Soneto para Maria Helena
Tu que por crenças vãs a Vida arrasas
e ante o espelho não queres ver que és,
que imagina viver abrindo as asas
e te esqueces de andar com os próprios pés...
Que transforma o Sonho num revés
mesmo a acender o fogo em que abrasas,
e te algema as mãos, - as mãos escravas
como as do prisioneiro das galés.
Tu que te enganas a falar de alturas
com as palavras mais belas e mais puras
e te imolas num gesto superior,
não percebes nessa ânsia de suicida
que nada há enfim mais alto do que a Vida
quando a erguemos num brinde - ébrios de amor!
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Sorrio...
Ah! vieste me falar de antigamente
desse tempo em que fui sentimental,
quando o amor era um sonho puro e ardente
vestido em véu de espumas, nupcial...
Quando me dava, perdulariamente,
vivendo o mal sem conhecer o mal,
a levar a alma inquieta de quem sente
e de quem busca uma conquista ideal...
Era sestro da idade essa existência...
Sinal de pouca vida e muito sonho,
de muito sonho... e pouca experiência...
Hoje, no entanto, se a pensar me ponho:
- sorrio... Um vão sorriso de indulgência...
...Sinal de muita vida... e pouco sonho…
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Suprema Ironia
Não digas que não sofro - o meu sofrer profundo
com um sorriso nos lábios muita vez apago...
A dor - é coo a pedra que cai - vai pro fundo
sob a face serena e tranquila do lago...
Um segundo de pura alegria - um segundo
muitas vezes me basta, e já me dou por pago...
Se invejo, invejo aquele que não tendo um mundo,
tem mundo para além do olhar ardente e vago...
Que eu não ando a dizer que sofro e me atormento!
É covardia a gente maldizer-se à toa
a viver esta vida entre um ai e um lamento...
Eu, não! Bem sei que sofro, mas sofrer - que importa ?
Digo aos homens que o mundo é belo, a vida é boa!
E... suprema ironia... a minha voz conforta!
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Supremo Orgulho
Nunca soube pedir...Nunca soube implorar...
Nasci, tendo este orgulho em minha lama irrequieta,
- há um brilho que incendeia o meu altivo olhar
de crente superior... de indiferente asceta...
Minha fronte, jamais, eu soube curvar
na atitude servil de uma existência abjeta...
Ninguém é mais que eu!... Ninguém... e este meu ar
de orgulho, vem da glória imensa de ser poeta...
Sou pobre - mas riqueza alguma há igual à minha,
- a mulher que eu amar terá a glória suprema
de um dia se sentir maior que uma rainha....
Terá a glória de saber o seu nome
perpetuado por mim nas estrofes de um poema,
desses que a História guarda e o Tempo não consome !
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Surpresa
Começamos assim: - eu, tendo em mente
fingir gostar apenas: namorar,
como chamam na vida comumente
aos primeiros encontros de algum par...
Tu, disposta a prender-me ao teu olhar
por um mero capricho e, fatalmente,
depois que eu me curvasse a te adorar
trocar-me-ias por outro facilmente...
Começamos assim - logo, no entanto
- aquilo que pensei, não consegui,
nem conseguiste o que querias tanto...
E afinal - que belíssima surpresa !...
- Eu, de tanto fingir: – gostei de ti,
tu, querendo prender: - ficaste presa !...
Fonte:
JG de Araújo Jorge. Meus sonetos de amor. RJ: Ed. do Autor, 1961.
JG de Araújo Jorge. Meus sonetos de amor. RJ: Ed. do Autor, 1961.
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