sexta-feira, 16 de julho de 2021

Estante de Livros (Hilda Furacão, de Roberto Drummond)

O AUTOR E A OBRA

Hilda Furacão é um romance escrito por Roberto Drummond, publicado em 1991. O romance foi adaptado para a televisão, em forma de uma minissérie, pela autora de telenovelas Glória Perez, e exibido na Rede Globo, em 1998, obtendo enorme sucesso. A minissérie colaborou para que Hilda Furacão fosse a obra mais famosa de Roberto Drummond, tendo sido vendido 200 mil exemplares. Hilda Furacão foi escrita com rapidez, se comparada às outras obras do autor: 64 dias, enquanto levou anos para escrever outros livros.

O livro foi baseado na história de juventude da prostituta Hilda Maia Valentim, conhecida na zona boêmia de Belo Horizonte, como Hilda Furacão “O feitiço volta-se contra o feiticeiro. Desde que foi lançada a campanha a favor da Cidade das Camélias, a Zona Boêmia é um promontório da alegria. sugere os últimos dias de Pompéia. Tudo lá é encantado. A rua principal, a Guaicurus, conhece noites inesquecíveis. E nunca se viu tanto dinheiro. O vendedor de churrasquinhos triplicou as vendas. No restaurante Bagdá, especialista em comida árabe, é preciso disputar um lugar. As mulheres dos hotéis de primeira, segunda , terceira e quarta categorias jamais foram tão solicitadas. E na noite da última quinta feira, a polícia foi chamada para conter os ânimos dos que disputavam um lugar na fila que vai dar num território mágico: o quarto 304, no terceiro andar do Maravilhoso Hotel onde Hilda Furacão é uma fada sexual.”

O romance Hilda Furacão [1991] tem uma proposta narrativa interessante, bem ao gosto pós moderno. Várias ações transcorrem no texto conferindo uma dinâmica que prende o leitor à narrativa, perseguindo um desfecho que nos é insistentemente prometido.

A história central focaliza a personagem que dá nome ao romance, Hilda Furacão. Entretanto, o lugar de protagonista é disputado pelo narrador que conta a sua história e ao contá-la, conta várias outras histórias, que se entrelaçam formando um tecido de conflitos que vamos conhecendo e com os quais muitas vezes nos identificamos.

Os capítulos se sucedem ao modelo dos folhetins, criando um suspense que buscamos desvendar com a leitura do próximo, sucessivamente. Essa técnica permite que, a cada capítulo, as personagens se revezem e ganhem um destaque na trama. Isto é tão evidente que a obra já foi encaminhada para o teatro pela direção de Marcelo Andrade e ainda ganhou projeção nacional ao se tornar uma grandiosa mini-série homônima, na Rede Globo.

O cenário principal da obra é a capital mineira do final dos anos 50 e início dos anos 60 [lembramos que o autor reside em Belo Horizonte e hoje representa um dos grandes nomes do jornalismo mineiro], mas há que se falar no cenário secundário que é a pacata cidade de Santana dos Ferros.

PERSONAGENS

Roberto = é o alter- ego biográfico do jornalista Roberto Drummond. Jovem comunista e idealista que ama a bela M. Aramel, o belo “nunca houve homem mais belo que Aramel” jovem que almeja o estrelato hollywodiano por sua aparência de galã. Acaba por tornar-se um cafetão a serviço do poderoso Antônio Luciano. Após um desencontro amoroso humilhante vai para os EUA e torna-se gângster

Frei Malthus = o pivô do grande romance julgado pela comunidade como “o santo”, este personagem se apaixonará pela bela Hilda Furacão. O mito da Cinderela é passado ao leitor quando do acidente que deixa o sapato de Hilda sob a posse do frei que tentará fugir do pecado martirizando-se e comendo o seu favorito doce de jabuticaba.

As tias Ciana e Çãozinha = são as representantes [há vários flashes de Santana dos Ferros, interior mineiro] do conservadorismo e liberalismo. São as tias que Roberto trava correspondência constantemente.

