Nos idos dos anos 80 do século passado, não tínhamos Mega-Sena, Rio de Prêmios e outros jogos e loterias como hoje. Naquela época, quem mandava ainda era a hoje esvaziada Loteria Esportiva. Na rede Globo, ficou famosa a “Zebrinha”, que dava os resultados das partidas de futebol.
Naquela época havia um cobrador de ônibus na empresa niteroiense Ingá, indivíduo verdadeiramente “viciado” na jogatina: toda semana, religiosamente, lá ia ele fazer seus joguinhos na loteria esportiva.
Pois eis que, certo dia, ouvindo no radinho de pilha os resultados dos jogos, enquanto trabalhava, no turno da tarde, na linha 49, o coração de Marco (esse era o nome do nosso apostador) quase parou de bater: Finalmente, depois de tantos anos, ele acertara na loteria!!! Meio sem fôlego e sem acreditar, ficou ouvindo desesperado o radinho, para confirmar o resultado do último jogo, o que lhe daria o prêmio. Era isso mesmo, o resultado fora o que ele apostara, Marco ganhara a bolada! Nosso amigo não perdeu muito tempo: comunicou imediatamente ao motorista, e ordenou, agora já com o tom de patrão:
– Recolha esse carro.
– Mas Marco, qué isso, rapaz? Vamos terminar os trabalhos...
– Que terminar o quê, amigo, tô mandando você recolher. Pra mim chega disso tudo!
Sem opção, ao chegar no ponto final, o motorista comunicou ao despachante que iria recolher o carro. E Marco já foi falando para todos os companheiros ali presentes:
– Aí cambada! Ganhei, ganhei na esportiva! Chega de Ingá! Chega de trabalho! Sofram aí carregando praianos, aturando assalto! Eu agora vou ser patrão de vocês!
A galera, entre acreditar ou não, ficava em silêncio. Afinal ele estava recolhendo o carro e nem era ainda a metade do período de trabalho, e isso era grave. O malandro não faria isso à toa...
Bem, rapidamente a notícia chegou à garagem, e aos inspetores. Ficaram, é claro, chateados com o fato de o funcionário recolher o carro, mas secretamente tinham era inveja de Marco, que agora ia nadar no dinheiro.
Enquanto isso, nosso ganhador já havia prestado conta da féria arrecadada e se dirigia para casa, andando como se flutuasse.
Ao chegar em casa, foi logo gritando a boa-nova para a mulher, e ligando a velha TV de marca Telefunken, preto-e-branco, que hoje só se vê em museus. No telejornal as notícias avançavam, até que chegou a hora do resultado da loteca. Os números dos jogos de futebol foram repetidos, e Marco confirmou pela trecentésima vez que realmente acertara. A seguir o apresentador avisou:
– Segundo a Caixa Econômica Federal, foram 13.650 os acertadores...
– Êpa! Mas isso tudo? – disse para si mesmo Marco.
– E após o rateio, cada apostador receberá a módica quantia de CR$ 10.050.000...
Sim, amigo leitor, são muitos zeros, e se fosse em moeda de hoje, em reais, seria um respeitável valor... mas naquela época dos cruzeiros, de inflação galopante, aquela grana mal dava para... pagar um jantar para a patroa num restaurante decente.
Um balde de água fria, melhor, uma piscina de água da Antártida, com pinguins e tudo, caiu com estrondo na cabeça do pobre Marco. Aquilo pelo que ele esperava há anos, o sonho que acalentara tanto (e lhe custara já tanto dinheiro), durara apenas algumas horas...
**** **** **** ****
No dia seguinte, uma tremenda segunda-feira, Marco, a quem muitos julgavam que nunca mais veriam, apareceu na empresa, bonitinho, de uniforme passado e tudo.
– Ué Marco, a galera tá toda falando que você ganhou na loteria, e é o mais novo milionário – foi logo dizendo o primeiro companheiro que o viu.
E assim foi o avanço de ganhador da loteria, tendo que explicar a cada um a sua triste história. A galera não sabia se ria ou chorava...
Ao adentrar a empresa, Marco se dirigiu logo para a sala dos inspetores. Após relatar sua história agora triste, recebeu diversas broncas de praxe, e ficou aguardando enquanto seu caso era levado ao diretor da empresa. Todos davam já sua demissão como certa, e o sonho de Marco ganhava a cada instante ares de pesadelo.
Mas, muitos minutos depois, eis que chega a boa notícia: o dono da empresa se condoera da situação de Marco, e disse que dessa vez iria “perdoá-lo”. Ele poderia voltar ao trabalho. E assim nosso amigo fez.
Mas a chamada “Rádio Leão” (assim chamada pela alcunha que cariocamente se aplica aos rodoviários: ‘leões’), a rede de fofocas dos rodoviários, que dissemina informações à velocidade da luz, já existia naquela época, e trabalhava a todo vapor, dando as notícias sobre o novo “milionário”. E nas duas semanas seguintes, CADA LEÃO que via Marco, e alguns deles várias vezes por dia, tinham que perguntar algo como:
– E aí, milionário? Comprou esse ônibus aí e tá trabalhando nele?
– E aí Marco, meu “patrão”! Me empresta um dinheiro aí!
– Olha lá, olha lá o “milionário”! Fala milionário! Como tá aquela favela lá? Vai se mudar de lá para a mansão quando?
– E aí, jogador? Deu “zebra,” hein???!!
**** **** **** ****
O apelido de “milionário” pegou e nunca mais saiu. Já o emprego do Marco, coitado, não durou tanto: não suportando a zoação frenética, em duas semanas ele foi até o homem e pediu as contas…
Naquela época havia um cobrador de ônibus na empresa niteroiense Ingá, indivíduo verdadeiramente “viciado” na jogatina: toda semana, religiosamente, lá ia ele fazer seus joguinhos na loteria esportiva.
