terça-feira, 29 de setembro de 2009

Paulo Monteiro (A Trova no Espiríto Santo)

Guarapari - ES
ANTIGÜIDADE DA TROVA NO ESPÍRITO SANTO

Para alguns, a prática da trova no Espírito Santo inicia-se com o padre José de Anchieta (1534/1597). De alguns poemas do "Apóstolo do Brasil” podem ser derivadas trovas, embora, ao que se saiba, não tenha sido um trovador no sentido moderno da palavra, ao menos de várias trovas. Dele, inclusive, conhecemos uma trova em tupi:
"Sarauájamo oroikó
Kaápe orojemoñánga
Orojú nde mornóranga
Oré aíba reropó."
A tradução desta trova é: "Vivemos como selvagens, somos filhos da floresta, viemos saudar-te, renunciamos aos vícios”.

Note-se que a rima é do tipo ABBA, não aceita pela maioria dos trovadores contemporâneos. Sabemos que a trova tem todo um passado ligado à imprensa, especialmente de maneira satírica, o famoso epigrama, como se dizia.

A imprensa no Espírito Santo é senhora de um passado glorioso. Assim, muitas trovas devem ter sido famosas, repousando nas coleções dos velhos jornais capixabas.

ANTES DO CLUBE DOS TROVADORES CAPIXABAS

Mais recentemente poderíamos citar a publicação do CANCIONEIRO CAPIXABA DE TROVAS POPULARES, em 1949, onde Guilherme dos Santos Neves reuniu trovas colhidas diretamente do povo, em pesquisas por ele realizadas, e de duas pequenas coletâneas anteriores: uma de Afonso Cláudio, em 1923, e outra de uma colaboradora anônima de "A Província do Espírito Santo”, em 1889.

O livro do Guilherme dos Santos Neves é uma coletânea de 1000 trovas populares, isto é, recolhidas do folclore.

O primeiro livro contendo exclusivamente trovas literárias, ou seja, de autor conhecido, foi publicado por Solimar de Oliveira, em 1957.

A obra, um volume do 9cmX12cm, com 40 páginas, chama-se SANGRANDO LÁGRIMAS... São 95 trovas de Solimar e uma tradução de autor cujo nome não é revelado.

O convívio de Solimar com a trova, porém, vinha do longe.

É ele que nos conta da exposição do fotografias das principais paisagens de Vitória, organizada pelo fotógrafo Paes, com uma série de trovas, de que tomaram parte intelectuais especialmente convidados por aquele artista.

Isso foi em 1935 e Solimar lembra dos seguintes nomes: Ciro Vieira da Cunha, Almeida Cousin, Alvimar Silva, Nilo Aparecida Pinto, Solimar de Oliveira, João Bastos, Teixeira Leite, Jair Amorim, entre outros.

Solimar faz questão de lembrar o nome de Manoel Teixeira Leite, notável poeta, jornalista e trovador, já falecido.

Outra empreitada trovista de Solimar, agora junto com seu irmão Heralto de Oliveira, falecido, foi a organização de uma antologia do trovadores de Cachoeiro de Itapemirim, Iá por 1942/1943.

Essa coIetânea não chegou a ser publicada e os originais acabaram definitivamente perdidos.
Alguma coisa desse livro foi, contudo, divulgada mais tarde por Heralto, sob o pseudônimo de Vilamor.

Em 1950 Solimar passou a corresponder-se com Luiz Otávio e colaborou efetivamente com o futuro autor de MEUS IRMÃOS, OS TROVADORES.

A fundação do Grêmio Brasileiro do Trovadores (GBT), em 8 do janeiro de 1958, é um dado importante na história do Trovismo.

O GBT foi a primeira entidade nacional de trovadores, se bem que por trovador entendesse, ainda, os poetas de cordel e os repentistas e congregasse violeiros numa verdadeira arca do Noé, com bichos do todo pelo.

O GBT fez-se presente no Espírito Santo, basicamente, através de três trovadores: Evandro Moreira, Paulo Freitas e o experimentado Solimar de Oliveira.

Quando os trovadores (da quadra), em 20 de agosto de 1966, rompendo com a estrutura quase folclórica do Grêmio Brasileiro de Trovadores, fundaram a União Brasileira de Trovadores (UBT) os representantes da antiga entidade no Espírito Santo, passaram para a nova casa de trovadores.

