STANZAS IN MEDITATION
para Henry David Thoreau
Folhas negras caem, rufam em profusão. O vento encrespa a
Água, Tempo, enruga
faces. Um vale revela
canyons, grutas:
em silêncio, exploramos o interior
destas montanhas: uma chuva fina, estranha,
começa a cair
e súbito dissipa —
O ruído áspero
de uma vespa. Este é o céu, claro, como metal. E aquilo,
A fumaça abandonada por um trem, talvez. Flores
Se dissolvem nos olhos, e nos debruçamos sobre velhas lendas
conferindo as pegadas de um animal desconhecido.
A trilha termina num riacho.
A água se surpreende com este vento todo
que vem do Oeste
e que agita a sinfonia das árvores.
Neblina nítida, colinas, um vapor neste espelho.
Num ponto qualquer da paisagem captamos
seus olhos verdes, mudos, fixos na relva úmida.
Um animal e você contemplam do mirante
este milagre
a baía vazia
— a areia do dia exibindo sua rasante —
rochedos & distâncias, como antes,
animada pelas danças do vento
fazendo desta ausência
presenças manifestas em tudo:
chuva
que desaba
entre os olhos
abertos
da serpente.
Um flash
de luz
entre os bambus
o silêncio do sonho
traduzindo
uma imagem-movimento
que se desfaz
entre a verdade dos instantes.
ERÓTICA DAS SOMBRAS
Lendo na contraluz que o tempo alucina
Nas rótulas de ondas que em amarelo artéria barbarizam
Enquanto a boca apressa, sibilina,
entre sons (devorados de sentidos). Içam
o mar vertiginoso e kanjis de nuvens
nos olhos cheios de deus, Sal.
No biombo das montanhas — rugem
No sfumatto mental da fala e do Caos.
Na textura sépia da superfície de sons
Uma face letal lateja e se transmuta
(Estátua de estrondos, trilha de acenos)
Muda e nos sorri. Escuta
os espelhismos cifrados da manhã,
Lábio, na pele da romã.
*
inimigo
espelho da face
ecoa
(inacabado)
cai em rubra cortina
—em
câmera
lenta —
dobras sobre colinas
atordoado argumento:
qual paisagem
é real?
A de Jade, pedra de flanco, ou a que é já?
Vôos reluzem (circulares) — é o azul que se desfolha
Entre jatos
Minaretes-araucárias imprimem em símbolos
inventam a fala na pele de Laylak.
A hora furiosa solta-se, inçada
de vegetais e estática.
Sombras vomitam a distância,
Mandala de espantos.
*
No centro, alguma agulha o olho —
Agharta: lágrima no céu laranja.
Plumas de carne escrevem
a tarde celofane.
Ouro ecoa.
Quando voa —
está dormindo.
No agora gótico das sombras
teu lábio (calêndula) modula (calcina)
o matiz da invisível voragem
de ondas gongas:
Tempo, tudo o que a íris invê
no sudário das dunas, na curva de um silêncio.
SOMOS PESSOAS ESTRANHAS
somos
pessoas
estranhas
nem sabemos
que sonhos
que somos
esses
olhos
poucos
essas
folhas
secas?
esqueçam
fiquem
calados
somos
estranhos
no entanto
esta noite
dormiremos
lado a lado
SEU CORPO É UMA PRAIA DESERTA
Seu corpo é uma praia deserta
onde uma música desperta
numa onda esperta e a deserda:
espumas a ferem como pétalas.
Desterra, em tradução infinita,
pérolas na orla do olhar, ilha
que ainda está por ser escrita.
NA PASSAGEM DOS CÉUS QUE FOGEM DE NÓS
Na imagem das coisas que retornam sem nós,
Na miragem dessa solidão, você aqui:
Na repetição das antigas sensações
Na fala a provocar o pensamento
Parecendo um passado que se dobra
Sobre esta polpa de presente:
Se a linguagem é nossa realidade
E coisas forem apenas palavras
Então nos restará apenas a veracidade -
Esse vácuo que nos acua ao avançar.
