domingo, 31 de janeiro de 2010

José Faria Nunes (Goiás Poético)



QUERO INDIGNAR-ME

Quero indignar-me
com a mãe que se submete
ao aborto de uma vida.
Mas como indignar-me
se a própria vida dessa mãe
já foi abortada?
Quero indignar-me
com uma criança que na rua
assalta à mão armada.
Mas como indignar-me
se essa criança jamais
conheceu o afago da mãe
ou o valor de ser gente?
Quero indignar-me
com a fome
a miséria
a deseducação.
Mas como indignar-me
se me falta tempo
até de ver como gente?
Quero indignar-me
com o desamparo de crianças e idosos
de filhos sem pais e de pais sem filhos.
Mas como indignar-me
se a vida neste mundo global
colocou uma cifra
no lugar do meu coração

* * * * * * * * *

O SONHO DE UM POVO

Um dia um povo sonhou com a liberdade
e esse povo acreditou no sonho e lutou por ele.
Houve até quem por ele morresse.
O sonho deste povo foi objeto do sonho
de tantos outros.
Mas o sonho deste povo foi um sonho
diferente dos outros sonhos.
Enquanto o sonho de além-mar
era um sonho de ambição e dominação
o sonho deste povo era de libertação.
O sonho deste povo era sonho de amor à terra;
terra já irrigada pelo suor
até de sangue de filhos deste povo.
O sonho deste povo foi um sonho de amor
e no ato de amar até parceiros de além-mar
a este sonho vieram se somar.
E no somar dos sonhos eis que ecoou o grito
de independência deste povo. E aquele grito
do sonho deste povo ainda ecoa no ar.
Ecoa aos ouvidos de geração a geração
que ainda insiste em sonhar.

* * * * * * * * *

POESIA E LIBERDADE

A caneta do poeta
rebela-se
ante a injustiça
do poder.
E faz-se podr
na liberdade
do ato de pensar.
Quando o poder
em seu império de força
impõe-se
sobre a caneta do poeta
então este carece
de ser mais que poeta:
dele se exige
a engenharia dos deuses
na construção mágica
do amor.

* * * * * * * *

TRANSCENDÊNCIA

Qual bisturi a extrair o cisto
arranco minhas angústias
e as deposito, amorfas,
em um tubo de ensaio
como um troféu de batalha.
Agora quero rir da tristeza
e dizer que o amor pode mais
que a mágoa secular
cristalizada no peito.
A partir desta hora
a poesia transcenda os limites
da cibernética
seja esta humanitária
e se dilua etérea sobre seres mal-nascidos.
Mesmo que a vida tenha sido negada
e o futuro um sonho precocemente abortado
não maldigo o poema: com meus sentidos despertos
faço caminho no espaço
enlaço o céu num abraço
arranco os olhos do sol
e faço meu firmamento.

* * * * * * * *

ORAÇÃO DO EDUCADOR

Inspirai-me
oh! Mestre dos Mestres
para que o mister a que me proponho
ilumine as mentes a mim confiadas
nessa jornada. Daí-me sabedoria
Oh mestre, para que mais que professor
seja eu educador, condutor de esperanças
para um novo amanhã. Tenha eu
complacência para com aqueles
que de mim mais necessitam. Como orientador
de vidas jamais a intolerância consiga
meu domínio e me force a trilhar
o cômodo caminho do descompromisso.
Esteja eu mais para Apóstolos que para Pilatos
com um assumir constante da Divina
Missão de educar, criar vidas, reinventar mundos.
Possa eu educar para a vida
longe da discriminação sem marginalizar ninguém,
pois todos da luz são herdeiros e merecedores.
Tenha eu sempre na alma a imagem,
a lembrança do Mestre-Amor, Mestre-Perdão
e jamais expulse meu aluno
que merece ser mais gente,
jamais um desviado na marginalidade da vida.
Jamais me deixe esquecer
de que a palavra orienta, mas o amor
e o exemplo constroem, dignificam para a vida
para o mundo
e para Deus.

