O AMIGO OTÁVIO recebeu o amigo Ringo na porta de sua mansão em Aldeia da Serra com um efusivo aperto de mão e um forte e caloroso abraço. Ringo, apesar de meio desconfiado dessa recepção, indagou.
Ringo:
— Por qual motivo toda essa alegria, amigo Otávio?
Otávio:
— Não é para menos amigo Ringo. Afinal de contas é uma honra estar acolhendo você em minha humilde casa depois de tanto tempo. Quero dizer, em minha ex-casa. Por outro lado, quero que seja o primeiro a saber de um segredo que guardo à sete chaves. Acabo de acertar na loteria. Ora, vamos, não fique ai parado, entre!
Ringo ao ouvir a palavra loteria arregalou uns olhos desse tamanho...
Ringo:
— Na loteria? Voce ganhou na loteria? Quanto?
Como já esperado, nem se importou com a referência feita ao domicílio elegante do amigo no tocante à ser “ex”. A febre pelo fato de saber que o outro havia ganhado na loteria, abalou a sua estrutura física.
Ringo insistente:
— Quanto?
Otávio:
— Quanto o quê?
Ringo:
— De quanto foi a monta do prêmio, Otávio? Não vá esquecer dos amigos. Você sabe. Sempre estive a seu lado nos piores e melhores momentos. Te apoiei quando se separou da Gracinha, depois da Milla, e, por derradeiro, te apresentei à Pati...
Otávio:
— Deixe de conversa fiada. Estou alegre por outro motivo.
Ringo:
— Mas você não ganhou a sorte grande?
Otávio:
— Ganhei a sorte grande sim, porém...
Ringo se fazia afoito demais e se desmanchou em mesuras:
— Olhe, aquela grana que você me emprestou, vou lhe pagar. Não quero que tal empréstimo seja uma mancha a ofuscar a nossa velha amizade.
Otávio:
— Ringo, quer por favor calar a matraca e me ouvir?
Ringo:
— Claro, fale. Juro a você que não vim aqui para lhe pedir nada. Estava nos arredores de Barueri, Santana de Parnaíba...
Otávio:
—...E?
Ringo:
— Lembrei do amigo de todas as horas. Eu disse para mim mesmo. Puxa, o Otávio! Quanto tempo não colocamos “as butucas” nele? Que tal uma passadinha para um cafezinho?
Otávio:
— É mesmo?
Ringo:
— Verdade!
Otávio:
— E o que o “seu mim” respondeu?
Ringo:
— Quem?
Otávio:
— Ué! Você não acabou de falar que disse para o seu mim mesmo, “puxa, Ringo, quanto tempo não vemos o Otávio?”. O que ele respondeu?
Ringo:
— Ah, claro, o que eu respondi para mim mesmo. Que estupidez mais infantil. O que mim mesmo me respondeu?
Otávio, se antecipou:
— Posso adivinhar. Você disse para o seu mim: “vamos aproveitar que estamos aqui e dar uma desculpa para enrolar aquele otário?”
Ringo ficou sério como uma lagartixa de cabeça para baixo grudada na parede de teto alto. A luz de um protocolo de bloqueio se acendeu dentro da sua imbecilidade.
Ringo:
— Não pense isso de mim, Otávio. Somos amigos. Pô, cara, qualé?
Otávio, em contínuo, perdeu as estribeiras:
— Você não passa de um filho de uma jumenta. Interesseiro, cretino, pilantra, mentiroso...
Ringo:
— Otávio, eu só vim...
Otávio:
— Veio o quê? Desembucha, meu prezado: veio o quê? Pagar aquela mixaria que lhe emprestei faz tempo ou pedir novo prazo para me engambelar por mais um ano? Estou errado?
Ringo:
— Completamente!
Otávio:
— Então o que veio cheirar aqui?
Ringo:
— Te visitar. Não nos vemos há meses... e depois...
Otávio:
— Babaca sem vergonha.
Ringo:
— Meu amigo... que isso!
Otávio:
— Que isso coisa nenhuma. Quer saber? Descobri tudo, seu filho da mãe. Tudo. Não precisa se fazer de santinho.
Ringo:
—Tudo? Tudo o quê?!
Otávio:
— Tudo sobre você e a “Florzinha”.
Ringo:
— Quem é “Florzinha?”
Otávio perdeu num só esgar a paciência. Inopinadamente, como um felino, saltou e segurou Ringo pelo pescoço e o empurrou contra a porta de entrada:
— Não se lembra da “Florzinha?”
Ringo, estático e com a língua quase toda do lado de fora, de repente pareceu ter visto um fantasma:
— Na... não... pelo amor... pelo amor de... de Deus!
