Talvez o tempo seja como Saturno, o deus da mitologia romana representado por Goya, que devora seus próprios filhos.
“O tempo é aquele que engendra, o pai absoluto que traz à existência para depois destruir sua prole”. (Jorge Coli)
“Matamos o tempo; o tempo nos enterra”, sentenciou Machado de Assis em Memórias Póstumas de Brás Cubas. O tempo passa, o tempo nos mata. Como afirmou o poeta, “O tempo não pára”. Mas o ser humano, em sua sabedoria quase divina, considerou mais apropriado convencionar que, em certos períodos do ciclo da vida, o tempo passado, passou. C’ est fini! Recomeça um novo tempo, o novo ano.
O calendário é uma invenção humana. Não obstante, em especial neste período, agimos como se o tempo fosse naturalmente seccionado em dias, meses, anos… Fez-se noite, fez-se o dia e os instrumentos para contá-los. O tempo, contado e calculado, surge, então, como obra da natureza ou de uma entidade sobrenatural.
Terminamos por aceitar apenas em parte que “o tempo não pára”. Sim, sabemos que o tempo nos consome, mas é precisamente por sabe-lo que precisamos estabelecer uma pausa e considerar que uma era terminou (o ano velho) e recomeçou outra (o ano novo). Precisamos acreditar. Alimentamos a ilusão do eterno recomeço – até que a morte nos alcance.
É esta necessidade que nos impele a romper os diques da razão e a dar vazão aos sentimentos, emoções e tudo o que significa comemorar o ANO NOVO. Ainda que a razão nos grite que o tempo segue inexoravelmente a sua marcha, agimos e sentimos como se realmente iniciássemos um novo período em nossas vidas. Muitas vezes, procedemos até mesmo como se enterrassemos o “eu” pertinente ao “ano velho”, como se este fosse “outro eu” e não aquele que somos na embriaguez da festança. E por vários dias, mesmo após a ressaca, sinceramente acreditamos que estamos numa nova fase da vida. Depois, a rotina enfraquece esta sensação e então o ano se torna longo e cansativo. Torna-se velho antes que termine. E, em nosso cansaço, ansiamos por mais um ano novo. E tudo se repete…
Porém, em qualquer tempo, o “outro eu”, que gostaríamos de abandonar no “ano passado”, teima em se fazer presente neste ano. Ainda que não queiramos, também somos o resultado do passar do tempo. Não podemos esquecer a nós mesmos no tempo que passou, como se o anúncio do novo ano representasse uma espécie de acerto de contas.
Mesmo assim, fazemos planos. Transmitimos nosso desejo aos amigos e aos que amamos e, especialmente a nós mesmos, que neste ano tudo será diferente. Desfazemos-nos de determinados objetos, procuramos dar termo às pendências e limpamos as gavetas, as reais e simbólicas. E ainda que tenhamos que carregar as dívidas, nos prometemos, e aos outros, que terão um tratamento diferenciado e que, neste ano, nos livraremos delas.
Fazemos vistas grossa à dialética da vida. Teimamos em cindir o tempo passado e presente e idealizamos o “ano novo” como o início de um tempo capaz de realizarmos o “eu” que almejamos. Na busca de forças para resistir às agruras que a realidade impõe, necessitamos ardentemente da sensação, ainda que por breve momento, de que superamos as misérias do tempo que passou. Mas estas nos perseguem e impregnam o nosso ser, o nosso tempo. Elas permanecem à espreita e se introduzem em nossas vidas a despeito dos nossos desejos e felicitações mútuas de um FELIZ ANO NOVO! As rupturas não ocorrem apenas pela vontade idealista e formalidades próprias desta fase. A nova realidade contém a velha…
Contudo, nos lixamos para a dialética. É uma necessidade psicológica. Precisamos, ao menos, atenuar o sofrimento. São trincheiras mentais que nos ajudam a suportar a realidade. Construímos esta noção do tempo como um anteparo à angustia do viver. É-nos difícil admitir que o “ano novo” indica apenas que o ciclo da vida se aproxima do seu desfecho. A natureza tem o seu tempo, e este, este sim, não pára. Ele passa e nos enterra…
Feliz Ano Velho… e Novo!
Fonte:
Colaboração do Autor. Disponível em Blog da Revista Espaço Acadêmico. http://espacoacademico.wordpress.com/
– Imagem = http://blog.ambientebrasil.com.br/
“O tempo é aquele que engendra, o pai absoluto que traz à existência para depois destruir sua prole”. (Jorge Coli)
“Matamos o tempo; o tempo nos enterra”, sentenciou Machado de Assis em Memórias Póstumas de Brás Cubas. O tempo passa, o tempo nos mata. Como afirmou o poeta, “O tempo não pára”. Mas o ser humano, em sua sabedoria quase divina, considerou mais apropriado convencionar que, em certos períodos do ciclo da vida, o tempo passado, passou. C’ est fini! Recomeça um novo tempo, o novo ano.
O calendário é uma invenção humana. Não obstante, em especial neste período, agimos como se o tempo fosse naturalmente seccionado em dias, meses, anos… Fez-se noite, fez-se o dia e os instrumentos para contá-los. O tempo, contado e calculado, surge, então, como obra da natureza ou de uma entidade sobrenatural.
Terminamos por aceitar apenas em parte que “o tempo não pára”. Sim, sabemos que o tempo nos consome, mas é precisamente por sabe-lo que precisamos estabelecer uma pausa e considerar que uma era terminou (o ano velho) e recomeçou outra (o ano novo). Precisamos acreditar. Alimentamos a ilusão do eterno recomeço – até que a morte nos alcance.
É esta necessidade que nos impele a romper os diques da razão e a dar vazão aos sentimentos, emoções e tudo o que significa comemorar o ANO NOVO. Ainda que a razão nos grite que o tempo segue inexoravelmente a sua marcha, agimos e sentimos como se realmente iniciássemos um novo período em nossas vidas. Muitas vezes, procedemos até mesmo como se enterrassemos o “eu” pertinente ao “ano velho”, como se este fosse “outro eu” e não aquele que somos na embriaguez da festança. E por vários dias, mesmo após a ressaca, sinceramente acreditamos que estamos numa nova fase da vida. Depois, a rotina enfraquece esta sensação e então o ano se torna longo e cansativo. Torna-se velho antes que termine. E, em nosso cansaço, ansiamos por mais um ano novo. E tudo se repete…
Porém, em qualquer tempo, o “outro eu”, que gostaríamos de abandonar no “ano passado”, teima em se fazer presente neste ano. Ainda que não queiramos, também somos o resultado do passar do tempo. Não podemos esquecer a nós mesmos no tempo que passou, como se o anúncio do novo ano representasse uma espécie de acerto de contas.
Mesmo assim, fazemos planos. Transmitimos nosso desejo aos amigos e aos que amamos e, especialmente a nós mesmos, que neste ano tudo será diferente. Desfazemos-nos de determinados objetos, procuramos dar termo às pendências e limpamos as gavetas, as reais e simbólicas. E ainda que tenhamos que carregar as dívidas, nos prometemos, e aos outros, que terão um tratamento diferenciado e que, neste ano, nos livraremos delas.
Fazemos vistas grossa à dialética da vida. Teimamos em cindir o tempo passado e presente e idealizamos o “ano novo” como o início de um tempo capaz de realizarmos o “eu” que almejamos. Na busca de forças para resistir às agruras que a realidade impõe, necessitamos ardentemente da sensação, ainda que por breve momento, de que superamos as misérias do tempo que passou. Mas estas nos perseguem e impregnam o nosso ser, o nosso tempo. Elas permanecem à espreita e se introduzem em nossas vidas a despeito dos nossos desejos e felicitações mútuas de um FELIZ ANO NOVO! As rupturas não ocorrem apenas pela vontade idealista e formalidades próprias desta fase. A nova realidade contém a velha…
Contudo, nos lixamos para a dialética. É uma necessidade psicológica. Precisamos, ao menos, atenuar o sofrimento. São trincheiras mentais que nos ajudam a suportar a realidade. Construímos esta noção do tempo como um anteparo à angustia do viver. É-nos difícil admitir que o “ano novo” indica apenas que o ciclo da vida se aproxima do seu desfecho. A natureza tem o seu tempo, e este, este sim, não pára. Ele passa e nos enterra…
Feliz Ano Velho… e Novo!
Fonte:
Colaboração do Autor. Disponível em Blog da Revista Espaço Acadêmico. http://espacoacademico.wordpress.com/
– Imagem = http://blog.ambientebrasil.com.br/
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