quinta-feira, 1 de junho de 2023

Caldeirão Poético LXIII


Gioconda Labecca
(Campanha/MG, 1931 – 2020, São Paulo/SP)

ASPIRAÇÃO

Se eu pudesse, morrer, morrer olhando,
daqui desta janela bem defronte,
o Céu, a Vargem, a Campina e o Monte,
e junto a mim a minha Mãe orando...

E a natureza toda me embalando
ao som de salmos, murmurando a fonte,
e o sol tépido e morno no horizonte
e sorrateiramente se escambando...

Ver meus irmãos em orações funéreas,
mandando aos Céus em espirais etéreas
a fumaça do incenso, espesso véu...

E eu, vendo a vida plena de esplendores,
dizer, sorrindo nos meus estertores:
— Que tarde azul para subir ao Céu!
= = = = = = = = = = = = = = = = =

João Rangel Coelho
(Juiz de Fora/MG, 1897 – 1975, Rio de Janeiro/RJ)

MÃOS

As tuas longas mãos alvinitentes,
despetalando rosas ao luar,
são brancas, "como dois lírios doentes"
no lago emocional do meu olhar.

Meu triste amor!... Nas horas mais pungentes
da minha vida boêmia e singular,
as tuas mãos de seda, transparentes,
teceram meu destino, a acarinhar.

Quando partiste, as tuas mãos esguias,
num derradeiro gesto de agonias,
tremularam de manso aos olhos meus

e, com saudade imensa e dolorida,
deixaram para sempre a minha vida
na balada tristíssima do adeus.
= = = = = = = = = = = = = = = = =

JG de Araujo Jorge
(Tarauacá/AC, 1914 – 1987, Rio de Janeiro/RJ)

BOM-DIA, AMIGO SOL!

Bom-dia, amigo Sol! A casa é tua!
As bandas da janela abre e escancara!
Deixa que entre a manhã sonora e clara
que anda lá fora alegre pela rua!

Entra! Vem surpreendê-la quase nua!
Doura-lhe as formas de beleza rara...
Na intimidade em que a deixei, repara
que a sua carne é branca como a Lua!

Bom-dia, amigo Sol! É esse o meu ninho...
Que não repares no seu desalinho,
nem no ar cheio de sombras, de cansaços...

Entra! Só tu possuis esse direito
de surpreendê-la, quente dos meus braços,
no aconchego feliz do nosso leito!...
= = = = = = = = = = = = = = = = =

Lilinha Fernandes
(Rio de Janeiro/RJ, 1891 – 1981)

A CASA ONDE NASCI

Era minha esta casa. Eu a conheço...
Janelas amplas... larga porta... a escada
por onde agora em pensamento desço
para ver como nasce uma alvorada.

O laranjal cheiroso, o mato espesso...
O poço onde era a roupa bem lavada.
No pátio, bem no centro, eu não me esqueço,
a amendoeira por meu pai plantada.

Dava guarda ao portão um jasmineiro
que de flor se vestia o ano inteiro
e hoje está triste e velho como eu.

Casa velha! deixaste de ser minha...
Assim, tudo que amei, tudo que eu tinha,
deixou, há muito tempo, de ser meu!

Fonte:
Vasco de Castro Lima. O mundo maravilhoso do soneto. 1987.

Nenhum comentário: