Disse Einstein que "poucos são os que veem com seus próprios olhos e sentem com seus próprios corações", alusão ao desrespeito que certos homens se dão ao discernirem coisas sob a ótica de terceiros.
Certíssimo. Estamos fartos disso.
O Zé tinha olhos estrambóticos que não se prestavam a ver por si: simplesmente “desenxergavam” sem que houvesse maneira de lhes cobrar definição, e tudo por causa do estrabismo em que um, ressabiado, vigiava o outro; e o outro, cismado, vigiava o um, cuidando. Uma judiação!
Quando Zé precisava distinguir algo, sua vesgueira dupla obrigava a que fechasse um olho para o ajuste de foco do outro, o que provava a sua “desvisão”, se assim se pode dizer.
Os olhos do Zé desviam (do verbo desver) e ele se chateava tanto que a um médico reclamou da dificuldade e aquele, analisando com cuidado o caso, bem rapidinho cerrou um deles com um tampão, deixando-o no escuro. Para que o que ficara à luz, não tendo a quem vigiar, passasse a enxergar direito. Isto é, sem ter a quem vigiar, o olho aberto deveria desentortar a olhadura.
E o Zé, agora, como pirata de duas pernas, desfilava o tampão no olho esquerdo, esperando pela "direitice" do direito. Pois esperou, esperou... e mais de dois meses depois, cansado de desolhar porque o direito não desentortava, insatisfeito desse sangangu (rolo), despregou o tampão do esquerdo e tascou no direito.
- Se o direito quer ser burro, que seja um burro cego! - disse diante do espelho, a despejar birra ao olho birrento.
E qual não foi a alegria que se estampou: ao perceber a luz, o olho esquerdo que não era bobo, "desbalanceou" seu "desbalanceio" de vesguice e deu ao Zé enxergadura perfeita.
Um quase milagre a bem dizer ou a bem ver.
E o Zé, sambando de felicidade, comprovou que a oportunidade, quando agarrada como fez o esquerdo, produz consequência direta, ou direita, ou mais ou menos isso, porque conseguir ver com os próprios olhos e sentir com o próprio coração é tarefa de que ninguém pode dispor. Nem se contrapor, mas se expor, porque entre olhar e enxergar há uma diferença tão grande que vesguice alguma, por mais inteligente seja, vai compreender.
Lembremo-nos que há olhos que somente olham. Estes são diferentes daqueles que também enxergam. Como os olhos de alguns que continuam olhando coisas acontecerem, mas veem bulhufas com seu estrabismo desconcertante... ou safadeza. Melhor nem olhar. Ou fazê-lo, apontando, para ver se enxergam, e se redimem.
Fonte: Renato Benvindo Frata. Fragmentos. SP: Scortecci, 2022. Enviado pelo autor
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