Crônica, do grego chrónos, tempo, cronicar, feito Tácito, relatar o tempo ou tempos.
Por que nós, brasileiros, fizemos do gênero especialidade da casa — feito muqueca de peixe ou tutu à mineira?
Eu, pela parte que me cabe — e é pouquíssima a parte que me cabe —, eu tenho minhas teoriazinhas.
Primeiro lugar, porque nós trabalhamos bem com poucas armas, isto é, Euclides da Cunha à parte, nosso fôlego literário é curto.
Não há nenhum demérito nisso.
Se a América Latina fornece caudalosos escritores, como Vargas Llosa, Roa Bastos e Alejo Carpentier, nós, por outro lado, somos excelentes no pinga-pinga do conto: o próprio Machado de Assis, Lima Barreto, Alcântara Machado, Dalton Trevisan, Clarice Lispector, Rubem Fonseca.
Segundo lugar, porque nós temos consciência da extraordinária violência com que o tempo vai levando as coisas e as gentes, daí a necessidade de registrar, de alguma forma, o que se passou e passa no âmbito pessoal e intransferível.
Terceiro lugar, em conseqüência disso que acabei de falar: somos muito pessoais, vemos e vivemos muito a nossa vida e a celebramos quase que no próprio instante em que ela se passa.
A crônica é a nossa autobustificação, por assim dizer.
Ou, em termos da realidade atual: é a nossa autonomeação para assessor disso ou secretário daquilo outro.
E em quarto e último lugar: dinheiro.
Não há motivo nenhum para se ficar encabulado.
Quem não escreve por dinheiro não é digno da profissão.
Um romance vende cinco mil exemplares e o autor, com alguma sorte, pega o equivalente a uns tantos salários mínimos.
Se dividirmos tempo gasto no trabalho e na vida de estante do livro, vai dar nisso mesmo: salário mínimo.
O cronista, por outro lado, mesmo mal pago — e quando é bom não é esse o caso —, tem uns cobres garantidos no fim do mês, se o empregador for bom pagador.
Conseqüentemente: aí está, viva e atuante, a crônica do cronista brasileiro.
Pouco importa que o cronista ou a cronista limite-se a relatar seu encontro no bar ou sua ida ao cabeleireiro.
Tanto faz que seja elitista ou literariamente imitador.
E daí que tenha menos profundidade que mergulhadores mais audazes como Milan Kundera e Marion Zimmer Bradley?
A crônica vai registrando, o cronista vai falando sozinho diante de todo mundo.
Fontes:
LESSA, Ivan. Ivan vê o mundo. RJ: Editora Objetiva, 1999.
Imagem = http://trabalhosameio.blogspot.com
Por que nós, brasileiros, fizemos do gênero especialidade da casa — feito muqueca de peixe ou tutu à mineira?
Eu, pela parte que me cabe — e é pouquíssima a parte que me cabe —, eu tenho minhas teoriazinhas.
Primeiro lugar, porque nós trabalhamos bem com poucas armas, isto é, Euclides da Cunha à parte, nosso fôlego literário é curto.
Não há nenhum demérito nisso.
Se a América Latina fornece caudalosos escritores, como Vargas Llosa, Roa Bastos e Alejo Carpentier, nós, por outro lado, somos excelentes no pinga-pinga do conto: o próprio Machado de Assis, Lima Barreto, Alcântara Machado, Dalton Trevisan, Clarice Lispector, Rubem Fonseca.
Segundo lugar, porque nós temos consciência da extraordinária violência com que o tempo vai levando as coisas e as gentes, daí a necessidade de registrar, de alguma forma, o que se passou e passa no âmbito pessoal e intransferível.
Terceiro lugar, em conseqüência disso que acabei de falar: somos muito pessoais, vemos e vivemos muito a nossa vida e a celebramos quase que no próprio instante em que ela se passa.
A crônica é a nossa autobustificação, por assim dizer.
Ou, em termos da realidade atual: é a nossa autonomeação para assessor disso ou secretário daquilo outro.
E em quarto e último lugar: dinheiro.
Não há motivo nenhum para se ficar encabulado.
Quem não escreve por dinheiro não é digno da profissão.
Um romance vende cinco mil exemplares e o autor, com alguma sorte, pega o equivalente a uns tantos salários mínimos.
Se dividirmos tempo gasto no trabalho e na vida de estante do livro, vai dar nisso mesmo: salário mínimo.
O cronista, por outro lado, mesmo mal pago — e quando é bom não é esse o caso —, tem uns cobres garantidos no fim do mês, se o empregador for bom pagador.
Conseqüentemente: aí está, viva e atuante, a crônica do cronista brasileiro.
Pouco importa que o cronista ou a cronista limite-se a relatar seu encontro no bar ou sua ida ao cabeleireiro.
Tanto faz que seja elitista ou literariamente imitador.
E daí que tenha menos profundidade que mergulhadores mais audazes como Milan Kundera e Marion Zimmer Bradley?
A crônica vai registrando, o cronista vai falando sozinho diante de todo mundo.
Fontes:
LESSA, Ivan. Ivan vê o mundo. RJ: Editora Objetiva, 1999.
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