PENSAGEM
Têmporas do vazio,
acolham o resto
de gravidez dos segundos.
Unha e carne
Céu e árvore
O vento arme.
Cada gesto
de seda decifre
o Hades da ira
onde pesado levita.
Homem em transe
acue o nada
a noite exangue
em cada fala-cadafalso.
Trevas se atiram
da margem oposta
das minhas artérias -
imagem, matéria.
RITO
Alertas, trapaças, cobranças, compromissos:
Quantas ilhas sem edição, vidas sem viço,
A morte visita sem aviso?
E, afinal, pra que mesmo tudo isso?
O que deu nesse mundo, caduco,
O que ficou do tempo em que viver
Era mais que só mudar de assunto
Era rito, um estado de espírito?
Ou quando olhar era uma reza,
Pensar que revelava a leveza,
Música vindo de dentro
(Precisa de centro?)
Uma revolução do sentir nos fez ateus:
Quisemos então ver a face de Deus.
E você a meu lado, lembra
De quando bastava uma fagulha
Pra explodir uma Bastilha?
A LUME SPENTO
Colhe com seus olhos a fumaça que insinua
ao penetrar - sendo incenso e silêncio -
sua mente em meio ao tráfego intenso
da manhã, relumbre em suas mãos nuas.
Daqui das margens desse sonho
ideogramas de formas obscuras
reescrevem seus gestos num bazar estranho
sem saber ao certo o que procura:
Se meus olhos, opacos, entre bijuterias
baratas que você arremessou
(como quem dedilha um sol menor ou
a linha acesa de minhas artérias)
Mas sem querer você abre, de leve,
as persianas e invade uma sutil
reminiscência do que nunca existiu
(Ou, como seu rosto, foi tão breve).
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para Henry David Thoreau
Folhas negras caem, rufam em profusão. O vento encrespa a
Água, Tempo, enruga
faces. Um vale revela
canyons, grutas:
em silêncio, exploramos o interior
destas montanhas: uma chuva fina, estranha,
começa a cair
e súbito dissipa —
O ruído áspero
de uma vespa. Este é o céu, claro, como metal. E aquilo,
A fumaça abandonada por um trem, talvez. Flores
Se dissolvem nos olhos, e nos debruçamos sobre velhas lendas
conferindo as pegadas de um animal desconhecido.
A trilha termina num riacho.
A água se surpreende com este vento todo
que vem do Oeste
e que agita a sinfonia das árvores.
Neblina nítida, colinas, um vapor neste espelho.
Num ponto qualquer da paisagem captamos
seus olhos verdes, mudos, fixos na relva úmida.
Um animal e você contemplam do mirante
este milagre
a baía vazia
— a areia do dia exibindo sua rasante —
rochedos & distâncias, como antes,
animada pelas danças do vento
fazendo desta ausência
presenças manifestas em tudo:
chuva
que desaba
entre os olhos
abertos
da serpente.
Um flash
de luz
entre os bambus
o silêncio do sonho
traduzindo
uma imagem-movimento
que se desfaz
entre a verdade dos instantes.
ERÓTICA DAS SOMBRAS
Lendo na contraluz que o tempo alucina
Nas rótulas de ondas que em amarelo artéria barbarizam
Enquanto a boca apressa, sibilina,
entre sons (devorados de sentidos). Içam
o mar vertiginoso e kanjis de nuvens
nos olhos cheios de deus, Sal.
No biombo das montanhas — rugem
No sfumatto mental da fala e do Caos.
Na textura sépia da superfície de sons
Uma face letal lateja e se transmuta
(Estátua de estrondos, trilha de acenos)
Muda e nos sorri. Escuta
os espelhismos cifrados da manhã,
Lábio, na pele da romã.
*
inimigo
espelho da face
ecoa
(inacabado)
cai em rubra cortina
—em
câmera
lenta —
dobras sobre colinas
atordoado argumento:
qual paisagem
é real?
