Não obstante a sua aparência de homem grave, circunspecto, ponderado, que lhe assegurara aquele emprego de confiança, o coronel Bonifácio Coutinho, diretor do Asilo de Senhoras Arrependidas era, intimamente, um dos temperamentos menos compatíveis com as responsabilidades daquelas funções. Lutando, disputando-se o domínio da sua vontade, defrontavam-se nele, o desejo e o interesse. E não era sem custo, sem violência, que este se sobrepunha à brutalidade dos seus nervos, tornando-lhe possível a manutenção daquela sinecura amável, que lhe amenizava as infinitas asperezas da vida. Assim constituído, o coronel resolveu, um dia, quebrar a sua couraça e, chamando em particular o médico do estabelecimento, pediu-lhe um conselho:
- Diga-me cá, doutor, diga-me, com reserva: o senhor acha que me fica mal conquistar uma ou outra das nossas asiladas?
- Absolutamente, não! - acudiu o facultativo. - Desde que elas queiram, não há mal nenhum. Eu próprio tenho me prevalecido dessa faculdade, procurando apenas não investir contra aquelas que, de antemão, parecem rigidamente sérias.
- E que faz o doutor para diferenciar umas das outras? - objetou o velho - Como que o senhor as distingue?
O galeno tomou-o pelo braço, arrastou-o para o silêncio de uma janela deitando sobre jardim, e revelou-lhe o seu segredo:
- Olhe: o senhor, quando se quiser aventurar a uma destas conquistas, faça o seguinte: chegue perto da asilada que houver escolhido, pergunte-lhe a idade; se ela lhe disser uma idade visivelmente inferior àquela que tem, faça-lhe a sua declaração, que será por força bem sucedido.
E apertando-lhe a mão.
- Experimente.
Um mês depois foi o médico chamado para ver o diretor do Asilo, cujas condições de saúde preocupavam seriamente os seus subordinados. O estado de depressão era visível. O pulso, irregular, incerto, descompassado, denunciava um profundo abalo orgânico, que os seus cinquenta e cinco anos haviam tornado perigoso. À vista do enfermo, o médico compreendeu a sua missão e, pedindo que os enfermeiros se retirassem, começou:
- Meu caro coronel, é preciso que o senhor mude de vida.
- Eu?
- Sim, senhor. O senhor abusou do meu conselho, e deve lembrar-se que não é mais uma criança, um moço, um rapaz no vigor dos anos.
E interrompendo-se:
- Que idade o senhor tem?
- Como? - atalhou o doente, alarmado.
- Eu estou perguntando que idade tem o senhor.
A essa confirmação da consulta, passou pelo cérebro do enfermo um pensamento sinistro. Com que ideia lhe fazia o médico aquela pergunta? E foi com o pavor nos olhos que se sentou, de repente, no leito, bradando, horrorizado, com os olhos fora das órbitas:
- Cento e cinquenta anos, doutor! Duzentos! Duzentos e cinquenta anos, doutor!
E disparou, escada abaixo.
- Diga-me cá, doutor, diga-me, com reserva: o senhor acha que me fica mal conquistar uma ou outra das nossas asiladas?
- Absolutamente, não! - acudiu o facultativo. - Desde que elas queiram, não há mal nenhum. Eu próprio tenho me prevalecido dessa faculdade, procurando apenas não investir contra aquelas que, de antemão, parecem rigidamente sérias.
- E que faz o doutor para diferenciar umas das outras? - objetou o velho - Como que o senhor as distingue?
O galeno tomou-o pelo braço, arrastou-o para o silêncio de uma janela deitando sobre jardim, e revelou-lhe o seu segredo:
- Olhe: o senhor, quando se quiser aventurar a uma destas conquistas, faça o seguinte: chegue perto da asilada que houver escolhido, pergunte-lhe a idade; se ela lhe disser uma idade visivelmente inferior àquela que tem, faça-lhe a sua declaração, que será por força bem sucedido.
E apertando-lhe a mão.
- Experimente.
Um mês depois foi o médico chamado para ver o diretor do Asilo, cujas condições de saúde preocupavam seriamente os seus subordinados. O estado de depressão era visível. O pulso, irregular, incerto, descompassado, denunciava um profundo abalo orgânico, que os seus cinquenta e cinco anos haviam tornado perigoso. À vista do enfermo, o médico compreendeu a sua missão e, pedindo que os enfermeiros se retirassem, começou:
- Meu caro coronel, é preciso que o senhor mude de vida.
- Eu?
- Sim, senhor. O senhor abusou do meu conselho, e deve lembrar-se que não é mais uma criança, um moço, um rapaz no vigor dos anos.
E interrompendo-se:
- Que idade o senhor tem?
- Como? - atalhou o doente, alarmado.
- Eu estou perguntando que idade tem o senhor.
A essa confirmação da consulta, passou pelo cérebro do enfermo um pensamento sinistro. Com que ideia lhe fazia o médico aquela pergunta? E foi com o pavor nos olhos que se sentou, de repente, no leito, bradando, horrorizado, com os olhos fora das órbitas:
- Cento e cinquenta anos, doutor! Duzentos! Duzentos e cinquenta anos, doutor!
E disparou, escada abaixo.
Fonte:
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. 1925.
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. 1925.
Nenhum comentário:
Postar um comentário