Gabriela = A primeira amada de Aramel, que fora contratado pelo traumatizado, gordo e tímido jornalista Emecê para representá-lo no encontro marcado.

Antônio Luciano = representante do poder econômico e político. Sua diversão era deflorar virgens e Aramel era o encarregado de receptá-las.

CENÁRIO / TEMPO / ESPAÇO

Alguns dizem que o romance é bairrista, e não é a verdade , pois o que se apura dessa obra é uma grande homenagem à cidade de Belo Horizonte e tudo que faz dela um grande cenário natural para representar o microcosmo político e social do macrocosmo que era o regime militar em seu tempo cultural e estético.

ESTRUTURA NARRATIVA


É muito presente nos textos de Roberto Drummond um constante diálogo com o leitor. A esse diálogo entre textos do mesmo autor damos o nome de intratextualidade. Outros diálogos intertextuais aparecem ao longo da narrativa, mesclando ditos populares e modinhas ao discurso narrativo. Outro aspecto intertextual que se observa é a construção da intriga entre Hilda Furacão e Frei Malthus desencadeada a partir do sapato que a moça perde e do qual o rapaz se apossa, tal “qual acontece no conto da Gata borralheira ou Cinderela.” Logo na abertura do romance, e nos capítulos que se seguem, Roberto narrador deixa claro que, por toda o texto, vai estar dialogando com o leitor, fazendo- nos presentes no tempo da enunciação -presente da narrativa. Essa é uma técnica bastante usada por nossos escritores, em especial por Machado de Assis. e confere uma dinâmica interessante ao relato, tornando-nos quase cúmplices do escritor.

O estilo do autor causou suspense quanto à real existência de Hilda Furacão. Roberto Drummond misturou personagens reais a imaginários, oferecendo verossimilhança. Contudo, até falecer em 2002, Roberto preferiu não esclarecer o que é realidade e o que é ficção. Segundo ele, se transformou em refém da Hilda Furacão. Dessa forma, a existência de Hilda continua sendo tema de debates entre os leitores e os moradores de Belo Horizonte – cenário onde a trama acontece. Diferentemente de Hilda, o personagem Malthus tem uma explicação: foi inspirado em Frei Betto, grande amigo de Roberto Drummond.

RESUMO

Como já dito anteriormente o romance é muito desfragmentado, pois possui constantes mudanças de enfoques. Para facilitar o nosso trabalho proporemos que se faça duas leituras: uma primeira que almeja desvendar o mistério da garota do maiô dourado [ a Hilda que desfilava sua beleza pelo Minas Tênis e depois tornou-se prostituta]; uma segunda que mistura ficção e realidade histórica brasileira [ditadura militar e censura]; o mais brilhante é que tudo começa e termina no dia 1° de abril que simboliza o dia da mentira eis então a grande proposta ficcional do autor. Roberto começa narrando em 1° pessoa a sua própria condição jovem de comunista e idealista. Pretende ser um grande jornalista e irritadiço por compararem seu sobrenome com o grande poeta Carlos Drummond de Andrade. Pelo que o narrador fala de si e da cidade observamos que o tempo precede os anos de 64 [época do golpe militar]. Nesse interím, o narrador trava correspondência com as tias de Santana dos Ferros Tia Ciana e Çãozinha, que são as interlocutoras do relato. A grande trama da obra verifica-se no encontro entre o santo Frei Malthus e a bela Hilda no qual aquele, ao tentar expurgar o mal da zona boêmia acaba enredado pela paixão que estabelece-se entre ele e Hilda. Roberto é o jornalista que relatará ao leitor como estão acontecendo os fatos na zona boêmia [lembre-se que Malthus, Aramel e Roberto são os três mosqueteiros amigos de infância e desta forma Roberto terá maior possibilidade de levantar dados para o leitor].

Após o desaparecimento do seu sapato, Hilda lança um concurso para que o devolvam então inicia-se um conto de Cinderela às avessas pois Malthus acabará por reconhecer o seu amor pela bela. Contudo o final é triste pois ambos desencontram-se quando da fuga para viverem um grande amor Malthus será preso no primeiro dia de vigência do golpe militar de 64.

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