Otávio:
— Vou refrescar a sua memória.
Ringo:
— Va... vai?
Otávio:
— Você não é meu melhor amigo?
Ringo:
— So... sou...
Otávio:
— “Florzinha” é o apelido carinhoso que você botou na Pati... Desculpe, Patrícia. Sabe quem é a Patrícia?
Ringo:
— Sua... sua...mu... mu... mu... lher...
Otávio, aos estrondos:
— “EX!”.
Ringo:
— Ex? Vocês... vocês se... se... sepa... se... se... para... ram?
Otávio:
— Como se não soubesse. Vou acabar com a sua raça!
Ringo:
— Ca... calma... Otá... Otá... Otavio...
Otávio:
— Complete, seu idiota. Você ia me chamar de Otário? Acha que sou otário?
Ringo:
— Nu... nunca pensei... estou... estou sem ar...
Otávio:
— Coitadinho!
Ringo:
— Otá... Otávio, vá.… va... mos... com...
Otavio, sem dar trelas ao amigo, e aparentando estar bastante possesso, insistiu em não deixar de estorcer, com mais energia, a garganta do infeliz:
— Eu descobri tudo, seu pilantra. Sei que você, na minha ausência, dava em cima da Patrícia... quero dizer, da “Florzinha”.
Ringo:
— E... eu?
Otávio, de novo aos esbravejos:
— Não, seu babaca, “SEU MIM!
Ringo:
— O... Otá...
Otávio:
— Confesse.
Ringo:
— Com... fes... sar... o... quê?
Otávio:
— Agora não importa mais. Seguinte: mete logo a mão no bolso e tira esse pacote de notas e me paga. Estou no seu encalço com dois seguranças. Antes de vir para cá, você passou pelo banco.
Ringo:
— Si... sim... o... olhe... a... aqui... vo... vou... te... pa... gar... o... que... de... vo...
Otávio:
— Fico feliz. Não sabe quanto!
Ringo:
— Quan... to... é... mês... mo?... não... me... re... cor... do...
Otávio:
— Vamos, anda. Manuseie as patas. Raspe os bolsos...
Com o cachaço vermelho, quase em desmaio, Ringo se debulhava em choro. Otávio aliviou a pressão. Soltou o amigo, e grudou nele pelos fundilhos das calças:
— Meu Deus, Otávio... pronto. Aposto que isso aqui deve bastar. Olhe, vou botar as notas em seu bolso.
Otávio:
— E os juros?
Ringo:
— Claro. Como iria me esquecer dos juros? Agora você pode ficar com a “Florzinha” todinha para você. Se quiser, lhe compro um vasinho de plantas e mando pelo correio...
Apesar de desprendido das garras de Otávio, Ringo, nas últimas, não sabia como fugir do seu melhor amigo. Os olhos seguiam esbugalhados. Além do pranto, suava feito um porco à passos de ser abatido. A camisa colou na pele. À suspicácia de coisa pior embolava. Formava um nó e tomava conta desenhando figuras esquisitas diante de sua percepção estuporada.
Otávio:
— Muito bem. Estou feliz por você ter resgatado a sua dívida.
Ringo:
— Como você disse assim que cheguei que havia ganho na loteria, pensei que perdoaria a dívida.
Otávio:
— É mesmo??? - Quer saber quanto eu ganhei?
Ringo:
— Sim... quero dizer, não.
Diante dessa resposta, Otávio se engraçou, de novo com a angustura do desditoso. Grudou nela com mais altivez e ferocidade:
— Mas ainda assim eu direi, seu pelintrão. O bastante para comprar minha liberdade e deixar de ser “ex”. “Ex-corno”. Entendeu o que eu disse? Sou “ex-corno”, como a Pati – desculpe, a “Florzinha” – é minha “ex”. E você, Ringo, passou para a lista negra dos meus “ex-amigos””.
Ringo:
— Eu?
A essa altura, com o novo bote de Otávio em seu cangote, Ringo se ajoelhou de dor. Tentou se livrar do jugo obstaculoso de Otávio, mas o amigo, duplamente mais forte, neutralizava qualquer tipo de reação.
Otávio:
— Como se sente, sendo meu “EX-AMIGO?”
No que falava, Otávio sacou da parte de trás da jaqueta, um revolver calibre trinta e oito. Encostou o cano na testa de Ringo. O desespero chegou ao crítico. Otávio, entremeado num sorriso estranho, em ato inopinado, deu voz ao gatilho. Uma, duas, três, cinco vezes. Os miolos de Ringo se espalharam pelas paredes e ladrilhos, deixando no portal de acesso à mansão suntuosa, manchas macabras, como se os projéteis, ao penetrarem seu rosto espantado, desenhassem as fases mais variadas do medo mórbido e tétrico que urrava por socorro dentro de seu coração.
