sábado, 30 de janeiro de 2010

Nilto Maciel (O Ouro de um Pobre-Diabo)


Passei toda minha longa vida imaginando riquezas, sonhando tesouros e prêmios lotéricos. Vivia numa pobreza de causar dó. Trabalhava feito um desgraçado. Cometi mil pequenos erros, de tanto querer escapar à má sorte. Embriagava-me, jogava dados, batia na mulher e nos filhos. Terminei por abandoná-los. Vagueei pelas ruas, por vilas e cidades, sempre em busca de dinheiro, muito dinheiro, fortuna.

Já velho, cansado, doente, resolvi parar. O destino não me queria rico. Restava trabalhar, pedir, roubar migalhas. E esperar a morte. A mais miserável morte.

Uma noite, deitado numa esteira, eu fazia um balanço de minha vida. E olhava para um buraco no teto. Talvez visse estrelas e seu brilho distante, infinito.

Absorto, senti cair sobre meu peito um pequeno objeto. Assustado, ergui-me. A coisa rolou para um lado. E tiniu. Parecia uma moeda. Dei um bote, agarrei-a. Trêmulo, aproximei dos olhos o brilho encantador do ouro. Sim, era moeda de ouro.

Ainda encantado, ouvi outro tinido no quarto. Arregalei os olhos, para não perder de vista um só instante do trajeto daquele maná. A rodinha rodopiou no chão e parou junto à parede. Ia eu apanhá-la, quando novo baque sucedeu. Olhei para o teto. Não vi mais estrelas. Em compensação, o buraco parecia entupido de moedas, que caíam lentamente, uma a uma.

Primeiro enchi os bolsos, a seguir sacos e sacolas. Cheguei a esvaziar a mala de roupas e pequenos objetos de uso pessoal. Imaginava fugir dali, tão logo caíssem todas as moedas. Com certeza haviam sido roubadas e escondidas no telhado da casa.

Porém não consegui fugir. Pois, abarrotados bolsos, sacos e mala, continuaram a cair moedas. E cada vez com mais intensidade. Decidi, então, sentar-me a um canto e simplesmente observar o espetáculo.

Acumulavam-se moedas no chão. E eu maravilhado, sem mais nenhum pensamento, a não ser o de estar finalmente rico.

No meio da noite, já todo o chão se cobrira de moedas. E eu passeava, sonolento, de um lado para outro, a pisar, orgulhoso, minha incalculável riqueza. Olhava de vez em quando para cima. O buraco expelia ouro, sem parar.

Pela madrugada, senti sono e cansaço, e recostei-me à porta. Acordei já de manhã. Um peso enorme parecia me sufocar. Eu devia estar sentado. As moedas chegavam à altura do pescoço e todo o quarto cheirava a ouro e brilhava como um sol.

Tentei desenterrar-me. Nem sequer consegui arrancar as mãos do monte de moedas. E do teto mais e mais ouro escorria.

Apavorei-me. Se aquilo não parasse logo, eu poderia morrer sufocado. Pus-me a gritar, ao mesmo tempo que fazia força para me soerguer.

Quando conseguiram entrar no quarto, minha alma já havia sumido.

Fontes:
Jornal de Poesia.
Imagem = Montagem sobre desenho (mendigo) de Souzacampos

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