(Folclore do Pernambuco)
Uma vez um homem pobre tinha um pássaro preto que estimava muito, e, tendo um filho muito travesso, foi um dia o menino levar a comida ao pássaro e o soltou. O pássaro voou e levou o menino preso pelo bico. Depois de uma grande viagem, largou-o num rico palácio.
Mandou por a mesa para o almoço, a qual apareceu bem preparada, e, tendo ele de sair logo depois, deu ao pequeno uma chave, dizendo que só abrisse o primeiro dos quartos que havia na frente da sala, e que eram sete.
O menino, logo que o padrinho (assim chamava ao pássaro) saiu, foi e abriu o primeiro quarto, e lá encontrou grande porção de cavalos; ele se divertiu a ponto de se esquecer de comer.
No dia seguinte o pássaro, antes de sair, deu-lhe a chave do segundo quarto, e ele o abriu e encontrou uma porção de selins e arreios.
Assim o pássaro foi-lhe dando as diferentes chaves dos quartos até o quinto. O terceiro era cheio de moças brancas, o quarto de mulatinhas, e o quinto de espadas.
Passaram-se tempos e o menino ficou moço feito, e pedia tudo ao padrinho, que lhe respondia que, se ele lhe fizesse sempre a vontade, seria dono de tudo o que ali havia. Depois de vistos os cinco quartos, o padrinho deu-lhe a sexta chave, mas lhe dizendo que não abrisse aquele quarto, do contrário perderia tudo que ele lhe havia prometido.
O moço, não se podendo conter, foi infiel, e abrindo o quarto, achou um belo rio de prata, e nele meteu o dedo, que ficou prateado. Pensando que o padrinho não viesse a descobrir, enrolou o dedo numa tirinha de pano; mas o pássaro que adivinhava tudo, quando chegou, viu o dedo atado, e lhe disse: «Já sei que abriste o quarto!» ao que ele respondeu com medo: «Abri, meu padrinho, mas vosmecê não me castigue.»
Disse-lhe o padrinho: «O castigo será amanhã quando de novo me desobedeceres.»
Deu-lhe a chave do sétimo quarto, e saiu. O moço não se conteve, e abriu o quarto, onde havia um rio de ouro.
Quando o pássaro voltou deu-lhe o castigo prometido: tirou-lhe a roupa e mergulhou-o no rio de prata, e, depois, no rio de ouro, e, quando acabou, deitou-o fora de casa, dando-lhe uma varinha de condão.
O moço começou a andar e foi ter em um reino. Aí encontrou um negro velho, a quem chamou pai Gaforino, e lhe pediu que lhe cedesse a sua roupa velha e suja para encobrir a sua cor e poder entrar na cidade.
O negro cedeu; mas uma princesa, que estava na janela do palácio, chegou a ver ele vestir a roupa velha do preto e, conhecendo que ele se encaminhava para o palácio, disse ao rei que queria se casar com o pior negro que ali chegasse.
O pai, ficando admirado pelo mau gosto da filha, não teve outro remédio senão mandar chamar o negro e contratar o casamento, com o que o moço disfarçado em negro ficou espantadíssimo, porque não pensava que tivesse sido visto por ninguém. Aceitou a princesa por mulher e, sempre muito desconfiado, não se deitava na cama com ela, e sim numa tábua ao pé do fogo.
O rei teve tão grande desgosto, que pôs-se de cama em estado de morrer. A família então fez uma promessa à Padroeira que se o rei escapasse, mandava fazer uma festa na igreja que durasse três dias. O médico receitou ao rei que comesse três pássaros de plumas; e tendo sabido o negro que os dois genros, que o rei tinha, haviam saído a procurar, cada qual montado em seu cavalo, pediu à sua varinha de condão uma carruagem e um rico vestuário e três pássaros de plumas. Meteu-se na carruagem com os pássaros, e saiu. Mais adiante encontrou os genros do rei. Eles perguntaram se aqueles pássaros eram de pluma e se os queria vender. Respondeu que eram de pluma, mas que só os cedia se deixasse ele os ferrar a cada um num quarto com o seu ferro.