Pois eis que, certo dia, ouvindo no radinho de pilha os resultados dos jogos, enquanto trabalhava, no turno da tarde, na linha 49, o coração de Marco (esse era o nome do nosso apostador) quase parou de bater: Finalmente, depois de tantos anos, ele acertara na loteria!!! Meio sem fôlego e sem acreditar, ficou ouvindo desesperado o radinho, para confirmar o resultado do último jogo, o que lhe daria o prêmio. Era isso mesmo, o resultado fora o que ele apostara, Marco ganhara a bolada! Nosso amigo não perdeu muito tempo: comunicou imediatamente ao motorista, e ordenou, agora já com o tom de patrão:
– Recolha esse carro.
– Mas Marco, qué isso, rapaz? Vamos terminar os trabalhos...
– Que terminar o quê, amigo, tô mandando você recolher. Pra mim chega disso tudo!
Sem opção, ao chegar no ponto final, o motorista comunicou ao despachante que iria recolher o carro. E Marco já foi falando para todos os companheiros ali presentes:
– Aí cambada! Ganhei, ganhei na esportiva! Chega de Ingá! Chega de trabalho! Sofram aí carregando praianos, aturando assalto! Eu agora vou ser patrão de vocês!
A galera, entre acreditar ou não, ficava em silêncio. Afinal ele estava recolhendo o carro e nem era ainda a metade do período de trabalho, e isso era grave. O malandro não faria isso à toa...
Bem, rapidamente a notícia chegou à garagem, e aos inspetores. Ficaram, é claro, chateados com o fato de o funcionário recolher o carro, mas secretamente tinham era inveja de Marco, que agora ia nadar no dinheiro.
Enquanto isso, nosso ganhador já havia prestado conta da féria arrecadada e se dirigia para casa, andando como se flutuasse.
Ao chegar em casa, foi logo gritando a boa-nova para a mulher, e ligando a velha TV de marca Telefunken, preto-e-branco, que hoje só se vê em museus. No telejornal as notícias avançavam, até que chegou a hora do resultado da loteca. Os números dos jogos de futebol foram repetidos, e Marco confirmou pela trecentésima vez que realmente acertara. A seguir o apresentador avisou:
– Segundo a Caixa Econômica Federal, foram 13.650 os acertadores...
– Êpa! Mas isso tudo? – disse para si mesmo Marco.
– E após o rateio, cada apostador receberá a módica quantia de CR$ 10.050.000...
Sim, amigo leitor, são muitos zeros, e se fosse em moeda de hoje, em reais, seria um respeitável valor... mas naquela época dos cruzeiros, de inflação galopante, aquela grana mal dava para... pagar um jantar para a patroa num restaurante decente.
Um balde de água fria, melhor, uma piscina de água da Antártida, com pinguins e tudo, caiu com estrondo na cabeça do pobre Marco. Aquilo pelo que ele esperava há anos, o sonho que acalentara tanto (e lhe custara já tanto dinheiro), durara apenas algumas horas...
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No dia seguinte, uma tremenda segunda-feira, Marco, a quem muitos julgavam que nunca mais veriam, apareceu na empresa, bonitinho, de uniforme passado e tudo.
– Ué Marco, a galera tá toda falando que você ganhou na loteria, e é o mais novo milionário – foi logo dizendo o primeiro companheiro que o viu.
E assim foi o avanço de ganhador da loteria, tendo que explicar a cada um a sua triste história. A galera não sabia se ria ou chorava...
Ao adentrar a empresa, Marco se dirigiu logo para a sala dos inspetores. Após relatar sua história agora triste, recebeu diversas broncas de praxe, e ficou aguardando enquanto seu caso era levado ao diretor da empresa. Todos davam já sua demissão como certa, e o sonho de Marco ganhava a cada instante ares de pesadelo.
Mas, muitos minutos depois, eis que chega a boa notícia: o dono da empresa se condoera da situação de Marco, e disse que dessa vez iria “perdoá-lo”. Ele poderia voltar ao trabalho. E assim nosso amigo fez.
Mas a chamada “Rádio Leão” (assim chamada pela alcunha que cariocamente se aplica aos rodoviários: ‘leões’), a rede de fofocas dos rodoviários, que dissemina informações à velocidade da luz, já existia naquela época, e trabalhava a todo vapor, dando as notícias sobre o novo “milionário”. E nas duas semanas seguintes, CADA LEÃO que via Marco, e alguns deles várias vezes por dia, tinham que perguntar algo como:
– E aí, milionário? Comprou esse ônibus aí e tá trabalhando nele?
– E aí Marco, meu “patrão”! Me empresta um dinheiro aí!
– Olha lá, olha lá o “milionário”! Fala milionário! Como tá aquela favela lá? Vai se mudar de lá para a mansão quando?
– E aí, jogador? Deu “zebra,” hein???!!
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O apelido de “milionário” pegou e nunca mais saiu. Já o emprego do Marco, coitado, não durou tanto: não suportando a zoação frenética, em duas semanas ele foi até o homem e pediu as contas…
Fonte:
Ron Letta (Sammis Reachers). Rodorisos: histórias hilariantes do dia-a-dia dos Rodoviários.
São Gonçalo: Ed. do Autor, 2021.
Livro enviado pelo autor.
Ron Letta (Sammis Reachers). Rodorisos: histórias hilariantes do dia-a-dia dos Rodoviários.
São Gonçalo: Ed. do Autor, 2021.
Livro enviado pelo autor.
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