A grande avenida, que cruzava a cidade, afunilava-se até se tornar uma singela travessa de paralelepípedos. Quem não conhecesse bem aquele lugar nem diria que aquela abandonada rua estava integrava de qualquer forma a movimentada avenida principal. Naquela manhã em particular, a tal travessa parecia ainda mais deslocada do resto de sua estrutura. Enquanto na parte grande e agitada os primeiros raios de sol já ardiam no asfalto, a pequena e isolada parte experimentava apenas pequenas fagulhas do sol que preguiçosamente se levantava no horizonte.
Um antigo casarão na esquina delimitava o ponto em que a até então imponente avenida transformava-se em ingênua travessa. O exato marco dessa mudança era observável pela abrupta interrupção do asfalto. A maneira como este terminava fazia parecer que os operários responsáveis cansaram-se nesse ponto e desistiram de continuar o serviço, deixando, assim, os últimos paralelepípedos da cidade em desconexão com o presente. Estagnados no tempo é como eles estavam. E acompanhando essa imutabilidade encontravam-se as outras poucas construções da rua.
O casarão da esquina destacava-se das outras construções por ser a maior delas. Nos anos de sua glória, deveria ter sido deveras atraente. Mas agora ele não ostentava mais nenhum charme. Aliás, estava repugnante com seu ar amargo. As suas portas e janelas estavam escancaradas mostrando um interior cheio de nada. As paredes que outrora deveriam ter exibido fotografias de família, hoje se envergonhavam diante dos buracos feitos pelas dezenas de ratazanas que habitavam o local.
Na calçada, em frente ao casebre, o único poste de luz da rua ainda mantinha-se de pé, mesmo que já estivesse entortando para direita. Nele estava fixada uma enferrujada placa amarela com os dizeres: “RUA SEM SAÍDA”. As grandes letras garrafais eram pretas e davam um certo ar de autoridade não encontrado em nenhum outro recanto dessa esquecida parte da cidade.
Chegando ao fim dos irregulares paralelepípedos havia um parque, tão esquecido quanto o resto. Talvez mais. As árvores que ali descansavam eram altas e rebeldes. Seus galhos competiam por um espaço que não lhes era dado. Afinal, ninguém mais recordava de sua existência. Um extenso tapete de folhas secas constituía o piso do parque. O vento encontrava uma maneira de esgueirar-se por entre as árvores e dançava pelo estreito espaço que havia entre uma planta e outra. Os seus movimentos rápidos e alegres por fim faziam com que as folhas no chão se levantassem pesadamente para acompanhá-lo.
Um único som rompia a melodia tecida pela inebriante dança do vento: eram pesadas passadas que faziam as folhas estalarem sob aqueles misteriosos pés.
O labirinto de árvores que constituía o parque abria-se em um círculo para dar lugar a uma inútil fonte. Ela era cinzenta e suja. No seu centro, um golfinho desgastado pelo tempo posava tristemente em uma posição aparentemente desconfortável. De sua boca, não esguichava mais nenhuma gota d’água. A fonte, contudo, tinha ainda alguma água. O que se encontrava ali era o acúmulo das chuvas de verão. Boiando nessa água turva estavam algumas folhas e alguns insetos mortos. No fundo da fonte, escondido pelos entulhos, estava um chaveiro com duas chaves. O chaveiro era um ursinho marrom qualquer. As chaves, por sua vez, eram de um metal barato. Uma delas assemelhava-se a uma chave de carro enquanto a outra deveria ser de uma porta.
Ao lado da fonte, uma pequena bolsa feminina descansava junto ao chão. Parecia ter caído, uma vez que seu conteúdo espalhava-se ao seu redor. Uma entrada de cinema para a última sessão de quarta-feira era a única coisa que não havia caído. A bolsa parecia ser de couro legítimo, mas olhos atentos perceberiam tratar-se de uma bela imitação. O forro já estava rasgado e era possível notar os efeitos do uso na sua aparência externa. Uma carteira vazia, também de couro falso, estava a alguns centímetros da bolsa.
O único banco da praça encontrava-se na frente da fonte. Seu assento era duro. Uma das pernas estava mais curta, tornando-o bambo. A madeira desgastada pelo sol e pela chuva estava já áspera e velha. Ao lado desse banco, diversas baganas de cigarros amontoavam-se, algumas tinham uma discreta marca de batom. Uma garrafa vazia de vinho tentava equilibrar-se do desnivelado banco.
Mais adiante, aconchegado, no meio das folhas, um celular desligava-se sem bateria.
––––––––––-
Gabriella Colombo Machado nasceu em Porto Alegre (RS). É estudante de Comunicação Social e aspirante a escritora. Apesar dos diversos trabalhos na gaveta, nunca teve nenhum deles publicado.