Os moços consentiram, e voltaram para o palácio com os três pássaros, que o rei comeu e ficou bom. Seguiu-se a festa dos três dias. O negro mandou que sua mulher fosse à igreja ver a festa, e, ocultamente, pediu à sua varinha de condão que lhe desse uma linda carruagem e um vestido da cor do campo com todas as suas flores.
Assim foi, e a mulher seguiu. Depois ele pediu a mesma coisa para si e lá se apresentou com tanta rapidez que a mesma mulher não podia pensar que fosse ele. As duas irmãs casadas que a princesa tinha, com inveja, e desconfiadas, estando na igreja, diziam escarnecendo: «Com um moço assim é que tu devias ter casado e não com um negro.» Ela recebeu tudo com tristeza.
No segundo dia de festa, o negro pediu à varinha de condão que fizesse aparecer uma carruagem ainda mais rica e um vestido cor do mar, com todos os seus peixinhos, e para ele a mesma coisa, tudo isto sem a mulher saber; e quando voltaram todos da festa, já ele estava no palácio aquecendo fogo com sua roupa de negro.
No terceiro dia pediu uma carruagem ainda mais rica e um vestido da cor do céu com todas as suas estrelas, e o mesmo para ele. Neste mesmo dia houve festa em palácio e foram convidados todos os genros do rei e mais mulheres, que se apresentaram muito ricamente vestidas. Então o preto apresentou-se na sua cor verdadeira, e nos mesmos trajes com que estava no dia em que ferrou os cunhados, por seus cativos.
Eles ficaram muito espantados, e ainda mais quando o moço foi chamado para a mesa, e disse que não se assentava na mesma mesa com os seus cativos. Então o rei lhe perguntou quais eram ali os seus escravos, e ele apontou para os seus dois concunhados que estavam ferrados nos quartos, como el-rei podia examinar.
O sogro os chamou para um camarim, e lá ficou convencido da realidade, sendo que as mulheres dos dois moços se atiraram da varanda do palácio abaixo, e eles as acompanharam, ficando o rei tão desgostoso, que em pouco tempo morreu, ficando o pai Gaforino senhor de todo o reino.
Uma vez um homem pobre tinha um pássaro preto que estimava muito, e, tendo um filho muito travesso, foi um dia o menino levar a comida ao pássaro e o soltou. O pássaro voou e levou o menino preso pelo bico. Depois de uma grande viagem, largou-o num rico palácio.
Mandou por a mesa para o almoço, a qual apareceu bem preparada, e, tendo ele de sair logo depois, deu ao pequeno uma chave, dizendo que só abrisse o primeiro dos quartos que havia na frente da sala, e que eram sete.
O menino, logo que o padrinho (assim chamava ao pássaro) saiu, foi e abriu o primeiro quarto, e lá encontrou grande porção de cavalos; ele se divertiu a ponto de se esquecer de comer.
No dia seguinte o pássaro, antes de sair, deu-lhe a chave do segundo quarto, e ele o abriu e encontrou uma porção de selins e arreios.
Assim o pássaro foi-lhe dando as diferentes chaves dos quartos até o quinto. O terceiro era cheio de moças brancas, o quarto de mulatinhas, e o quinto de espadas.
Passaram-se tempos e o menino ficou moço feito, e pedia tudo ao padrinho, que lhe respondia que, se ele lhe fizesse sempre a vontade, seria dono de tudo o que ali havia. Depois de vistos os cinco quartos, o padrinho deu-lhe a sexta chave, mas lhe dizendo que não abrisse aquele quarto, do contrário perderia tudo que ele lhe havia prometido.
O moço, não se podendo conter, foi infiel, e abrindo o quarto, achou um belo rio de prata, e nele meteu o dedo, que ficou prateado. Pensando que o padrinho não viesse a descobrir, enrolou o dedo numa tirinha de pano; mas o pássaro que adivinhava tudo, quando chegou, viu o dedo atado, e lhe disse: «Já sei que abriste o quarto!» ao que ele respondeu com medo: «Abri, meu padrinho, mas vosmecê não me castigue.»
Disse-lhe o padrinho: «O castigo será amanhã quando de novo me desobedeceres.»
Deu-lhe a chave do sétimo quarto, e saiu. O moço não se conteve, e abriu o quarto, onde havia um rio de ouro.
