduvica! Luduvica! Toma este recado e vai levá-lo à casa de minha prima Hermenêutica”. Finalmente, se estou servido a qualquer destes, eis que o Sr. Gabriel Galdino, criado outrora malcriado, barrigudo, bundudo, grita: “Dá cá de lá os chinelos, que estou com os óculos na cabeça! ”Enfim, é o diabo! É o diabo! Muito desejo ver-me livre desta casa, em que seis ou oito meses de serviço já me fedem! Ainda que me não queiram pagar, quando não o pensarem hão de me ver raspar! (Entra Almeida Garrett, Gabriel Galdino e Fernando de Noronha.)

GABRIEL GALDINO – Com todos os diabos! Estou hoje com tais disposições de avançar a
corações, que se tu não fosses casada (pondo a mão em Luduvica), protesto que não escaparias!

LUDUVICA – Como o Sr. está engraçado! Pensa que mesmo sendo, e que mesmo não sendo, eu havia de ceder aos seus desejos brutais, sabendo principalmente que é casado, atoleimado, foi criado e que tem filhos!? Está; está – muito e muito enganado!

FERNANDO DE NORONHA – Oh! Sr. Gabriel Galdino, isso não é cousa que se faça às
escondidas de alguém. Eis porque não há criados que queiram servi-nos (Com força.) Isto envergonha! Envergonha, e faz afastar de nós todos os criados e criadas que há em toda esta cidade! É esta a décima oitava que para aqui vem; e que não tardará a deixar-nos! Se o Sr. não mudar de comportamento, estamos todos perdidos! Teremos em breve de nos servimos com as nossas próprias mãos!

GARRETT – Ainda será bom se nos servimos só com as nossas mãos! Se nos for necessário
servimo-nos com os nossos pés!

GABRIEL GALDINO – Não – toleirões! Eu estava apenas brincando. Queria ver a que ponto chegava a pudicícia da nossa encantadora e amável servidora – Luduvica Antônia da Porciúncula. (Fazendo menção de abraça-la, ela afasta-se um pouco como receosa.) Não receies, minha Menina; se voz desse um abraço – seria de amizade, ou igual àqueles que os Pais dão nos filhos; as mães nas filhas; etc. etc.

FERNANDO – Luduvica, já preparaste o que te disse de manhã que queria?

LUDUVICA – Como havia de preparar, se eu não me posso voltar nem mexer-me para lado
algum!? Se me volto para direita, sou chamada da esquerda; se para a esquerda, incomodada pela direita; e finalmente pelos flancos, retaguarda e vanguarda; sempre e sempre chamada, incomodada e flagelada!

FERNANDO – Em vista disso, irei eu mesmo preparar! (Sai muito zangado, mas pára-se na
porta.)

GARRETT – e as minhas camisas, calças e ceroulas – já aprontaste?

LUDUVICA – Não tenho tido tempo nem para coser os meus vestidos, quanto mais a sua roupa!

GARRETT_ Um criada assim, não sei para que diabo pode servir! (Vai a sair e esbarra-se com Fernando de Noronha, que até então se acha sério e firme, como um soldado de sentinela em frente do inimigo.)

FERNANDO – Alto lá! Aqui ninguém passa. Ponha-se aí ao lado, e firme como um soldado.
Quero ver até ponto chega a audácia desta criada! (Garrett perfila-se ao lado direito.)

GABRIEL GALDINO ( com palavras muito ternas ou açucaradas) – Então, minha queridinha?

(Aproxima-se a ela..) Nem beijinho me dás, nem uma boquinha, nem um abracinho, nem ao menos um volver desses olhos estrelados!

LUDUVICA (sorrindo-se) – Ora, nunca pensei que o Sr. fosse tão audaz!

GABRIEL – Pois é audácia pedir-se aquilo de que se tem necessidade!?

LUDUVICA – Vá procurar a sua mulher, e com ela faça o que quiser!

GABRIEL – E se ela não quiser, o que hei de eu fazer!?

LUDUVICA – Ter paciência , fazer-lhe continência!

GABRIEL – Então além de me negar aquilo que me deve dar, ainda hei de Ter paciência e fazer-lhe continência!?

LUDUVICA – E que remédio o Sr. terá, senão assim proceder, ou humilhar-se!? Se o não fizer, ela o ferirá; o Sr. há de morrer, ou ela se matar!

GABRIEL – Em vista disso, adeus minha queridinha; adeus! (Vai a sair e encontra o mesmo
obstáculo como Garrett.)

FERNANDO ( para Gabriel Galdino ) – Alto, frente! Tome a esquerda e perfile-se!

(Desembainhando a espada por detrás.) (Gabriel toma a esquerda e perfila-se.)

