quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

Domingos Freire Cardoso (Poemas Escolhidos) IX

Obs do blog: O primeiro verso e título de cada poema é do poeta colocado abaixo do título, com a página e livro onde se encontra.


À JANELA DO MEU QUARTO DE ALFAZEMA

(Augusto Nunes in "Os Espelhos da Água", p. 16)


À janela do meu quarto de alfazema
Vem a lua, de leve e a sorrir
Indagar se eu estou mesmo a dormir
Ou se namoro ainda o meu poema.

E vendo que eu hesito no fonema
Que a voz do coração há de exprimir
Um raio de luar vem redigir
A frase que me solta do dilema.

De miradouro faz esta janela
E em muitas noites saio através dela
Levado por estrelas e miragens.

E quando me levanto, de manhã
Sinto que a alma está mais pura e sã
Depois de eu regressar dessas viagens.
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O SILÊNCIO TEM A VOZ DUMA SAUDADE

(Cacilda Celso in "Mar Mítico / Mer Mythique", p. 27)


O silêncio tem a voz d’uma saudade
Não bate à porta e entra sem licença
Impondo a sua incômoda presença
E em casa os cantos todos ele invade.

Senta-se à mesa sem urbanidade
Mal entra pousa em tudo, sem detença
Alastra e tudo infecta, qual doença
Que venha só mostrar sua maldade.

Que se vá embora, eu tanto lhe imploro
E que me deixe em paz, eu quase choro
Temendo o que ele quer e, ao menos, fale!

Mas arrogante, mau e prepotente
Aos meus queixumes sempre indiferente
É ele que me exige que eu me cale!
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PRISIONEIRO EM PRISÃO DE PORTA ABERTA

(Augusto Nunes in "Os Espelhos da Água", p. 82)

Prisioneiro em prisão de porta aberta
Nas grades dos teus olhos cumpro a pena
A que este amor tão cego me condena
Mas que faz a minha alma tão liberta.

O mal de que te queixas é uma oferta
E eu dou-te a minha vida tão pequena
Em troca dos teus olhos de açucena
Onde a luz deste mundo se acoberta.

Mas impugno a sentença do juiz
E o que nos autos diz a acusação
E que num pobre réu me transformou

Pois nunca fui na vida tão feliz
E se aqui foi roubado um coração
É o meu!... e foste tu quem m’o roubou!
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UM RIO QUE BUSCANDO UM MAR ME DÓI

(Augusto Nunes in "Os Espelhos da Água", p. 87)


Um rio que buscando um mar me dói
Brota destes meus olhos tão magoados
Por tantos sonhos mortos e enterrados
No meu peito que a dor esmaga e mói.

O futuro almejado se destrói
Pelo nefasto e negro fel dos fados
Que os seus voos lhe traz tão amarrados
À humana pequenez que sempre os rói.

Fosse outra a sorte e a obra outra seria
Do tamanho e da cor de uma utopia
Talhada num perfume de mulher.

Fruto de tantos súbitos acasos
Se os meus olhos eu trago de água rasos
É porque o meu destino assim o quer.
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VIVIAM-SE MUITOS ANOS NUM SÓ DIA

(Alberto Pereira in "Textos de Amor", p. 21)


Viviam-se muitos anos num só dia
Quando esse teu sorriso em mim entrava
E aos teus beijos, inteiro, eu me entregava
Isento da noção do que ocorria.

O carinho encurtava a travessia
Do terno abraço ao fogo que avançava
Numa fogueira ardente que gastava
Os corpos que a paixão enlouquecia.

Como tochas ardendo em noite escura
Libertos do pudor e da censura
Lembramos dois faróis rasgando as trevas.

Somos partes de um todo indivisível
Mas tu roubas de mim o impossível
E a minha alma, em ti viva, tu a levas.

Fonte:
Enviado pelo poeta. Disponível em Domingos Freire Cardoso. Por entre poetas. Ilhavo/Portugal, 2016.

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