Em 1967 são realizados dois jogos florais: um em Alegre e outro em Cachoeiro de Itapemirim.

Depois disso, a prática da trova no Espírito Santo restringiu-se às atividades isoladas de uns poucos abnegados, até que se fez alguma coisa pelo Trovismo, pelos fins dos anos sessentas e inícios da década iniciada em 1970.

Que fale, pois, o professor José Augusto Carvalho, ex-delegado municipal da UBT e organizador da UBT de Vitória:

Trabalhei, realmente, pelo Trovismo em Vitória, em meados da década de 60, entre, talvez 1966 e 1968, e cheguei a manter uma coluna semanal no jornal A GAZETA, de Vitória, informando sobre trovas e angariando simpatizantes do movimento, graças ao incentivo maior de Joubert do Araújo Silva e Hilário Soneghet, este já falecido e exímio sonetista. Mas, assim que foi fundada a seção capixaba da UBT, como a diretoria eleita era toda de Vila Velha, cidade vizinha 12km da capital, o movimento se transferiu para lá e, em 1980, se tornou no Clube dos Trovadores Capixabas (...)“.

Foi essa seção da UBT de Vila Velha que, em 1971, organizou um concurso de trovas sobre PELÉ.

Depois disso as coisas silenciaram-se. Até 1980, felizmente.

CONCURSOS E FLORAIS

ALEGRE

Em 1967 foram realizados os I JOGOS FLORAIS DE ALEGRE, graças ao trabalho intenso de um jovem e abnegado poeta: EVANDRO MOREIRA.

Mobilizando a comunidade alegrense e contando com o patrocínio da Prefeitura Municipal de Alegre, então administrada pelo prefeito Antonio Lemes Júnior, Evandro pode levar a bom termo aquele importante evento cultural.

Dois eram os temas: ALEGRIA e FRATERNIDADE. Não havia delimitação de gêneros (humorismo, lirismo, etc.).

No primeiro tema foram premiadas as seguintes trovas:
.
1º lugar - DURVAL MENDONÇA:
Brilha o rosto de Maria
na gruta pobre de Iuz
ante a suprema alegria
de ser a mãe de Jesus.

2º lugar - JOUBERT DE ARAÚJO SILVA:
Retrata a imagem da vida
a moenda rude e inclemente:
- Chora a cana, ao ser moída...
- range a moenda, contente!

3º lugar - SOLIMAR DE OLIVEIRA:
Nesta existência a alegria,
experimenta e verás!
Está na doce poesia
de todo bem que se faz...

4º lugar - FERRER LOPES:
Alegria... ó alegria!...
afinal, quem é que a tem?
- Tendo a barriga vazia,
nem tu, nem eu, nem ninguém.

5º lugar - JOSÉ VALERIANO RODRIGUES:
Minha alegria não passa
de uma risada bem cheia,
que fica logo sem graça
se a dentadura bambeia.

6º lugar - JOSÉ MORCEF CAMPOS:
Alegria, algo fremente
Que se não pode ocultar;
ou grita no riso quente,
ou brilha na luz do olhar.

7º lugar - MARIA DE LOURDES SANTOS:
Alegria é corno as águas
de um remanso cismador
que passam levando as mágoas
dos que padecem do amor...

8º lugar - CIRO VIEIRA DA CUNHA:
Do teu amor (quem diria?)
que só três meses durou,
resta a saudade - alegria
da tristeza que ficou...

9º lugar - SANTIAGO VASQUES FILHO
Alegria do operário
dura pouco, é reduzida:
- a lei que aumenta o salário
dispara o custo de vida.

10º lugar - SEBASTIÃO NORONHA:
Por mais que sofra, na luta
em que se esforça e porfia,
quem cumpre o dever desfruta
a verdadeira alegria.
No tema FRATERNIDADE, classificaram-se as seguintes trovas:
.
1º lugar - MARIO MORCEF CAMPOS:
Ama! Até sentir, então,
batendo no peito imerso,
o coração do universo
no teu próprio coração.

2º lugar - JOUBERT DE ARAÚJO SILVA:
Segue, filho este caminho
se queres ser bom cristão:
- Bebe menos do teu vinho,
- reparte mais o teu pão.

3º lugar - HERALDO LISBOA:
Fraternidade... quem dera
fosse outro o barro da gente,
pois se semente não gera
não cabe culpa à semente.

