Meu pai não era de trabalhos manuais. Como caixeiro-viajante saía na madrugada de segunda com o primeiro ônibus e retornava somente no escurecer da sexta. Vinha cansado, suarento, empoeirado e doido para encontrar os amigos e limpar a goela com uma branquinha, e mais uma e mais outras...
Sua mala de couro cheirava a roupa suja e sua maleta de pedidos cheirava a papéis e fumo; é que ele às vezes fazia seus próprios cigarros enrolando uma palha dita especial que um amigo fornecia. O fumo vinha de Minas, mas catingava tanto que servia para espantar pernilongos.
Pois bem, naquele fim de sexta ele trouxe na bagagem algo diferente: era um pedaço de madeira branca, serrada, que não tinha cheiro.
- Vá até o senhor Jacinto e tome emprestado uma verruma com ponta fina, uma grosa e um formão curvado de mais ou menos 3 centímetros. Nós dois faremos um presente para sua mãe - ordenou.
- O que dá para fazer com esse pedaço de pau?
– Vá buscar as ferramentas e na volta você fica sabendo. Veja bem: um pé lá outro cá!
- Sim senhor. E saí desembestado até a casa do dono das ferramentas que me atendeu com gentileza, colocando-as num embornal de lona.
Quando cheguei, a surpresa: ele havia desenhado o presente na ripa branca, Seria uma bela colher de pau.
- Pra quê servirá, pai?
- Ué, você não come polenta toda hora? Será a nova pá de polenta da sua mãe, ué. Tá na hora dela deixar de mexer o fubá com a espumadeira de alumínio que esquenta demais e machuca a mão. Entendeu?
- Sim. Ela vai gostar.
- Então, ao trabalho. - E se pôs a cortar com o canivete bem afiado e a desbastar a ripa com as ranhuras de aço da grosa. E, vai daqui e vai dali, em minutos - ou seria em horas? - com a camisa empapada, as mãos cheias de bolhas, ele admirou o objeto contra a luz, sorriu por ter conseguido o intento e disse com a cara alegre: - Passe-me a verruma - pondo-se a fazer um furo no cabo.
Instantes depois a nova pá ficou pronta. Branquinha, lisa, com os contornos suaves e no tamanho ideal. Talvez tenha sido o primeiro (e último) instrumento que ele tenha feito em toda a vida,
- Ficou linda pai.
- Linda e perfeita! Chame sua mãe, quero ver a reação dela.
- Santo Deus que bagunça! - Espantou-se ao chegar. - Quem vai limpar a sala agora? Porca miséria... - disse ela arrepiada de braba, com a sujeira de cepilho e pó de madeira espalhados sobre os móveis.
- Veja mãe, o que o pai fez para você. Uma pá de polenta! Novinha!
- Oh! Filho, que maravilha... - Pegou a pá, olhou para ele que aguardava o maior dos agradecimentos, fechou a cara e rumou para a cozinha sem mais nada a dizer. Ouvimos apenas o barulho da pá jogada sobre as panelas vazias do fogão apagado.
- Que fizemos de errado?
- Só Deus é capaz de entender as mulheres. - E foi pro bar, para retornar à noitinha, manguaçado como sempre, triste e com cara de vítima.
A sala brilhava com os móveis limpos, o chão encerado e a toalha da mesa trocada. Até um vaso de flor enfeitava o tudo.
Sobre a mesa da cozinha, um prato de costelinhas de porco, fritas, uma salada de couve temperada no alho, arroz e uma tábua redonda de polenta fumegante. Ao lado, um pedaço de cordonê que ele usava para cortar em fatias o alimento que sempre foi a base das nossas refeições.
– A pá ficou boa, muito boa e bonita. – disse – e sorriu se aproximando dele para um abraço.
Do outro lado da mesa e assistindo a cena, notei que ele piscou de um olho e sorriu para mim como se repetisse:
- Só Deus, mesmo, para entender as mulheres...
