LUNA, A LOIRA, conheceu o Armeu e pediu para ser apresentada a ele, numa festinha de aniversário de uma de suas colegas de finais se semana. O moço de tronco bem-apessoado, contava vinte e cinco anos (enquanto ela computava dezenove). Era alto, quase um metro e noventa, corpo sarado, os cabelos compridos, presos por um elástico sujo desses de prender dinheiro. Trabalhava como pirófago por conta própria e foi exatamente pela sua profissão de nomenclatura estranha, que a Luna se interessou e resolveu grudar no pé do marmanjo com ares aristocráticos:
— Você me disse, quando fomos apresentados pela Gracinha, que é pi... pi... pi... piru, piru o que mesmo?
Armeu riu com vontade:
— Pirófago.
— Isso. E o que é? Algo que se coma?
O jovem voltou a se abrir em mais gargalhadas:
— Você não imagina?
— Não faço a menor ideia.
— Ao menos tente...
— Deixa ver: planta bananeiras?
— Não.
— Faz show com cobras venenosas?
— Está frio.
— Engole espadas?
— Cada vez mais gelada...
— Come ovos quentes tirados na hora da galinha?
Armeu se enfeitou numa fisionomia de quem parecia zangado. Longe disso:
— Credo em cruz! Você acaba de cair de corpo inteiro num buraco no meio do Polo Norte.
— Então diga de uma vez.
— Pirófago engole...
Luna, de repente, o interrompeu, aos gritos:
— Insetos?
— Calma. Agora deixa eu falar. Você já perdeu todas as oportunidades.
— Está bem. Fique à vontade.
— Um pirófago, igual a mim...
De novo a beldade o fez se calar:
— Entorta garfos e facas...
Armeu fingiu um desagrado ensaiado. Em contínuo, se desmanchou numa ternura delicada e troçou muito sério:
— Pelo amor de Deus, cala essa matraca. Não é nada disso. Droga!
— Não precisa ficar nervoso. Olha o coração.
— Não estou nervoso.
— Está sim.
— Não estou não.
— Está. Vejo em seus olhos.
— Não estou.
— Prove que não anda sobre cacos de vidro e diga, logo de uma vez, o que é que faz um pifógoro igual a você?
— Já disse que não estou nervoso. E não é pifógoro. O certo é pirófago. Vou ficar muito brabo, claro, se você não fechar essa boca cheia de dentes. Outro detalhe: um pirófago igual a mim, não. Todos os pirófagos fazem a mesma coisa.
— Tudo bem. Agora desembuche.
— Pirófago é o artista que engole fogo.
— Engole fogo?
— Sim senhora.
— Que horror! Não tem medo de se queimar? Dizem que “quem brinca com fogo, se queima...”.
— Agora me esclareça: por onde você engole o fogo?
— Pela boca, ora bolas.
— Não é bem isso que quero saber, mas onde você trabalha com essa coisa?
— Geralmente nas praças públicas. Nos sábados e domingos, em festinhas de aniversários e até em casamentos. No meio da semana ataco os semáforos.
— Ataca o quê?
— Os semáforos. Sinais de trânsito. Se ligou?
— Mais ou menos. Ei, você por acaso está me chamando de loira burra só porque sou loira?
— Longe de mim essa ideia de loira burra. É que você fez uma carinha deveras engraçada quando falei em semáforos.
— Não havia entendido bem. Conta, como é que você faz?
— É assim. Me preparo enquanto os veículos estão transitando. Quando o sinal fecha, eu pulo na frente dos carros e começo a engolir o fogo. Depois saio colhendo os louros.
— Os louros ou as loiras?
— Engraçadinha, você! Colho os louros.
— E o “que é exatamente os louros?”,
— Dinheiro. Grana. Bufunfa. Costumo ganhar uns bons trocados.
— Meu Deus! E nessa trajetória “pirofofagueana” você nunca se queimou?
Mais rinchavelhos (gargalhadas destemperadamente) estrepitosos entraram em cena:
— Você é muito divertida. Queimei-me só uma vez.
— Como aconteceu exatamente?
— Bebi o fogo, sem querer.
— Mas espera aí: você não engole o fogo?
— Esse é o segredo. Eu engulo. Todavia, não posso revelar a fórmula de como é feito o preparo para as exibições.
— Tudo bem. E depois?
— Tive que desengolir. Botar para fora. Foi o diabo. Vi estrelas...
— Por que não muda de profissão?
— Porque nunca quis aprender outra coisa. Meu pai fazia isso, meus irmãos idem, ou melhor, ainda fazem. Mamãe parou recentemente em face de um incidente numa de suas apresentações. Ela perdeu as duas dentaduras. Somente uma irmã, a Donela, seguiu outra carreira.
— Qual?
— Enroladeira de mangueira.