4º lugar - SOLIMAR DE OLIVEIRA:
Fui leal. Ouvi parolas.
Fui fraterno. Amigo. Irmão.
E hoje quase peço esmolas
depois de ter dado pão.

5º Iugar - LILINHA FERNANDES:
Fraternidade ultrajada
ainda mais se santifica.
Se a árvore boa é podada,
com mais vigor frutifica.

6º lugar - ATHAYR CAGNIN:
Indiferente à maldade,
vou traçando de alma ungida,
o giz da fraternidade
no quadro negro da vida...

7º lugar - DURVAL MENDONÇA:
Vive louca a humanidade
sempre em termos de agressão:
- invoca a Fraternidade
com a baioneta na mão.

8º lugar - MARIA HELENA:
Dá um riso aberto em dia
Se o pobre te estende a mão:
- Que às vezes uma alegria
É mais pão que o próprio pão.

9º lugar - SOLIMAR DE OLIVEIRA:
Neste exemplo se descobre
a Fraternidade, irmão:
- um pobre com outro pobre
dividindo o próprio pão.

10º lugar - NORDESTINO FILHO:
Fraternidade, meu bem,
só se diz Fraternidade
quando, aIém da caridade,
não se faz mal a ninguém.
.
CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM

Cachoeiro de Itapemirim é uma terra de bons poetas. Poucas cidades do interior brasileiro poderão orgulhar-se de, ao longo de sua história, apresentar tantos e tão bons poetas, quanto a terra de Rubem Braga.

Ali, entre 1966 e 1967, foram realizados Os I JOGOS FLORAIS DE CACHOEIRO, organizados pela Academia Cachoeirense de Letras, “sob os auspícios da Municipalidade, por isso decorrentes da Lei Municipal nº 054, de 16 de maio de 1966”.

Tudo isso sob o comando do incansável Solimar de Oliveira, então presidente da ACL.

Esses jogos constaram de cinco prêmios ou concursos diferentes, a saber:
Prêmio Benjamim Silva”- Trovas - 657
“Prêmio Newton Braga” - Poemas - 526
“Prêmio Rubem Braga” - Crônicas - 65
"Prêmio ClaudionorRibeiro”-Contos- 52
"Prêmio Bernardo Horta” - História - 2
TOTAL 1303

Finalmente, para alegria dos organizadores, após vasto programa, no dia 7 de setembro de 1967, foram entregues os prêmios aos vencedores.

Nunca o Espírito Santo tivera uma promoção cultural tão vasta e expressiva, tais foram as atividades constantes do programa e cumpridas britanicamente.

Estas foram as trovas vencedoras:
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1º lugar - COLBERT RANGEL COELHO:
Noivado no mundo inteiro
Foi sempre assim entre os dois:
O noivo espera primeiro,
A noiva espera depois.

2º lugar - MANUELA ABRANTES:
Eu vejo no teu vestido,
mulher esbelta e risonha,
tanta falta de tecido
com falta de vergonha.

3º lugar - COLBERT RANGEL COELHO:
Eu não sei se o sol desponta
Ou se ainda é madrugada...
Quando estou por tua conta
Não dou conta de mais nada.

4º lugar - CARLOS MANUEL DE A. S. ABRANTES:
Amor, embora sensato,
Sem dinheiro, desconsola...
É como usar bom sapato,
De polimento, sem sola!

5º lugar - PAULO EMÍLIO PINTO:
Que luta quando eu a vejo
tão sedutora e inocente!
Já viu respeito e desejo
brigando dentro da gente?

6º lugar - HÉLlO C. TEIXEIRA:
Alma, que sonhas na altura,
vendo a beleza dos astros,
tornas maior a tortura,
de andar na terra de rastros!

7º lugar - COLBERT RANGEL COELHO:
Quando a gente perde o tino,
Como perdi de repente,
Uma mulher sem destino
Faz o destino da gente.

8º lugar - APARÍCIO FERNANDES:
Neste exemplo se presume
um prêmio às almas formosas:
Fica sempre algum perfume
nas mãos que oferecem rosas.

9º lugar - CARLOS MANUEL DE A. S. ABRANTES:
Na vida, constantemente,
a mulher se contradiz,
às vezes diz o que sente,
mas nunca sente o que diz.

10º lugar - DAVID DE ARAÚJO:
Bendito de quem consome
da vida os anos a fio,
dando pão a quem tem fome
e agasalho a quem tem frio.
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continua...
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