Numa humilde rua de um bairro do Nordeste brasileiro, vivia uma mulher negra de idade avançada chamada Rosária. Filha de escravos, passou mais da metade da vida em quase completa miséria. Trabalhava como doméstica, mas ganhava pouco. Se muitas mulheres de pele branca já eram exploradas nas ditas casas de família, imagina as de pele preta. É uma vergonha, mas em pleno 2020, isso ainda acontece muito!
Depois da infância pobre, da adolescência limpando a casa de exploradores, ela acreditava que sua vida iria melhorar após o casamento. Que nada: piorou. O marido logo revelou-se um sujeito violento e alcoólatra.
Certo dia Rosária se perguntou: - Mas a escravidão não acabou em 1888? - No papel de esposa tornara-se mais escravizada do que as mulheres de seus antepassados, pois não tinha liberdade para expor vontades ou opiniões. Sequer tinha o direito de sair de casa. Seus dias resumiam-se em obedecer cegamente o seu esposo.
Depois de sofrer por muitos anos com o marido, o qual ela pensou que pudesse mudar sua triste realidade, finalmente começou a se libertar. O fígado do covarde bêbado não resistiu aos efeitos de tanta bebida e ele acabou morrendo.
As graças dos privilégios de uma boa vida, sempre fugiram do seu caminho. Estéril, nem filhos do seu ventre brotaram. Sentada numa calçada, triste, cabisbaixa, aquela senhora não sabia mais o que pensar de seu destino.
Repentinamente, como se um ser divino tocasse seu ombro, ela ergue os olhos para o céu e começa a conversar com Deus. À noite, ao repousar seu cansado corpo, um anjo aparece aos pés de sua cama. Pede a ela que, apesar das tristezas vividas, continuasse sendo uma pessoa doce, pois sua alma era bela e tinha muito o que oferecer ao mundo.
Ao raiar o dia, ela pensa que a visita do anjo tinha sido apenas um sonho. Mas não era. Sem família, muito sozinha, começou a cogitar a possibilidade de aprender alguma coisa, só não sabia bem o quê...
Com o passar do tempo, bateu uma enorme saudade de sua querida avó que, apesar de ter sido escrava, secretamente curou muita gente com suas rezas.
Sua memória relembrou alguns trechos de uma oração muito citada pela velha nas benzeduras que fazia:
“Deus os livre da praga que derruba.
Da aflição que chega.
Da decepção que assombra.
Da falsidade que ludibria.
Do esforço que esgota.
Da inclemência que afasta.
Da inveja que consome.
Da mágoa que adoece...
A partir de então ela buscou aprender a ler, passou a estudar as rezas curativas. E assim, a felicidade lhe abraçou com ternura. Se viu cercada de pessoas. Curou muita gente. Muitos passaram a lhe chamar de mãe. E assim a preta velha nunca mais sentiu-se triste e nem sozinha.
Fonte:
Texto enviado pela autora.
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