terça-feira, 13 de julho de 2021

Rachel de Queiroz (A Decoração da fama)

A NOSSA casa de fazenda é extremamente rústica, e rústico o que a cerca o pátio coberto de mata-pasto, a cerca fechando o terreiro, o curral, a casa de farinha, as casas dos moradores. Tudo como era o uso por cá, cem anos atrás.

E então as pessoas vêm de visita conhecer a casa da escritora e sentem-se decepcionadíssimas, chegam a ficar ofendidas. Acham que seria de esperar que alguém, cujo nome sai com frequência nas folhas, alguém que muita gente conhece, devesse ter um cenário que realçasse e não que diminuísse!

Certa senhora, mulher de um figurão, deu volta no seu caminho para passar por aqui; imagino o que ela viu, coitada: era a seca do ano passado, nós estávamos longe, a casa fechada, o açude com a água lá embaixo, o mato crestado, o curral vazio. Ficou danada:

— “Então é aqui que mora a R. Q.? E eu perdendo o meu precioso tempo em passar por cá!”

Acho que ela esperava encontrar a fazenda “Empyrio”...

Hoje em dia, creio que é influência americana, o êxito das pessoas só se mede em termos de riqueza. Os astros de rádio e TV se sacrificam para exibir casa com jardim na Barra da Tijuca, ou cobertura palacial no Leblon; sabem como é importante a imagem: — o público só acreditará no sucesso deles se os vir dentro da indispensável moldura de luxo.

A nós, escritores, não nos exigem tanto, mas, dirão eles, tudo tem um limite! Acabou-se o tempo em que o poeta escrevia suas obras-primas numa mansarda. Agora não mais se admite mansarda: agora é só mansão!

É, nesta sociedade chamada ‘afluente’’, só se respeita mesmo o abastado; nem se concebe que alguém escolha a modéstia, se lhe for possível ostentar ou aparentar riqueza. É até um desaforo, ofende as pessoas — como sucedeu com a minha dama visitante.

Recordo um exemplo muito significativo:

Certa vez, Manuel Bandeira jantou lá em casa e, à saída, eu o acompanhei à rua, onde ele ia apanhar condução. Não passava um táxi, nem havia nenhum no ponto; nisso veio um ônibus que lhe passaria à porta, e Manuel o tomou.

Duas mulheres paradas à esquina nos olhavam; e quando, depois de embarcar Manuel, eu passei por elas, ouvi que uma dizia:

— Garanto a você que aquele é mesmo o Manuel Bandeira!

Mas a outra a encarou furiosa e falou alto, sem se importar que eu ouvisse.

— Manuel Bandeira, de ônibus! DE ÔNIBUS, imagine! Você é mesmo é louca!

Fonte:
Rachel de Queiroz. As Menininhas e outras crônicas. RJ: J. Olympio, 1976.

Nenhum comentário: