domingo, 25 de junho de 2023

Carolina Ramos (Meus Bichos, Bichinhos e… Bichanos)

Certa manhã, ao ler o texto de Vinicius de Morais, sob o título: - Do Amor aos bichos, texto este transcrito no Pavilhão Literário, uma das tantas vitoriosas publicações virtuais de José Feldman, PR, a ideia sorrateira impôs-se: - Por que não escrever, também, algo sobre aqueles animaizinhos tão queridos que, desde a infância, acompanharam meus passos ao longo da vida e dos quais, na última fase dela, ainda sinto falta?

Impulsionada pelo desafio, mergulho nessa viagem, vez ou outra ligeiramente enveredada por trilhas autobiográficas, não pretendidas, embora indispensáveis.

Sendo que a melhor forma de pôr o pé na estrada é abrir uma porta, começo por torcer a maçaneta da casa n° 5, da pequenina Vila dos Andradas, onde nasci e residi, até meus cinco anos de idade.

O espaço daquela Vilazinha - que acarinhei num soneto - é hoje ocupado pela Rodoviária de Santos.

Casa modesta, agradável, cada escaninho ainda presente em minha memória.

Os diminutos quintais, ao longo daquelas pequenas casas sem jardim fronteiro, não ofereciam maiores atrativos além de lesmas, caracóis, formigas, borboletas e besouros a usufruírem de uma nesga de terra, de poucos palmos de largura, estendida de muro a muro.

As borboletas, asas coloridas e sedosas, eram bênçãos atadas surgidas de surpresa a encantar e a arredondar meus olhos infantis. Vez ou outra suplantavam muros e sem encontrar flores, sumiam desapontadas por detrás deles, deixando-me ainda mais frustrada por não poder fazer o mesmo.

Já os besouros cascudos, com suas casacas negras, lustrosas, passeavam a costumeira placidez por aquele espaço restrito e sempre me interessavam. Brinquei bastante com eles, na companhia de minhas bonecas. Muitas vezes, atrelava-os a uma caixinha de fósforos para que carregassem pequenas cargas. Crianças, mesmo que inconscientemente, não raro são anjinhos cruéis!

Quando atingi meus cinco anos, sem possuir ainda um bichinho de estimação, aquela casinha minúscula foi vendida e meus pais adquiriram dois bangalôs, na Rua Alexandre Herculano - o 165 e o 161. Este último, logo alugado. No outro, bem mais amplo, residimos até meus 18 anos.

Era lindo o novo lar! Belo jardim florido, à frente. E amplo quintal, aos fundos, no formato de um grande L invertido - já que o terreno da casa ao lado, cortado ao meio pelo antigo proprietário, fora incorporado à casa 165, onde ele residia, antes de nós.

Não mais existe o 165 - Moderno prédio de apartamentos tomou-lhe o lugar. Mas foi justamente nesse aprazível bangalô, repleto de recordações da infância, que a semente do meu amor por tudo quanto é bicho começou a brotar. A falta de irmãos e a amplitude daquele quintal contribuíram bastante para que isso acontecesse. E quanto era diversificada a nossa fauna!

Começo pelas aves - galinhas, tanto raçudas como caipiras. E ninhadas, de patos e marrecos, agraciados com as indispensáveis "piscinas" e, também, um ou outro peru. Era ampla a família das "penosas" - disposta em três galinheiros bem equipados, onde a orquestra matinal fazia-se ouvir desde cedo, mercê da clarinada dos galos, dos cacarejos festivos das galinhas, dos pios e grasnidos de alguns patos e marrecos, por vezes silenciados pelo glu-glu-glu compulsório dos perus - Foi no intuito de provoca-los que aprendi a assobiar... tão logo depois que a segunda dentição supriu as falhas.

Um desses galinheiros chegou a acolher até mesmo um veadinho, vindo a nós, ainda bem pequenino, por conta de dois tios, irmãos de minha mãe - caçadores por esporte – grrr!!! - (mesmo querendo muito bem a esses tios, não posso evitar o repúdio ao cruel "esporte" que, vez ou outra, praticavam).

E, justamente o nosso pequenino Éden, pomar bastante aprazível, foi o lugar escolhido para aninhar o tal veadinho - pobre órfão, a ser criado com carinhos, mamadeiras e desvelos, por aquela família compulsoriamente adotiva.

Quando adulto, já bastante arisco, o pobre animalzinho, a evitar a aproximação de quem procurasse ajuda-lo, arremetia contra o aramado, chegando até a ferir-se. Em consequência do seu mau comportamento, acabou sendo cedido ao antigo Grande Hotel, frente à praia do José Menino (há muito não existente), onde alguém da sua espécie, também solitária, aguardava por um consorte. Nossa missão, dentro da melhor forma possível, fora cumprida. E nunca mais soubemos algo a respeito dele.

Fonte:
Carolina Ramos. Meus Bichos, Bichinhos e… Bichanos. Santos/SP: Ed. da Autora, 2023.
Enviado pela autora.

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