domingo, 24 de janeiro de 2010

Hermes Fontes (Caderno de Poesias)


ROSA

Rosa do meu Jardim, que ardes na minha Jarra,
filha do meu afã, mártir do meu amor!
Minha grande paixão egoísta te desgarra
as pétalas, te aspira o segredo interior.

Pois que estamos a sós — eu volúvel cigarra,
tu, borboleta rubra estacionada em flor —
deveras ter comigo uma folha de parra,
a fim de preservar-te a beleza e o pudor...

Pois que! tão nua assim, tão fresca e tão punícea,
rosa da Tentação, rosa da Impudicícia,
és o próprio Pecado: e há virtude em pecar...

— Pecar morrendo em ti, sangrando em teus espinhos,
remindo num Desejo os desejos mesquinhos,
gozando pelo Olfato e amando pelo Olhar...

JOGOS DE SOMBRAS

Sempre que me procuro e não me encontro em mim,
pois há pedaços do meu ser que andam dispersos
nas sombras do jardim,
nos silêncios da noite,
nas músicas do mar,
e sinto os olhos, sob as pálpebras, imersos
nesta serena unção crepuscular
que lhes prolonga o trágico tresnoite
da vigília sem fim,
abro meu coração, como um jardim,
e desfolho a corola dos meus versos,
faz-me lembrar a alma que esteve em mim,
e que, um dia, perdi e vivo a procurar
nos silêncios da noite,
nas sombras do jardim,
na música do mar…

MESSIANEIDA

São Francisco de Assis pregou aos pássaros,
e Santo Antônio aos peixes.
Mais corajoso do que São Francisco
e do que Santo Antônio,
Jesus pregou aos homens e às mulheres...

Perderam, todos eles, o seu tempo
e o seu sermão:
O mais sábio por certo,
o mais sábio de todos foi São João,
que pregou no deserto...

POUCO ACIMA DAQUELA ALVÍSSIMA COLUNA

Pouco acima daquela alvíssima coluna
que é o seu pescoço, a boca é-lhe uma taça tal
que, vendo-a, ou, vendo-a, sem, na realidade, a ver,
de espaço a espaço, o céu da boca se me enfuna
de beijos — uns, sutis, em diáfano cristal
lapidados na oficina do meu Ser;
outros — hóstias ideais dos meus anseios,
e t o d o s cheios, t o d o s cheios
do meu infinito amor . . .
Taça
que encerra
por
suma graça
tudo que a terra
de bom
produz!
Boca!
o dom
possuis
de pores
louca
a minha boca
Taça
de astros e flores,
na qual
esvoaça
meu ideal!
Taça cuja embriaguez
na via-láctea do Sonho ao céu conduz!
Que me enlouqueças mais... e, a mais e mais, me dês
o teu delírio... a tua chama... a tua luz...

A CIGARRA

Não, orgulhosa! não, alma nobre e vadia,
nunca foste pedir migalha ao formigueiro!
Dessedenta-te o sol e te nutre a alegria
De viver e morrer cantando, o dia inteiro...

Que infâmia ires ao vizinho celeiro
tu, que tens o celeiro universal do Dia,
e preferes morrer queimada em teu braseiro
íntimo a renunciar a tua fantasia!

Não! tu és superior ao código e ao compêndio,
à Economia, ou à Moral. — Aristocrata,
crês que prever miséria é já um vilipêndio.

Primadona pagã do Jardim e da Mata,
trazes dentro em ti mesma, em teu constante incêndio,
a luz, que te alimenta e o fogo, que te mata…

TODOS TÊM SUA GLÓRIA...

Ó glória, glória triste, excelsa glória,
irmã do amor e da felicidade!
Visão miraginal da trajectória
curta de nossa curta Mocidade!

Só se logra alcançar-te, à merencória
luz, quando a alma de ti se dissuade
e não és mais o que és, pois a memória
do que foste, é que é gloria, de verdade.

O glória que eu julgava inatingível,
se és apenas a fama, e o amor é apenas
a posse corporal de urna mulher...

Que vos valeu penar as grandes penas
de sonhar que eras quase um impossível,
se és um sonho ao alcance de qualquer?!

PERFEIÇÃO

Tanto esforço perdido em ser perfeito!
Em ser superno, tanto esforço vão!
Sonho efêmero; acordo e, junto ao leito,
a mesma inércia, a mesma escuridão.

Vejo, através das sombras, um defeito
em cada cousa, e as cousas todas são,
para os meus olhos rútilos de eleito,
prodígios de impureza e imperfeição!

Fico-me, noite a dentro, insone e mudo,
pensando em ti, que dormes, esquecida
do teu amargurado sonhador...

Ali, Mas, se ao menos, imperfeito é tudo
salve-se, as mil imperfeições da vida,
a humilde perfeição do meu amor!

SUAVE AMARGOR

Sofrer é o menos, minha suave Amiga;
todos têm sua cruz ou seu cajado
— cruz de dor, ou cajado de dever...

Este é sereno; aquele se afadiga:
um, só pelo desejo contrariado,
outro, por esperar, sem nunca obter.

Tudo muda, dirás... Mas, certamente,
não muda a luz: — vem sempre do Nascente
para o mesmo calvário de Sol-Pôr!

Sofrer é o menos... A dificuldade
é sofrer sem protesto e sem rancor;
é morrer sem tristeza e sem saudade:

Morrer, de olhos em Deus, devagarzinho,
ciciando uma palavra de carinho
aos que vivem sem fé e sem amor...

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Fontes:
LEMOS. Wagner (seleção). Antologia Poética da Literatura Brasileira.
MIRANDA, Antonio. Poesia dos Brasis: Sergipe.

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