* * * * * * *

AUSENTE PRESENÇA

Presença ausente no universo
da saudade. Presença
etérea de alma anônima
mesmo sufocada pela multidão.
Solidão não ausência
do ponderável. É ausência
da alma gêmea.
De repente a solidão
esmaga-me na multidão
e se dilui no imponderável.
Ela esvai-se
de mim no instante
em que, mesmo só,
sacia-me o âmago
da alma na interação
de imaginada presença.
O poeta mesmo só
nunca fica á sós.
Acompanha-se-lhe
sempre a presença
do ente sonhado.
O poeta só está só
se perdido na multidão
do inimaginável.
O poeta só está só
se tiver a alma
vazia de sonhos para sonhar.

* * * * * * *

ESSÊNCIA

Toda criança tem, um dia,
a fantasia
de crescer logo, libertar.
Mas cedo, cedo ela constata
a sina ingrata
de vir pra vida pra lutar.
Se nasce pobre, é pior.
Mais dói a dor
de sempre ter que obedecer.
Por que uns nascem pra mandar,
para gozar,
e outros nascem pra sofrer?
Foi o que vi desde criança:
insegurança,
poucos motivos pra sonhar.
Orvalho, espinho, dura lida.
Mas vi na vida
maior motivo pra lutar.
Hoje aprendi que o futuro
é jogo duro,
sem muito tempo pra viver.
Cada momento que se vive,
como os que tive,
é o prêmio que se pode ter.
Importa menos a vitória.
A maior glória
é ter mais força pra lutar.
O que mais vale é a esperança,
perseverança
em ter mais sonho pra sonhar.

* * * * * * * * *

A LINGUAGEM DO SILÊNCIO

No brincar com as palavras
Perco-me no exercício do discurso.
Saltitam-se-me à frente palavras e palavras
[palavras pequenas, palavrões].
De um salto caio sobre elas que, brincalhonas e lépidas,
fogem-se-me das mãos.
E eu, no desalento busco
no canto um encanto - desencanto.
Perco-me nos axiomas, nas polissemias
nos sintagmas e, na busca do assujeitamento
do sujeito, alternam-se-me possibilidades
na promessa de um encontro paradisíaco.
O pretendido torna-se invisível. Descubro
que a vida é um ensaio, o primeiro ensaio
o rascunho sem tempo de se passar a limpo.
A memória do futuro se constrói agora
com o desejo do sonhado.
O futuro se constrói no sonho do poeta
sonho que não se tem.
Dos versos escolhidos vários se me desenharam proibidos
para uma comunhão de linguagens
na universalidade das mensagens.
O superego submete o ID - paradoxo -
discurso do candidato e do eleito,
do religioso-cético-pecador-herege-santo.
Eis que soa a trombeta e o mundo
do poeta se desperta. Só então percebo
que a verbalização de meu discurso
não se encontra nas palavras
mas no silêncio existente entre elas.

* * * * * * *

DESAMOR

Análoga lâmina
Fina
Frio corte
Silente ação
No profundo do aço.

Navalha
Valha noite
Lâmina ferina
Felina
De sequioso corte

Sangra a alma
Cota o sono
O sonho
Assanha
A sanha de fria lápide
Em profundo talho.

Tangidos cartilagem e osso
Dilacerado universo
Entalhe
Do profundo corte.

Detalhe
Negada premissa.

O certo
Prova-se no contexto
Pretexto.
Arrimado parasito
Antítese do amor.