A de Jade, pedra de flanco, ou a que é já?
Vôos reluzem (circulares) — é o azul que se desfolha
Entre jatos
Minaretes-araucárias imprimem em símbolos
inventam a fala na pele de Laylak.
A hora furiosa solta-se, inçada
de vegetais e estática.
Sombras vomitam a distância,
Mandala de espantos.
*
No centro, alguma agulha o olho —
Agharta: lágrima no céu laranja.
Plumas de carne escrevem
a tarde celofane.
Ouro ecoa.
Quando voa —
está dormindo.
No agora gótico das sombras
teu lábio (calêndula) modula (calcina)
o matiz da invisível voragem
de ondas gongas:
Tempo, tudo o que a íris invê
no sudário das dunas, na curva de um silêncio.
SOMOS PESSOAS ESTRANHAS
somos
pessoas
estranhas
nem sabemos
que sonhos
que somos
esses
olhos
poucos
essas
folhas
secas?
esqueçam
fiquem
calados
somos
estranhos
no entanto
esta noite
dormiremos
lado a lado
SEU CORPO É UMA PRAIA DESERTA
Seu corpo é uma praia deserta
onde uma música desperta
numa onda esperta e a deserda:
espumas a ferem como pétalas.
Desterra, em tradução infinita,
pérolas na orla do olhar, ilha
que ainda está por ser escrita.
NA PASSAGEM DOS CÉUS QUE FOGEM DE NÓS
Na imagem das coisas que retornam sem nós,
Na miragem dessa solidão, você aqui:
Na repetição das antigas sensações
Na fala a provocar o pensamento
Parecendo um passado que se dobra
Sobre esta polpa de presente:
Se a linguagem é nossa realidade
E coisas forem apenas palavras
Então nos restará apenas a veracidade -
Esse vácuo que nos acua ao avançar.
PENSAGEM
Têmporas do vazio,
acolham o resto
de gravidez dos segundos.
Unha e carne
Céu e árvore
O vento arme.
Cada gesto
de seda decifre
o Hades da ira
onde pesado levita.
Homem em transe
acue o nada
a noite exangue
em cada fala-cadafalso.
Trevas se atiram
da margem oposta
das minhas artérias -
imagem, matéria.
RITO
Alertas, trapaças, cobranças, compromissos:
Quantas ilhas sem edição, vidas sem viço,
A morte visita sem aviso?
E, afinal, pra que mesmo tudo isso?
O que deu nesse mundo, caduco,
O que ficou do tempo em que viver
Era mais que só mudar de assunto
Era rito, um estado de espírito?
Ou quando olhar era uma reza,
Pensar que revelava a leveza,
Música vindo de dentro
(Precisa de centro?)
Uma revolução do sentir nos fez ateus:
Quisemos então ver a face de Deus.
E você a meu lado, lembra
De quando bastava uma fagulha
Pra explodir uma Bastilha?
A LUME SPENTO
Colhe com seus olhos a fumaça que insinua
ao penetrar - sendo incenso e silêncio -
sua mente em meio ao tráfego intenso
da manhã, relumbre em suas mãos nuas.
Daqui das margens desse sonho
ideogramas de formas obscuras
reescrevem seus gestos num bazar estranho
sem saber ao certo o que procura:
Se meus olhos, opacos, entre bijuterias
baratas que você arremessou
(como quem dedilha um sol menor ou
a linha acesa de minhas artérias)
Mas sem querer você abre, de leve,
as persianas e invade uma sutil
reminiscência do que nunca existiu
(Ou, como seu rosto, foi tão breve).
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Fonte:
NA VIRADA DO SÉCULO: poesia de invenção no Brasil ( organização de Claudio Daniel e Frederico Barbosa). São Paulo: Landy, 2002.
http://www.antoniomiranda.com.br
NA VIRADA DO SÉCULO: poesia de invenção no Brasil ( organização de Claudio Daniel e Frederico Barbosa). São Paulo: Landy, 2002.
http://www.antoniomiranda.com.br
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