Chegado há pouco de Nápoles,
Mal completara treze anos
A flor dos italianos,
O formoso Juvenal.
Vendia as folhas diárias;
Cansava as perninhas nuas,
Gritando por essas ruas:
— Cruzeiro! Globo! Jornal! —
Coitado! Vivia o mísero
Como um cãozinho sem dono,
Ao mais completo abandono,
Ora aqui, ora acolá,
A dormir um sono plácido
À noite, nas horas mortas,
Sobre o batente das portas
Deitava-se ao Deus dará!
Da saúde a cor púrpura
Não lhe alterara o desgosto:
Juvenal tinha no rosto
Da infância o róseo matiz.
Era o inocente notívago,
No seu viver lastimoso,
Um miserável ditoso,
Um desgraçado feliz.
O fato não é poético,
Mas à verdade não fujo:
O pequeno andava sujo,
Sujo que metia dó;
Braços, pernas, rosto — ó lastima! —
Enegrecidos estavam,
E o pescoço lhe abraçavam
Negros colares de pó.
Dos seus fregueses no número
Havia um sor. conselheiro:
Ia levar-lhe o Cruzeiro
Cedinho, pela manhã.
No topo da escada nítida
Quem a folha recebia
E pagava, todo o dia,
Era a formosa Nhã-nhã.
Nhã-nhã, um anjo pulquérrimo!
Pálida, triste, franzina...
Era mais do que menina
E menos do que mulher;
Desabrochava-lhe esplêndida,
Entre douradas quimeras,
Flor de quinze primaveras
Em lábios de rosicler.
De vê-la o pobre alegrava-se,
E se acaso não a via,
No fundo da alma sentia
Misterioso torpor...
Um sentimento novíssimo
Entre o respeito e a vontade;
Muito mais do que amizade,
Muito menos do que amor.
Como não a visse um sábado,
Juvenal, todo inocência
Disse consigo: — Paciência;
Eu hei de vê-la amanhã —;
Mas que aflição! que suplício!...
Quantas mágoas e agonias!...
Passar assim vinte dias
Sem que ele visse Nhã-nhã!
Vinte dias! Louco, atônito,
No vigésimo primeiro
A escada do conselheiro
O pobrezinho subiu...
Estava na sala um féretro,
Por tochas alumiado,
Numa eça colocado
Que de surpreso o feriu.
Penetrou na sala, trêmulo,
Vexado como um patife,
E, ao chegar junto do esquife,
Lívido, parvo, estacou...
Nhã-nhã morrera! De lágrimas
Houve tamanha enxurrada,
Que ele de cara lavada
A vez primeira ficou.
Mal completara treze anos
A flor dos italianos,
O formoso Juvenal.
Vendia as folhas diárias;
Cansava as perninhas nuas,
Gritando por essas ruas:
— Cruzeiro! Globo! Jornal! —
Coitado! Vivia o mísero
Como um cãozinho sem dono,
Ao mais completo abandono,
Ora aqui, ora acolá,
A dormir um sono plácido
À noite, nas horas mortas,
Sobre o batente das portas
Deitava-se ao Deus dará!
Da saúde a cor púrpura
Não lhe alterara o desgosto:
Juvenal tinha no rosto
Da infância o róseo matiz.
Era o inocente notívago,
No seu viver lastimoso,
Um miserável ditoso,
Um desgraçado feliz.
O fato não é poético,
Mas à verdade não fujo:
O pequeno andava sujo,
Sujo que metia dó;
Braços, pernas, rosto — ó lastima! —
Enegrecidos estavam,
E o pescoço lhe abraçavam
Negros colares de pó.
Dos seus fregueses no número
Havia um sor. conselheiro:
Ia levar-lhe o Cruzeiro
Cedinho, pela manhã.
No topo da escada nítida
Quem a folha recebia
E pagava, todo o dia,
Era a formosa Nhã-nhã.
Nhã-nhã, um anjo pulquérrimo!
Pálida, triste, franzina...
Era mais do que menina
E menos do que mulher;
Desabrochava-lhe esplêndida,
Entre douradas quimeras,
Flor de quinze primaveras
Em lábios de rosicler.
De vê-la o pobre alegrava-se,
E se acaso não a via,
No fundo da alma sentia
Misterioso torpor...
Um sentimento novíssimo
Entre o respeito e a vontade;
Muito mais do que amizade,
Muito menos do que amor.
Como não a visse um sábado,
Juvenal, todo inocência
Disse consigo: — Paciência;
Eu hei de vê-la amanhã —;
Mas que aflição! que suplício!...
Quantas mágoas e agonias!...
Passar assim vinte dias
Sem que ele visse Nhã-nhã!
Vinte dias! Louco, atônito,
No vigésimo primeiro
A escada do conselheiro
O pobrezinho subiu...
Estava na sala um féretro,
Por tochas alumiado,
Numa eça colocado
Que de surpreso o feriu.
Penetrou na sala, trêmulo,
Vexado como um patife,
E, ao chegar junto do esquife,
Lívido, parvo, estacou...
Nhã-nhã morrera! De lágrimas
Houve tamanha enxurrada,
Que ele de cara lavada
A vez primeira ficou.
Fonte:
Disponível em Domínio Público.
Arthur de Azevedo. Contos em verso (contos cariocas). Publicado originalmente em 1909.
Português atualizado por J.Feldman
Disponível em Domínio Público.
Arthur de Azevedo. Contos em verso (contos cariocas). Publicado originalmente em 1909.
Português atualizado por J.Feldman
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