— Que profissão é essa que também nunca ouvi falar?
— Ela casou com um bombeiro.
— Casou?
— Não exatamente. Na verdade, resolveu morar com um camaradinha que é bombeiro.
— Ah, entendi. O cidadão apaga fogo?
— Não, ele não apaga nada.
— Bombeiro que não apaga fogo?
— É. O infeliz vive de biscates: desentope pias, ralos, limpa fossas...
— Os caras que fazem isso não são bombeiros...
— E o que são?
— Não sei o nome correto. É alguma coisa parecida com “hidréulico”, porém, tenho certeza de que não é bombeiro.
— Pois então: Donela dobra a mangueira.
— Que mangueira?
— A que o meu cunhado usa para limpar as fossas.
— E que tamanho é a mangueira?
— Espera aí. Essa conversa está tomando outro rumo. Lá vou saber se a mangueira é grande ou pequena?
— Meu querido, estou sinalizando a mangueira que ele usa para trabalhar e que a sua irmã enrola...
— Ah!... deve ter perto de uns vinte metros.
Nesse momento foi a vez da Luna se soltar em graças e dar risadas sem parar. Chegou a chorar. Depois de um certo tempo voltou ao normal:
— Desculpe. Não pude deixar de achar o fato espirituoso e cômico.
— Não quero saber e nem falar desse assunto. Vamos mudar o rumo da prosa. E quanto a você?
— O que tem eu?
— Como ficamos nós dois? Você quis me conhecer. Pediu à nossa amiga Gracinha para ser apresentada a mim. Fomos. E daí? Tem jogo entre nós?
— Antes de responder, meu caro pirúfugo, quero ver você engolir fogo ao vivo e a cores.
— Não é pirúfugo, senhorita. É pirófago.
— Tudo bem. Com o tempo eu aprendo a pronunciar essa droga de palavra sem errar as letras.
— Não tem medo que perto de você eu fique meio nervoso ou inteiramente perturbado e me queime?
— Tenho, logicamente.
— Você poderia vir comigo em minhas andanças. De repente, a gente se acerta... confesso, gostei de você...
— Está me pedindo em namoro ou algo nesse sentido?
— Talvez! E então?
— É um caso a pensar. Vamos que lá na frente cheguemos a um consenso?
— Luna, você viria morar comigo, se nossos caminhos seguissem em busca dos mesmos ideais?
— Certamente. Gostei de você. Faz meu tipo, é alegre...
— Ok. E se numa de minhas exibições eu me queimasse?
— Bem, se isso por acaso viesse a acontecer (e espero, em Deus, que nunca se fira), eu pegaria emprestada a mangueira do seu cunhado e juro que poria ela na sua boca...
— Você me disse, quando fomos apresentados pela Gracinha, que é pi... pi... pi... piru, piru o que mesmo?
Armeu riu com vontade:
— Pirófago.
— Isso. E o que é? Algo que se coma?
O jovem voltou a se abrir em mais gargalhadas:
— Você não imagina?
— Não faço a menor ideia.
— Ao menos tente...
— Deixa ver: planta bananeiras?
— Não.
— Faz show com cobras venenosas?
— Está frio.
— Engole espadas?
— Cada vez mais gelada...
— Come ovos quentes tirados na hora da galinha?
Armeu se enfeitou numa fisionomia de quem parecia zangado. Longe disso:
— Credo em cruz! Você acaba de cair de corpo inteiro num buraco no meio do Polo Norte.
— Então diga de uma vez.
— Pirófago engole...
Luna, de repente, o interrompeu, aos gritos:
— Insetos?
— Calma. Agora deixa eu falar. Você já perdeu todas as oportunidades.
— Está bem. Fique à vontade.
— Um pirófago, igual a mim...
De novo a beldade o fez se calar:
— Entorta garfos e facas...
Armeu fingiu um desagrado ensaiado. Em contínuo, se desmanchou numa ternura delicada e troçou muito sério:
— Pelo amor de Deus, cala essa matraca. Não é nada disso. Droga!
— Não precisa ficar nervoso. Olha o coração.
— Não estou nervoso.
— Está sim.
— Não estou não.
— Está. Vejo em seus olhos.
— Não estou.
— Prove que não anda sobre cacos de vidro e diga, logo de uma vez, o que é que faz um pifógoro igual a você?
— Já disse que não estou nervoso. E não é pifógoro. O certo é pirófago. Vou ficar muito brabo, claro, se você não fechar essa boca cheia de dentes. Outro detalhe: um pirófago igual a mim, não. Todos os pirófagos fazem a mesma coisa.
— Tudo bem. Agora desembuche.
— Pirófago é o artista que engole fogo.
— Engole fogo?
— Sim senhora.
— Que horror! Não tem medo de se queimar? Dizem que “quem brinca com fogo, se queima...”.