Quando o pássaro voltou deu-lhe o castigo prometido: tirou-lhe a roupa e mergulhou-o no rio de prata, e, depois, no rio de ouro, e, quando acabou, deitou-o fora de casa, dando-lhe uma varinha de condão.
O moço começou a andar e foi ter em um reino. Aí encontrou um negro velho, a quem chamou pai Gaforino, e lhe pediu que lhe cedesse a sua roupa velha e suja para encobrir a sua cor e poder entrar na cidade.
O negro cedeu; mas uma princesa, que estava na janela do palácio, chegou a ver ele vestir a roupa velha do preto e, conhecendo que ele se encaminhava para o palácio, disse ao rei que queria se casar com o pior negro que ali chegasse.
O pai, ficando admirado pelo mau gosto da filha, não teve outro remédio senão mandar chamar o negro e contratar o casamento, com o que o moço disfarçado em negro ficou espantadíssimo, porque não pensava que tivesse sido visto por ninguém. Aceitou a princesa por mulher e, sempre muito desconfiado, não se deitava na cama com ela, e sim numa tábua ao pé do fogo.
O rei teve tão grande desgosto, que pôs-se de cama em estado de morrer. A família então fez uma promessa à Padroeira que se o rei escapasse, mandava fazer uma festa na igreja que durasse três dias. O médico receitou ao rei que comesse três pássaros de plumas; e tendo sabido o negro que os dois genros, que o rei tinha, haviam saído a procurar, cada qual montado em seu cavalo, pediu à sua varinha de condão uma carruagem e um rico vestuário e três pássaros de plumas. Meteu-se na carruagem com os pássaros, e saiu. Mais adiante encontrou os genros do rei. Eles perguntaram se aqueles pássaros eram de pluma e se os queria vender. Respondeu que eram de pluma, mas que só os cedia se deixasse ele os ferrar a cada um num quarto com o seu ferro.
Os moços consentiram, e voltaram para o palácio com os três pássaros, que o rei comeu e ficou bom. Seguiu-se a festa dos três dias. O negro mandou que sua mulher fosse à igreja ver a festa, e, ocultamente, pediu à sua varinha de condão que lhe desse uma linda carruagem e um vestido da cor do campo com todas as suas flores.
Assim foi, e a mulher seguiu. Depois ele pediu a mesma coisa para si e lá se apresentou com tanta rapidez que a mesma mulher não podia pensar que fosse ele. As duas irmãs casadas que a princesa tinha, com inveja, e desconfiadas, estando na igreja, diziam escarnecendo: «Com um moço assim é que tu devias ter casado e não com um negro.» Ela recebeu tudo com tristeza.
No segundo dia de festa, o negro pediu à varinha de condão que fizesse aparecer uma carruagem ainda mais rica e um vestido cor do mar, com todos os seus peixinhos, e para ele a mesma coisa, tudo isto sem a mulher saber; e quando voltaram todos da festa, já ele estava no palácio aquecendo fogo com sua roupa de negro.
No terceiro dia pediu uma carruagem ainda mais rica e um vestido da cor do céu com todas as suas estrelas, e o mesmo para ele. Neste mesmo dia houve festa em palácio e foram convidados todos os genros do rei e mais mulheres, que se apresentaram muito ricamente vestidas. Então o preto apresentou-se na sua cor verdadeira, e nos mesmos trajes com que estava no dia em que ferrou os cunhados, por seus cativos.
Eles ficaram muito espantados, e ainda mais quando o moço foi chamado para a mesa, e disse que não se assentava na mesma mesa com os seus cativos. Então o rei lhe perguntou quais eram ali os seus escravos, e ele apontou para os seus dois concunhados que estavam ferrados nos quartos, como el-rei podia examinar.
O sogro os chamou para um camarim, e lá ficou convencido da realidade, sendo que as mulheres dos dois moços se atiraram da varanda do palácio abaixo, e eles as acompanharam, ficando o rei tão desgostoso, que em pouco tempo morreu, ficando o pai Gaforino senhor de todo o reino.
Fonte:
Sílvio Romero. Contos populares do Brasil. Lisboa/Portugal: Nova Livraria Internacional, 1885.
Disponível em Domínio Público.
Sílvio Romero. Contos populares do Brasil. Lisboa/Portugal: Nova Livraria Internacional, 1885.
Disponível em Domínio Público.
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