Ringo:
— Por qual motivo toda essa alegria, amigo Otávio?
Otávio:
— Não é para menos amigo Ringo. Afinal de contas é uma honra estar acolhendo você em minha humilde casa depois de tanto tempo. Quero dizer, em minha ex-casa. Por outro lado, quero que seja o primeiro a saber de um segredo que guardo à sete chaves. Acabo de acertar na loteria. Ora, vamos, não fique ai parado, entre!
Ringo ao ouvir a palavra loteria arregalou uns olhos desse tamanho...
Ringo:
— Na loteria? Voce ganhou na loteria? Quanto?
Como já esperado, nem se importou com a referência feita ao domicílio elegante do amigo no tocante à ser “ex”. A febre pelo fato de saber que o outro havia ganhado na loteria, abalou a sua estrutura física.
Ringo insistente:
— Quanto?
Otávio:
— Quanto o quê?
Ringo:
— De quanto foi a monta do prêmio, Otávio? Não vá esquecer dos amigos. Você sabe. Sempre estive a seu lado nos piores e melhores momentos. Te apoiei quando se separou da Gracinha, depois da Milla, e, por derradeiro, te apresentei à Pati...
Otávio:
— Deixe de conversa fiada. Estou alegre por outro motivo.
Ringo:
— Mas você não ganhou a sorte grande?
Otávio:
— Ganhei a sorte grande sim, porém...
Ringo se fazia afoito demais e se desmanchou em mesuras:
— Olhe, aquela grana que você me emprestou, vou lhe pagar. Não quero que tal empréstimo seja uma mancha a ofuscar a nossa velha amizade.
Otávio:
— Ringo, quer por favor calar a matraca e me ouvir?
Ringo:
— Claro, fale. Juro a você que não vim aqui para lhe pedir nada. Estava nos arredores de Barueri, Santana de Parnaíba...
Otávio:
—...E?
Ringo:
— Lembrei do amigo de todas as horas. Eu disse para mim mesmo. Puxa, o Otávio! Quanto tempo não colocamos “as butucas” nele? Que tal uma passadinha para um cafezinho?
Otávio:
— É mesmo?
Ringo:
— Verdade!
Otávio:
— E o que o “seu mim” respondeu?
Ringo:
— Quem?
Otávio:
— Ué! Você não acabou de falar que disse para o seu mim mesmo, “puxa, Ringo, quanto tempo não vemos o Otávio?”. O que ele respondeu?
Ringo:
— Ah, claro, o que eu respondi para mim mesmo. Que estupidez mais infantil. O que mim mesmo me respondeu?
Otávio, se antecipou:
— Posso adivinhar. Você disse para o seu mim: “vamos aproveitar que estamos aqui e dar uma desculpa para enrolar aquele otário?”
Ringo ficou sério como uma lagartixa de cabeça para baixo grudada na parede de teto alto. A luz de um protocolo de bloqueio se acendeu dentro da sua imbecilidade.
Ringo:
— Não pense isso de mim, Otávio. Somos amigos. Pô, cara, qualé?
Otávio, em contínuo, perdeu as estribeiras:
— Você não passa de um filho de uma jumenta. Interesseiro, cretino, pilantra, mentiroso...
Ringo:
— Otávio, eu só vim...
Otávio:
— Veio o quê? Desembucha, meu prezado: veio o quê? Pagar aquela mixaria que lhe emprestei faz tempo ou pedir novo prazo para me engambelar por mais um ano? Estou errado?
Ringo:
— Completamente!
Otávio:
— Então o que veio cheirar aqui?
Ringo:
— Te visitar. Não nos vemos há meses... e depois...
Otávio:
— Babaca sem vergonha.
Ringo:
— Meu amigo... que isso!
Otávio:
— Que isso coisa nenhuma. Quer saber? Descobri tudo, seu filho da mãe. Tudo. Não precisa se fazer de santinho.
Ringo:
—Tudo? Tudo o quê?!
Otávio:
— Tudo sobre você e a “Florzinha”.
Ringo:
— Quem é “Florzinha?”
Otávio perdeu num só esgar a paciência. Inopinadamente, como um felino, saltou e segurou Ringo pelo pescoço e o empurrou contra a porta de entrada:
— Não se lembra da “Florzinha?”
Ringo, estático e com a língua quase toda do lado de fora, de repente pareceu ter visto um fantasma:
— Na... não... pelo amor... pelo amor de... de Deus!
Otávio:
— Vou refrescar a sua memória.
Ringo:
— Va... vai?
Otávio:
— Você não é meu melhor amigo?
