domingo, 4 de junho de 2023

Nilto Maciel (Menino Ofendido)

Moisés estava morrendo. Lentamente. Coberto de chagas. No mundo inteiro mulheres choravam. Cenas de histeria e desespero. Jornais e televisões exploravam o infausto fim daquele homem tão glorioso.

No ápice de sua glória, Moisés inventou um dos mais fascinantes espetáculos de prazer. Era sua Roma, sua Sodoma. Mistura de motel e cassino. Cinco pavimentos, mais de cem quartos. Uma entrada, com bilheteria. Como nos cinemas e teatros. Galeria de arte, labirintos, saunas, piscinas. Proibida entrada de homens e travestis. Permanência de uma hora, no máximo. Preço do ingresso: dez dólares.

A fortuna de Moisés se fez em pouco mais de três anos, após a fase de modelo e manequim. Considerado um dos homens mais bonitos e atléticos do mundo, nunca se casou. Jamais esteve unido a qualquer mulher.

— Para não atrapalhar os negócios. — dizia.

E como teve início aquele império do sexo?

“Comparável a Hollywood”, afirmou uma revista.

— Meu primeiro passo foi um pequeno anúncio. Recebia em meu apartamento mulheres carentes de amor. Em troca de alguns dólares.

— Mas isso não era novidade nenhuma, Moisés.

— Eu era a novidade. Os outros se vendiam há muito tempo.

Logo depois o modelo alugou uma mansão, contratou meia dúzia de belos rapazes e inaugurou seu primeiro bordel.

— Não convidei o governador, o prefeito, deputados, empresários, homem nenhum.

— Essa gente gostaria de conhecer seus Apolos.

— Mas eu nunca gostei dessa gente.

A vaidade, ou outra ilusão, fez Moisés despedir seus pupilos. E ficou só. As clientes não gostaram da ideia. Muitas desapareceram. Fazia-se a seleção da clientela.

— Você também foi ator.

— Sim, de inúmeros filmes. E também diretor. Além disso, editei revistas. As primeiras onde homens posavam nus.

Apesar de toda a dedicação ao trabalho, Moisés viajava muito. Conheceu quase o mundo todo. Dinheiro e fama não lhe faltavam.

— Como surgiu a ideia do Palácio dos Prazeres?

— Tive um sonho. Eu não era um, porém muitos. Como se multiplicado por espelhos. Então arquitetei a casa de cem quartos. Eu poderia estar em todos eles e receber cem mulheres ao mesmo tempo. O verdadeiro harém.

Formavam-se filas diante do portão. Mulheres de todos os tipos. A maioria coberta de xales. Outras usavam óculos escuros. Porém todas dentro de carros de luxo.

Os quartos eram numerados, e muitas mulheres acreditavam serem determinados números propícios a elas. E esperavam horas e horas pela desocupação do quarto número tal. Porém alguns números vinham acompanhados de cores e nomes. Assim, havia o quarto vermelho, o quarto de Lucrécia Bórgia, o quarto azul da orgia divina, etc.

— E a coisa dos sorteios?

— Quem me encontrasse, recebia de volta o dinheiro do ingresso, com direito de participar do próximo sorteio.

— E quem o encontrasse no quarto tinha direito a que mais?

— A uma hora de prazeres de todos os tipos, sobretudo os sonhados pela cliente.

— E agora, morrendo, coberto de chagas, o que dizer da vida?

Moisés se pôs a chorar, feito menino ofendido.

Fonte:
Enviado pelo autor.
Nilto Maciel. Pescoço de Girafa na Poeira. Brasília/DF: Secretaria de Cultura do Distrito Federal/Bárbara Bela Editora Gráfica, 1999.

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