domingo, 17 de janeiro de 2010

Paulo Monti (Poesias Escolhidas)


ACASO

Prenúncio de chuva:
as nuvens pesam sobre a cidade - elas ou a outra? -
Um telefone brinda um recém-nascido.
Mas, e do tempo, o que dizer?
Um automóvel lança seu rugido:
que é feito de nossos rugidos?
Nossos pés buscam raízes
mas o melhor do tempo está no momento este, o da criação sabadinal:
o sábado com sabor de chuva!
E o resto, só o sonar de neurônio (perdido) refaz
a ânsia de nossos dias.

DRAMA

Meio sem jeito
o poeta se ajoelha ao momento da criação:
já são versos sem sentimentos,
ilhados pelo cimento
e abençoados pelo azul.
Mas, eis que uma chuva precipita o banho universal.
E o pobre poeta sente como é difícil a penosa faina
da disposição livre,
mais difícil, talvez, a arquitetura interna do homem.
O cheiro de terra molhada penetra nos passos comedidos
entre tantos vazios,
e, no peito, algumas poucas plenitudes.
O verso é outro, as luzes estão apagadas.

INTERVALO

Os fantasmas passeiam na casa adormecida.
Enchem cálices vazios
em noites repletas de sonhos novos e antigos.
A lua, navega solitária, satélite:
vive a solidão do espaço!
E as casas abandonadas
encontram razão quase perdida de vida à-toa
os fantasmas são tão vagabundos.
Mas, o mistério é noturno,
e a noite, despertada, anda, anda...

(do livro Poema no ar)

O GRANDE AMOR.

A dor pungente
Do grande amor:
As lágrimas,
Grossas,
Embaçam meu coração - que sangra -
Rasga-se o peito,
A paixão revivida!
Os momentos!
Intensos!
Espontâneos!
Um banho de rio,
Um par de alianças,
Um olho-no-olho,
Um saber mudo
E uma certeza
Da grandeza e força do grande amor.
Suspenso,
Adiado,
Afogado,
No tempo,
Na distância,
Guardado num canto do coração!

PEDAÇOS

Frio: 9ºC
Na rua
E no peito.
Em rios distantes passo
Tão perto
Feito vento
Vago veloz.
Vejo vidraças vazadas:
Último refúgio do sol!
Pedaços de mim
Fora de lugar
Mosaico
Retrato
Fragmentos da vida
Deixada
Sugada
Exaurida.

AURORA

Um sono profundo
Marcado no velho sapato corrompido pelo tempo
Aprisiona o ruflar das asas
Sonolentas da manhã.
O passeio noturno
Liberta antigas canções,
E, em coloridos poços sonoros
Vivem suaves, mas tristes
Criaturas: antigos humanóides.
Num grito isolado e quase sufocado
Algumas tímidas borboletas
Ameaçam o primeiro vôo:
O primeiro vôo...
E, nas contrações azuis da minha sombra,
Transformo-me em anjo sonoro
E musifico.
Faço-o até a última pena,
Até que a primeira estrela da manhã
Bruscamente poligonize-se em minha janela.

BEIRA MARIA

Da praia distante
Quero sal
Gaivotas
Maresias.
Vento salgado
Beira de mar:
Quero de volta
Um verão janeirado de sal e vento
Sal de verão
Ventos de janeiro!
Depois, saudade
Violão macio
Cachaça de rolha
E uma lua(que não precisa nem ser cheia...)!

COTIDIANO

As horas desfilam
Entre promessas que se avolumam
E os sorrisos espontâneos
Dos amigos momentâneos
Sentem as conversas ligeiras
Dos olhares mudos
Dos toques delicados
E as sensações
Ficam no ar suspensas!
Cascatas descambam
Vozes sussurradas
Quase sopradas
Veladas seduções que se instalam:
E a vida se rende ao encanto
Das ninfas gregas que fogem em verdes prados
E tudo se deixa como vento e sol!
E os amantes
Não se amam:
São desamantes
são fruto vazio e cheio de ânsia
São fusão de encontros e separação
são o fim
São amantes nas manhãs
São solitários fins de tarde!
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