Sua mala de couro cheirava a roupa suja e sua maleta de pedidos cheirava a papéis e fumo; é que ele às vezes fazia seus próprios cigarros enrolando uma palha dita especial que um amigo fornecia. O fumo vinha de Minas, mas catingava tanto que servia para espantar pernilongos.
Pois bem, naquele fim de sexta ele trouxe na bagagem algo diferente: era um pedaço de madeira branca, serrada, que não tinha cheiro.
- Vá até o senhor Jacinto e tome emprestado uma verruma com ponta fina, uma grosa e um formão curvado de mais ou menos 3 centímetros. Nós dois faremos um presente para sua mãe - ordenou.
- O que dá para fazer com esse pedaço de pau?
– Vá buscar as ferramentas e na volta você fica sabendo. Veja bem: um pé lá outro cá!
- Sim senhor. E saí desembestado até a casa do dono das ferramentas que me atendeu com gentileza, colocando-as num embornal de lona.
Quando cheguei, a surpresa: ele havia desenhado o presente na ripa branca, Seria uma bela colher de pau.
- Pra quê servirá, pai?
- Ué, você não come polenta toda hora? Será a nova pá de polenta da sua mãe, ué. Tá na hora dela deixar de mexer o fubá com a espumadeira de alumínio que esquenta demais e machuca a mão. Entendeu?
- Sim. Ela vai gostar.
- Então, ao trabalho. - E se pôs a cortar com o canivete bem afiado e a desbastar a ripa com as ranhuras de aço da grosa. E, vai daqui e vai dali, em minutos - ou seria em horas? - com a camisa empapada, as mãos cheias de bolhas, ele admirou o objeto contra a luz, sorriu por ter conseguido o intento e disse com a cara alegre: - Passe-me a verruma - pondo-se a fazer um furo no cabo.
Instantes depois a nova pá ficou pronta. Branquinha, lisa, com os contornos suaves e no tamanho ideal. Talvez tenha sido o primeiro (e último) instrumento que ele tenha feito em toda a vida,
- Ficou linda pai.
- Linda e perfeita! Chame sua mãe, quero ver a reação dela.
- Santo Deus que bagunça! - Espantou-se ao chegar. - Quem vai limpar a sala agora? Porca miséria... - disse ela arrepiada de braba, com a sujeira de cepilho e pó de madeira espalhados sobre os móveis.
- Veja mãe, o que o pai fez para você. Uma pá de polenta! Novinha!
- Oh! Filho, que maravilha... - Pegou a pá, olhou para ele que aguardava o maior dos agradecimentos, fechou a cara e rumou para a cozinha sem mais nada a dizer. Ouvimos apenas o barulho da pá jogada sobre as panelas vazias do fogão apagado.
- Que fizemos de errado?
- Só Deus é capaz de entender as mulheres. - E foi pro bar, para retornar à noitinha, manguaçado como sempre, triste e com cara de vítima.
A sala brilhava com os móveis limpos, o chão encerado e a toalha da mesa trocada. Até um vaso de flor enfeitava o tudo.
Sobre a mesa da cozinha, um prato de costelinhas de porco, fritas, uma salada de couve temperada no alho, arroz e uma tábua redonda de polenta fumegante. Ao lado, um pedaço de cordonê que ele usava para cortar em fatias o alimento que sempre foi a base das nossas refeições.
– A pá ficou boa, muito boa e bonita. – disse – e sorriu se aproximando dele para um abraço.
Do outro lado da mesa e assistindo a cena, notei que ele piscou de um olho e sorriu para mim como se repetisse:
- Só Deus, mesmo, para entender as mulheres...
Fonte:
Renato Benvindo Prata. Azarinho e o caga-fogo. Paranavaí/PR: Eg. Gráf. Paranavaí, 2014.
Livro enviado pelo autor.
Renato Benvindo Prata. Azarinho e o caga-fogo. Paranavaí/PR: Eg. Gráf. Paranavaí, 2014.
Livro enviado pelo autor.
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