LUDUVICA – Que farão os três pandorgas (Passando e vigiando-os ora com o rabo de um, ora com o rabo de outro olho.) Que esperarão eles! Pensarão mesmo que me hão de continuar a massar!? Estão bem servidos! Eu componho; eu agora mostro-lhes o que é a força de uma mulher, quando esta está a tudo resolvida, ou mesmo quando apenas quer mangar com algum homem! (Puxa, passeando, um punhal que ocultava no seio e conserva-o escondido na manga do vestido.) Estes (à parte) meus amos são uns poltrões; eu faço daqui carreira, faço brilhar o punhal; eles. Ou me hão deixar passar livremente, ou caem por terra mortos de terror; e não só por serem uns comilões, uns poltrões, também porque... não direi mas o farei! (Volta-se repentinamente; faz brilhar o punhal; avança-se para eles; os dos lados caem cada qual para seu lado, e o do centro para diante; ela salta em cima deste, volta-se para o público e grita levantando o punhal!) Eis-me pisando um homem, como um caruncho [a] um cavalo morto! Quando a força da razão, do direito e da justiça, empregada por atos e por palavras, não for bastante para triunfar, lançai mão do punhal... e lançai por terra os vossos indignos inimigos, como fiz e vedes a estes três algozes! (Desce o pano, passados alguns minutos. E assim finda o terceiro Ato.)

ENTREATO

JERÔNIMO DE AVIS (entrando com flauta e três tocadores, com vários instrumentos) – Lá
vai! (Sopra a flauta; e esta não dá mais que um assovio destemperado; sopra com mais força, - sucede o mesmo, ou ainda pior. Muito ansiado, querendo desculpar-se: ) Senhores, deu o tétano na minha flauta! Desculpem; desculpem!

OS OUTROS – Qual desculpa, nem desculpa! Embaçou-nos, agora há de aprender a tocar todos os instrumentos. ( Caem-lhe em cima com eles; ele defende-se com a flauta; de uns e de outros; e assim que pode corre a safa-se. Os outros fingem persegui-lo; ele procura escapar-se e não pode, dando também em uns e em outros com a flauta, dizendo-lhes:)

JERÔNIMO DE AVIS – Paguem as lições que lhe dei ensinando-os a tocar flauta. (Neste ato e barulho, deve pouco a pouco ir descendo o pano.)

QUADRO

Aparecem todos; cantam – e daçam mascarados; de violas, tambores, flautas, rabecas e violões – os seguintes versinhos:

Minha Musa está vazia,
De tanto haver dado à tia!
Minha rabeca não canta,
Nem o violão descanta!

Trai, larai; tri, lari,
Lari; trai, larai, tri lari
Larou...

(Repete-se.)
Minha viola ‘stá zangada,
Por não Ter mais uma corda;
Dela a flauta discorda;
E assim – só desagrada!

Trai, lari; tri, lari,
Lari; trai, larai, tri lari
Larou...

Minha rabeca assovia;
Com esse rouco violão,
Não faz boa harmonia:
Hei de ver melhor baixão!

Trom larom,
Larom larom larom;
Trom larom larom
Larau lau lau...
(Repete-se.)

Meus tambores estão rotos!
Que fazer deles – não sei!
Hei de vendê-los ao Rei,
Cobertos de peles d’escrotos!

Trom, larom, larom,
Larau lau lau; trom, larom,
Larau, larau, lau lau!...
(Repete-se.)

Minha flauta já não toca,
Mas apenas – assovia!
Se não melhorar na pia,
Hei de mandá-la à taboca!

Drom, larom, larom,
Larim lau lau, drom,
Larom. Lari, lari, larom!
(Repete-se)

Cantados e repetidos estes versos por duas ou mais vozes, daçando-se e tocando-se chóteze, cada um canta os que dizem respeito ao instrumento que toca.

Termina o Quadro; e com ele a Comédia, do seguinte modo:

O FLAUTISTA (Para os outros) – Srs.! Silêncio! O mais profundo silêncio! Vou tocar a mais agradável peça, e de minha composição, que se possa Ter ouvido no planeta que habitamos! Ouçam! Ouçam! (Todos ficam silenciosos; e põem os instrumentos debaixo do braço esquerdo. O Flautista, levando a flauta à boca : )

Fi......... u.........

(Desce o pano)

Fim do Quadro e da Comédia.

Porto Alegre, junho 6 de 1866.

Fonte:
LEÃO, José Joaquim de Campos (Qorpo Santo). "Um Assovio". Teatro Completo, Guilhermino César (org). Rio de Janeiro: Serviço Nacional de Teatro/Fundação Nacional de Arte, 1980. p. 147-161 (Clássicos do Teatro Brasileiro, 4).

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