Fonte:
Projeto Releituras (site desenvolvido por Arnaldo Nogueira Junior)
Biografias, contos, poesias. Todos os meses, novidades e novos escritores.
Um antigo casarão na esquina delimitava o ponto em que a até então imponente avenida transformava-se em ingênua travessa. O exato marco dessa mudança era observável pela abrupta interrupção do asfalto. A maneira como este terminava fazia parecer que os operários responsáveis cansaram-se nesse ponto e desistiram de continuar o serviço, deixando, assim, os últimos paralelepípedos da cidade em desconexão com o presente. Estagnados no tempo é como eles estavam. E acompanhando essa imutabilidade encontravam-se as outras poucas construções da rua.
O casarão da esquina destacava-se das outras construções por ser a maior delas. Nos anos de sua glória, deveria ter sido deveras atraente. Mas agora ele não ostentava mais nenhum charme. Aliás, estava repugnante com seu ar amargo. As suas portas e janelas estavam escancaradas mostrando um interior cheio de nada. As paredes que outrora deveriam ter exibido fotografias de família, hoje se envergonhavam diante dos buracos feitos pelas dezenas de ratazanas que habitavam o local.
Na calçada, em frente ao casebre, o único poste de luz da rua ainda mantinha-se de pé, mesmo que já estivesse entortando para direita. Nele estava fixada uma enferrujada placa amarela com os dizeres: “RUA SEM SAÍDA”. As grandes letras garrafais eram pretas e davam um certo ar de autoridade não encontrado em nenhum outro recanto dessa esquecida parte da cidade.
Chegando ao fim dos irregulares paralelepípedos havia um parque, tão esquecido quanto o resto. Talvez mais. As árvores que ali descansavam eram altas e rebeldes. Seus galhos competiam por um espaço que não lhes era dado. Afinal, ninguém mais recordava de sua existência. Um extenso tapete de folhas secas constituía o piso do parque. O vento encontrava uma maneira de esgueirar-se por entre as árvores e dançava pelo estreito espaço que havia entre uma planta e outra. Os seus movimentos rápidos e alegres por fim faziam com que as folhas no chão se levantassem pesadamente para acompanhá-lo.
Um único som rompia a melodia tecida pela inebriante dança do vento: eram pesadas passadas que faziam as folhas estalarem sob aqueles misteriosos pés.
O labirinto de árvores que constituía o parque abria-se em um círculo para dar lugar a uma inútil fonte. Ela era cinzenta e suja. No seu centro, um golfinho desgastado pelo tempo posava tristemente em uma posição aparentemente desconfortável. De sua boca, não esguichava mais nenhuma gota d’água. A fonte, contudo, tinha ainda alguma água. O que se encontrava ali era o acúmulo das chuvas de verão. Boiando nessa água turva estavam algumas folhas e alguns insetos mortos. No fundo da fonte, escondido pelos entulhos, estava um chaveiro com duas chaves. O chaveiro era um ursinho marrom qualquer. As chaves, por sua vez, eram de um metal barato. Uma delas assemelhava-se a uma chave de carro enquanto a outra deveria ser de uma porta.
Ao lado da fonte, uma pequena bolsa feminina descansava junto ao chão. Parecia ter caído, uma vez que seu conteúdo espalhava-se ao seu redor. Uma entrada de cinema para a última sessão de quarta-feira era a única coisa que não havia caído. A bolsa parecia ser de couro legítimo, mas olhos atentos perceberiam tratar-se de uma bela imitação. O forro já estava rasgado e era possível notar os efeitos do uso na sua aparência externa. Uma carteira vazia, também de couro falso, estava a alguns centímetros da bolsa.
O único banco da praça encontrava-se na frente da fonte. Seu assento era duro. Uma das pernas estava mais curta, tornando-o bambo. A madeira desgastada pelo sol e pela chuva estava já áspera e velha. Ao lado desse banco, diversas baganas de cigarros amontoavam-se, algumas tinham uma discreta marca de batom. Uma garrafa vazia de vinho tentava equilibrar-se do desnivelado banco.
Mais adiante, aconchegado, no meio das folhas, um celular desligava-se sem bateria.
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Gabriella Colombo Machado nasceu em Porto Alegre (RS). É estudante de Comunicação Social e aspirante a escritora. Apesar dos diversos trabalhos na gaveta, nunca teve nenhum deles publicado.
Fonte:
Projeto Releituras (site desenvolvido por Arnaldo Nogueira Junior)
Biografias, contos, poesias. Todos os meses, novidades e novos escritores.
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