* * * * * * * *

SONHO E VIDA

Brilhe o sol ou caia a chuva, seja inverno ou primavera
Hei de levar meu canto por onde quer que caminhe.
É um canto de vida que sonhei 'inda criança
Talvez de quando nasci naquele sete de dezembro.
Meu canto é alegre como um riso de criança
Na festa de aniversario - mas por vezes meu canto
É triste - triste como uma flor esmagada sob pés indiferentes
Ingratos - mas eu canto, canto a dor de uma criança
que um dia conheci...
A criança que vivi o desalento da dor
tocou-me forte na infância
Ao quebrar-me o antebraço na brincadeira de pique
em uma noite qualquer.
Com meus pais aprendi que a crueza da vida
e pode romper com luta
Mais amor e trabalho.
Este exemplo segui: Inobstante a dor,
dos pés no quente da areia
Em diuturnas caminhadas para a roça eu ia.
Boné na cabeça, aos ombros o bornal com garrafa de café
O caldeirão de almoço que minha mãe
preparava para a fome de meu pai.
Comida gostosa aquela: Arroz, feijão e farinha,
outra vez frango, verdura
Mandioca, batata frita... Banana madura.
Criança franzina, deficiência no braço,
mesmo assim eu seguia.
Sob o sol escaldante capinava a erva daninha
da roça ou do quintal
Ajudava no plantio e na colheita do arroz.
Eis que um dia o sonho explodiu forte na mente
E em tempo descobri não bastar-me o limite
Da produção de alimento para o corpo vegetar.
Um passo, outro passo, busquei
uma seara de alimento pra alma.
Na escola busquei alimentar-me o bastante, beber sabedoria
Na fonte da experiência dos produtores da história.

A escolinha de meu tio, depois o grupo escolar.
Nem a chuva ou o sol, nem orvalho das manhãs
Nada fez-me recuar das primeiras lições.
Chegou o fim do primário, não mais pude estudar
E no recesso da escola fui viver outras histórias:
A do servente de pedreiro, do balconista de bar,
Do vendedor de verduras, do lenhador com meu pai
Mas também a do garoto que nadava na barrinha
Ou no campinho aos domingos com os companheiros jogava.
Outra fase do sonho amanheceu em meu ser:
Na fazenda soledade vi-me, súbito, professor.
O tempo - ah! O tempo!
Jamais faz concessões e em suas ondas voltei.
Minha cidade, cidades outras, cheguei até à capital.
O admissão ao ginásio, a madureza, o supletivo
Vestibulares, faculdades de Jornalismo, Direito
Licenciatura plena em Economia e Legislação
Aplicada e cursos de extensão,
especialização em psicopedagopgia.
Neste caminhar vivi o bibliotecário publico,
o auxiliar de escritório
Correspondente de jornal, locutor de rádio, repórter...
Assessor de imprensa de secretaria de Estado.
Fiz poemas, contos, artigos...
publiquei-os em livros, jornais e revistas.
Tive a ventura de ser divulgador de minha terra
por onde quer que passasse:
nas faculdades, nos clubes, nas entidades culturais,
jamais neguei as raízes do campônio que sou.

O sonho não findou: Eis-me de volta às raízes
onde a vida me espera.
Quero a união dos amigos, dos inimigos
a paz para um mundo fraterno
Podermos, juntos, buscar.
De minha vida faço lema a educação, cultura, a justiça social
O progresso do homem em dimensão integral.
Busco o futuro - conquista e tempos de liberdade,
de amor e de paz.

* * * * *

NOS CAMPOS DE PARNASO

Ser livre, leve, solto
o que sempre sonhei
no caminhar pela vida.

O cupido, em seu capricho
aproveitou-se do instante
de uma incauta distração
e sorrateiro, pertinaz
fisgou-me fundo no peito
latejante e ardente o amor.

Em sonho transportar-me-ei
até os campos de Parnaso
onde as musas me habitarão e amar-te-ei como Eros.

Em sonho hei de cravar
minha lança na gruta doce
de teu triângulo de Vênus.

Amar-te-ei com tal arte
que só um Deus Faria
e em teu triângulo de Vênus
cravarei minha lança.

Até o âmago de teu ser
hei de levar meu amor
faze-la Deusa da Vida
e eu da vida Senhor.
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