sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Antonio Ozaí da Silva (A Experiencia da Dor)


Segunda-feira. Deveria ser mais um dia como outro qualquer, mas uma dor aguda, quase imperceptível, indicava que algo não estava bem. Mesmo assim, saí e fui fazer coisas que não gosto, mas que a rotina obriga, como ir ao banco. O corpo não me enganara, os pressentimentos revelaram-se reais. A dor, insidiosamente, aumentava de intensidade até tornar-se insuportável. Precisei antecipar o retorno. Depois, o médico diagnosticaria o que parecia o óbvio: mais uma crise da coluna, ou, como digo em tom de brincadeira, era o “nervo asiático”. Injeções, comprimidos de vários tipos e repouso – eufemismo que indica a condição em que nos vemos forçados a permanecer deitados a maior parte do tempo, dormindo sob o efeito dos medicamentos ou em estado de sonolência. E assim passaram-se os dias da semana…

O que fazer quando não é possível permanecer em pé ou mesmo sentado? O que fazer quando a vida limita-se ao espaço de alguns metros quadrados, do tamanho da cama, e a dor torna-se a companheira indesejável, porém inseparável? Só resta dormir, tomar remédios, dormir novamente e torcer para que a química comece a surtir os efeitos desejados e apazigúe a dor que teima em permanecer. Até que, finalmente, ela cede, diminui de intensidade e já é possível se movimentar um pouco, fazer as refeições à mesa e, até mesmo, escrever um texto – embora sentado na cama e com precauções, pois ela, a dor, ainda está perto e o corpo denuncia a sua presença.

A imobilidade forçada é angustiante. A dor não altera a consciência do que é preciso ser realizado, das tarefas pendentes que são adiadas. Fossem outros tempos, sem computadores e, portanto, sem emails a responder, revistas eletrônicas a encaminhar, Orkut e redes de relações sociais a manter, atividades acadêmicas virtuais a fazer, etc., a angústia seria atenuada. Nos novos tempos, porém, a tecnologia torna-se extensão do corpo e até mesmo as relações sociais passam a ser influenciadas e determinadas pela capacidade de permanecer conectado. O enfermo em sua cama sente-se impotente por não conseguir dar conta das tarefas já incorporadas ao cotidiano virtual e solitário em sua dor.

Há, porém, aspectos compensadores. Inativo, forçado a permanecer deitado, ele tem tempo mais do que suficiente para pensar. Mesmo na sonolência, a mente se torna um turbilhão de idéias, reflexões e lembranças. E, inevitavelmente, passa a refletir sobre a própria dor. Ele recorda do período em que leu a obra de Milan Kundera e da brincadeira que ele faz em um dos seus livros com o dito cartesiano “Penso, logo existo”. A medida da existência, na verdade, é dada pela dor. Portanto, talvez seja mais correto afirmar: “Sinto, logo existo”. A dor parece resumir tudo, torna-se a síntese do viver.

Mas o que é a minha dor diante do sofrimento do torturado? E como explicar o absurdo de um ser humano infligir dor a outro e, ainda mais, sentir prazer? O que significa diante do que sente alguém com o corpo perfurado por uma bala ou sofreu um acidente e está entre a vida e a morte na UTI? O que é a minha dor diante da tragédia que vitima milhares de seres humanos no Haiti? Como somos egoístas diante da dor!

“A verdade da dor reside naquele que a sofre”, leio em História do Corpo.* Aliás, uma leitura que vem a calhar, mas que, ironicamente, não foi planejada para este momento. Enquanto a dor cede e permite concentrar-se, o tempo do ócio, ainda que em condições não muito propícias, pode ser dedicado ao aprendizado e reflexão sobre o corpo, um corpo histórico mas tão real e humano quanto o meu. A leitura me faz compreender melhor o corpo, a dor e o sofrimento humano, mas não cessa a dor que sinto. Conheço-me um pouco mais, mas preferia não passar por esta experiência.
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* CORBIN, Alain. Dores, sofrimentos e misérias do corpo. In: História do corpo: da Revolução à Grande Guerra, sob a direção de Alain Corbin, Jean-Jacques Courtine e Georges Vigarello, Petrópolis,RJ: Vozes, 2009.

Fontes:
Colaboração do autor Antonio Ozai da Silva
Imagem = http://blogs.diariodepernambuco.com.br

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