— Agora me esclareça: por onde você engole o fogo?
— Pela boca, ora bolas.
— Não é bem isso que quero saber, mas onde você trabalha com essa coisa?
— Geralmente nas praças públicas. Nos sábados e domingos, em festinhas de aniversários e até em casamentos. No meio da semana ataco os semáforos.
— Ataca o quê?
— Os semáforos. Sinais de trânsito. Se ligou?
— Mais ou menos. Ei, você por acaso está me chamando de loira burra só porque sou loira?
— Longe de mim essa ideia de loira burra. É que você fez uma carinha deveras engraçada quando falei em semáforos.
— Não havia entendido bem. Conta, como é que você faz?
— É assim. Me preparo enquanto os veículos estão transitando. Quando o sinal fecha, eu pulo na frente dos carros e começo a engolir o fogo. Depois saio colhendo os louros.
— Os louros ou as loiras?
— Engraçadinha, você! Colho os louros.
— E o “que é exatamente os louros?”,
— Dinheiro. Grana. Bufunfa. Costumo ganhar uns bons trocados.
— Meu Deus! E nessa trajetória “pirofofagueana” você nunca se queimou?
Mais rinchavelhos (gargalhadas destemperadamente) estrepitosos entraram em cena:
— Você é muito divertida. Queimei-me só uma vez.
— Como aconteceu exatamente?
— Bebi o fogo, sem querer.
— Mas espera aí: você não engole o fogo?
— Esse é o segredo. Eu engulo. Todavia, não posso revelar a fórmula de como é feito o preparo para as exibições.
— Tudo bem. E depois?
— Tive que desengolir. Botar para fora. Foi o diabo. Vi estrelas...
— Por que não muda de profissão?
— Porque nunca quis aprender outra coisa. Meu pai fazia isso, meus irmãos idem, ou melhor, ainda fazem. Mamãe parou recentemente em face de um incidente numa de suas apresentações. Ela perdeu as duas dentaduras. Somente uma irmã, a Donela, seguiu outra carreira.
— Qual?
— Enroladeira de mangueira.
— Que profissão é essa que também nunca ouvi falar?
— Ela casou com um bombeiro.
— Casou?
— Não exatamente. Na verdade, resolveu morar com um camaradinha que é bombeiro.
— Ah, entendi. O cidadão apaga fogo?
— Não, ele não apaga nada.
— Bombeiro que não apaga fogo?
— É. O infeliz vive de biscates: desentope pias, ralos, limpa fossas...
— Os caras que fazem isso não são bombeiros...
— E o que são?
— Não sei o nome correto. É alguma coisa parecida com “hidréulico”, porém, tenho certeza de que não é bombeiro.
— Pois então: Donela dobra a mangueira.
— Que mangueira?
— A que o meu cunhado usa para limpar as fossas.
— E que tamanho é a mangueira?
— Espera aí. Essa conversa está tomando outro rumo. Lá vou saber se a mangueira é grande ou pequena?
— Meu querido, estou sinalizando a mangueira que ele usa para trabalhar e que a sua irmã enrola...
— Ah!... deve ter perto de uns vinte metros.
Nesse momento foi a vez da Luna se soltar em graças e dar risadas sem parar. Chegou a chorar. Depois de um certo tempo voltou ao normal:
— Desculpe. Não pude deixar de achar o fato espirituoso e cômico.
— Não quero saber e nem falar desse assunto. Vamos mudar o rumo da prosa. E quanto a você?
— O que tem eu?
— Como ficamos nós dois? Você quis me conhecer. Pediu à nossa amiga Gracinha para ser apresentada a mim. Fomos. E daí? Tem jogo entre nós?
— Antes de responder, meu caro pirúfugo, quero ver você engolir fogo ao vivo e a cores.
— Não é pirúfugo, senhorita. É pirófago.
— Tudo bem. Com o tempo eu aprendo a pronunciar essa droga de palavra sem errar as letras.
— Não tem medo que perto de você eu fique meio nervoso ou inteiramente perturbado e me queime?
— Tenho, logicamente.
— Você poderia vir comigo em minhas andanças. De repente, a gente se acerta... confesso, gostei de você...
— Está me pedindo em namoro ou algo nesse sentido?
— Talvez! E então?
— É um caso a pensar. Vamos que lá na frente cheguemos a um consenso?
— Luna, você viria morar comigo, se nossos caminhos seguissem em busca dos mesmos ideais?
— Certamente. Gostei de você. Faz meu tipo, é alegre...
— Ok. E se numa de minhas exibições eu me queimasse?
— Bem, se isso por acaso viesse a acontecer (e espero, em Deus, que nunca se fira), eu pegaria emprestada a mangueira do seu cunhado e juro que poria ela na sua boca...
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