segunda-feira, 26 de julho de 2021

Evely Libanori (Hélio)

"Você pode fazer o favor de comprar ração para a gata do seu pai?" Isso foi quando nós duas acabávamos de chegar das compras do mercado. Me deu uma raiva... Meu pensamento falou: "Mas, mãe, por que a senhora não comprou no mercado?". Mas a minha boca ficou quieta.

Ela se esqueceu, e agora me toca ir ao pet shop, porque voltar no mercado eu não vou, com toda aquela gente de sábado lá, as filas que não têm fim... Fui ao pet shop. O medo de ir lá, o que eu vou ver... Evito passar perto de pet shop, mas de repente eu me vi entrando num deles para comprar ração para a gata do meu pai. Eu não queria ver, mas estava na minha frente: um gatinho tigrado dentro de uma gaiola. O único gatinho na gaiola. Ele era assim, como dizia a minha avó: ele era um gato carijó. Na minha infância houve o galo carijó e o gato carijó. Minha avó me explicava, Aproximava, na cor, as espécies diferentes e me ensinava o amor por todas elas.

Ele era um gatinho carijó, do pelo tigrado e cinza, preso numa gaiola de arame. Desviei o olhar. Lembrei: já tenho doze, não posso mais. Não olhei mais para ele, não olhei, me fiz forte. Fiz o meu pedido no balcão e não olhei mais para o gato tigrado, até que... eu olhei de novo, sim... Eu olhei de novo para o gato, que era tão lindo. E virei a estátua de sal, fiquei para sempre olhando aquela cena que até hoje eu vejo: o gato carijó na gaiola. Ele estava fazendo a coisa mais inocente do mundo: estava brincando.

Na gaiola, amarraram uns penduricalhos e ele brincava com as bolinhas, feliz. Tão lançado à própria sorte, tão abandonado e largado, tão longe de saber o que é a desgraça dos animais abandonados.

Aí eu entendi: "Eu, aqui, pensando que a vida é dura por ter que atender mãe e pai velhinhos, e você, gatinho, ah, e você, gatinho, que está preso sozinho nessa gaiola de arame porque ninguém te quis e está esperando adoção e sabe-se lá se alguém vai te querer e sabe-se lá o que a pessoa que te quiser vai fazer com você... Meu Deus, gatinho, você precisa aprender tudo sobre a vida e a realidade dos gatos sem lar".

O moço do balcão veio conversar e eu perguntei:

"E aquele gatinho ali?". "Vieram deixar aí faz uns quatro dias. Deixaram três e já levaram dois, mas esse aí ficou".

Um gatinho tigrado, pelo curto, rabo fino. Nem sinal de pedigree... E era tão lindo o gato. Um gato carijó...

Então o gato me ensinou uma lição: "Nada de pena de si, mocinha, Olhe ao seu redor. Reconheça quem, de fato, está encrencado". Eu o amei. E decidi: "Não, não vou fazer isso com você! Vou te livrar da miséria da vida porque você me ensinou uma lição". Ele estava tão ferrado e tão feliz, dentro da gaiola de arame... Ele brincava. E eu fui até ele: "Você virá comigo. Será que você é macho ou fêmea?" Tanto fazia, já o amava. Era macho. O nome dele ficou sendo "Hélio", porque é um nome alegre, aberto, e é o sol, o deus.

O Hélio vive comigo, no meu colo. Somos felizes. E essa é a verdadeira história.

Fonte:
Evely Libanori. Nós, animais. SP/RJ: Livro Expressão, 2013.
Livro enviado pela autora.

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