Ringo:
— So... sou...
Otávio:
— “Florzinha” é o apelido carinhoso que você botou na Pati... Desculpe, Patrícia. Sabe quem é a Patrícia?
Ringo:
— Sua... sua...mu... mu... mu... lher...
Otávio, aos estrondos:
— “EX!”.
Ringo:
— Ex? Vocês... vocês se... se... sepa... se... se... para... ram?
Otávio:
— Como se não soubesse. Vou acabar com a sua raça!
Ringo:
— Ca... calma... Otá... Otá... Otavio...
Otávio:
— Complete, seu idiota. Você ia me chamar de Otário? Acha que sou otário?
Ringo:
— Nu... nunca pensei... estou... estou sem ar...
Otávio:
— Coitadinho!
Ringo:
— Otá... Otávio, vá.… va... mos... com...
Otavio, sem dar trelas ao amigo, e aparentando estar bastante possesso, insistiu em não deixar de estorcer, com mais energia, a garganta do infeliz:
— Eu descobri tudo, seu pilantra. Sei que você, na minha ausência, dava em cima da Patrícia... quero dizer, da “Florzinha”.
Ringo:
— E... eu?
Otávio, de novo aos esbravejos:
— Não, seu babaca, “SEU MIM!
Ringo:
— O... Otá...
Otávio:
— Confesse.
Ringo:
— Com... fes... sar... o... quê?
Otávio:
— Agora não importa mais. Seguinte: mete logo a mão no bolso e tira esse pacote de notas e me paga. Estou no seu encalço com dois seguranças. Antes de vir para cá, você passou pelo banco.
Ringo:
— Si... sim... o... olhe... a... aqui... vo... vou... te... pa... gar... o... que... de... vo...
Otávio:
— Fico feliz. Não sabe quanto!
Ringo:
— Quan... to... é... mês... mo?... não... me... re... cor... do...
Otávio:
— Vamos, anda. Manuseie as patas. Raspe os bolsos...
Com o cachaço vermelho, quase em desmaio, Ringo se debulhava em choro. Otávio aliviou a pressão. Soltou o amigo, e grudou nele pelos fundilhos das calças:
— Meu Deus, Otávio... pronto. Aposto que isso aqui deve bastar. Olhe, vou botar as notas em seu bolso.
Otávio:
— E os juros?
Ringo:
— Claro. Como iria me esquecer dos juros? Agora você pode ficar com a “Florzinha” todinha para você. Se quiser, lhe compro um vasinho de plantas e mando pelo correio...
Apesar de desprendido das garras de Otávio, Ringo, nas últimas, não sabia como fugir do seu melhor amigo. Os olhos seguiam esbugalhados. Além do pranto, suava feito um porco à passos de ser abatido. A camisa colou na pele. À suspicácia de coisa pior embolava. Formava um nó e tomava conta desenhando figuras esquisitas diante de sua percepção estuporada.
Otávio:
— Muito bem. Estou feliz por você ter resgatado a sua dívida.
Ringo:
— Como você disse assim que cheguei que havia ganho na loteria, pensei que perdoaria a dívida.
Otávio:
— É mesmo??? - Quer saber quanto eu ganhei?
Ringo:
— Sim... quero dizer, não.
Diante dessa resposta, Otávio se engraçou, de novo com a angustura do desditoso. Grudou nela com mais altivez e ferocidade:
— Mas ainda assim eu direi, seu pelintrão. O bastante para comprar minha liberdade e deixar de ser “ex”. “Ex-corno”. Entendeu o que eu disse? Sou “ex-corno”, como a Pati – desculpe, a “Florzinha” – é minha “ex”. E você, Ringo, passou para a lista negra dos meus “ex-amigos””.
Ringo:
— Eu?
A essa altura, com o novo bote de Otávio em seu cangote, Ringo se ajoelhou de dor. Tentou se livrar do jugo obstaculoso de Otávio, mas o amigo, duplamente mais forte, neutralizava qualquer tipo de reação.
Otávio:
— Como se sente, sendo meu “EX-AMIGO?”
No que falava, Otávio sacou da parte de trás da jaqueta, um revolver calibre trinta e oito. Encostou o cano na testa de Ringo. O desespero chegou ao crítico. Otávio, entremeado num sorriso estranho, em ato inopinado, deu voz ao gatilho. Uma, duas, três, cinco vezes. Os miolos de Ringo se espalharam pelas paredes e ladrilhos, deixando no portal de acesso à mansão suntuosa, manchas macabras, como se os projéteis, ao penetrarem seu rosto espantado, desenhassem as fases mais variadas do medo mórbido e tétrico que urrava por socorro dentro de seu coração.
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