Cigarro é um cilindro branco com uma brasa numa ponta e um imbecil na outra. Não vi até hoje melhor definição. Fui esse imbecil durante longos anos. Com o agravante de ter começado na fase adulta, já com 26 anos. Eraldo, meu irmão, e eu crescemos vendo o pai, fumante desde menino, cumprir o delicado ritual de fazer o seu cigarro de palha. Talvez o prazer estivesse não tanto em fumar, mas em executar, sem pressa, cada etapa da operação. Aprendemos a escolher as palhas de milho que ele recortava no tamanho exato, dava uma alisada com o fio do canivete e guardava na gaveta esquerda do guarda-louça. Alguém aí ouviu falar de guarda-louça? Ainda temos um lá em casa. A mãe dizia que era do seu tempo de recém-casada. Voltando ao pai, tornamo-nos expertos na escolha do fumo de corda que lhe agradava. Lá uma vez ou outra, trazíamos um rolete que ele olhava com desconfiança, cheirava e, depois da primeira pitada, concluía com desalento: “Ih, filho, você comprou um macaio que não dá, não. Amanhã, na volta da escola, me traga um diferente”. Em geral, porém, acertávamos na compra.
Quando, pelo final dos anos sessenta, Eraldo e eu começamos a dar as primeiras tragadas, o pai tinha abandonado o vício havia já muito tempo. Entre surpreso e aborrecido, ele comentava: “Não compreendo vocês. De crianças nunca ligaram para cigarro. Agora, homens feitos, começam a fumar?” Pela reverência, que então era costume dedicar a pai e mãe, não fumávamos em sua presença. Mas nunca lhe escondemos nosso mau hábito.
Eraldo parou bem mais cedo. Eu continuei imbecil ainda por uma pá de anos. Comecei em 1967, quando passei a lecionar no querido Colégio Gastão Vidigal. Era professor de umas “trocentas” turmas. Em algumas, do Noturno, só estudavam adultos. Não existia, como hoje, a clara consciência sobre os malefícios do tabaco. Muita gente se iniciou, eu calculo, não por prazer, mas por mimese comportamental. Todo principiante conhece o sofrimento que provocam o engasgo e a tosse das primeiras tentativas. Mas quer se enturmar, fazer-se aceito. Foi o que aconteceu comigo. Para não dar aos fumantes ideia de condenação e repulsa, vez por outra, eu aceitava o cigarro que me ofereciam. Com o tempo, resolvi que não me assentava bem o papel de mero filante. Passei a comprar. Era comum, naquele tempo, a piada: “Eu fumo, mas não trago (isto é, não engulo a fumaça)”. Ao que o dono do maço respondia ironicamente: “Pois devia trazer”. Outro comentário recomendava que “quem tem o vício que o sustente”. Filadores existiam às dezenas. Mas não eram bem-vistos. Preferi, por isso, não me incluir na odiosa lista.
Tenho ouvido que só se pode considerar ex-fumante quem contabilizou dez anos de completa abstinência. É o tempo que dizem levar o organismo do cidadão para se desintoxicar das substâncias nele lançadas pelo cigarro. Não sei se a afirmação goza de respaldo científico. Pelo sim, pelo não, estou-me parabenizando por ter atingido anteontem os primeiros dez anos contínuos de abandono do “pirulito do capeta”. Engordei alguns quilos, é verdade. Fumante, talvez estivesse mais magro. Mas, com certeza, não mais saudável.
Só uma pergunta: por anos a fio, eu recendia aquele odor enjoativo que os fumantes exalam? E os amigos suportaram sem falar nada? Ai, que vergonha! Como só eu não conseguia sentir?
Fonte: Portal do Rigon 05.02.2012
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