Bermudes era um bom pai de família, mas não sabia dar educação conveniente a seus filhos. Um pouco fraco, deixava que eles fizessem tudo quanto desejassem, e o resultado foi que, dos três únicos filhos que tinha – João, Manuel e José – os dois primeiros eram malcriados, insolentes, e o terceiro de gênio um pouco vivo demais.
Um dia o pai repreendeu-os, e João e Manuel zangaram-se e fugiram de casa, sem dizer para onde. Bermudes ficou muito aflito, e mandou que José, o caçula, fosse procurá-los.
O rapaz saiu de casa para cumprir a ordem paterna, e começou a viajar. Ao cabo de três dias de fatigante jornada, em meio de campos, vales, montes e florestas, foi ter à choupana de um velhinha, chamada Miriam. Era uma velha amável, bondosa e caridosa, que o hospedou com todo o carinho, dividindo com ele a sua ceia.
Acabando a ceia, puseram-se a conversar:
– Que vieste fazer por estes lugares, meu netinho? disse Miriam, que era a Virgem Maria disfarçada em velha.
– Minha avozinha, respondeu ele, ando à procura de meus dois irmãos mais velhos, que fugiram da companhia de meu pai, e ele quer que eu os leve para casa.
– Pois dorme, meu filho, que eu te ensinarei onde estão eles.
***
No outro dia a velhinha, depois de lhe dar um bom almoço, disse-lhe que fosse ao Reino das Três Pombas, onde encontraria os dois irmãos, porque havia ali uma grande festa na qual tomariam parte todos os jovens do país, devendo casar-se com a filha do rei, o que melhor se sobressaísse.
– Leva, disse Nossa Senhora, esta vara e esta esponja, mas toma cuidado que ninguém as veja, porque teus irmãos hão de te caluniar, dizendo ao rei que te gabas de ser capaz de ir ao fundo do mar quebrar a pedra que lá existe e desencantar as três princesas, filhas do rei, que uma fada perversa encarcerara. O rei há de mandar chamar-te, e tu deves sustentar que sim. Vai, então, à beira do mar, e joga a esponja, que boiará. Deverás acompanhá-la por onde ela seguir. Mas não percas a varinha, e com ela bate na pedra que se partirá ao meio. Não te assustes com a serpente que te aparecer: toca com a varinha nela, que adormecerá no mesmo instante. Entra na pedra, e tira de dentro uma caixa; dá-lhe uma pancada, que se abrirá imediatamente. Dentro dela está um ovo, que tem três gemas; parte esse ovo, e dá a clara para a serpente beber. Verás o resto.
José agradeceu muito a Miriam o benefício que lhe fazia, e seguiu viagem para o reino onde estavam os seus dois irmãos.
Ali chegando, viu a grande festa que se estava celebrando. Achando-o mal vestido, os irmãos, fingiram que não o conheciam, e trataram de intrigá-lo, dizendo ao rei que ele se gabava de ser capaz de desencantar as princesas.
O rei mandou chamá-lo, e perguntou se era verdade o que diziam dele.
– Saberá Vossa Majestade que não disse tal coisa. Mas se o rei meu senhor ordenar, estou pronto para cumprir as suas ordens.
Todos ficaram admirados, e duvidaram do que dizia o mocinho. No outro dia apresentou-se ele no palácio para seguir para a expedição, e o rei mandou pôr cem navios à sua disposição, dizendo que, se trouxesse as princesas, casaria com a que escolhesse, ou com a mais moça, à única que existia, por não ser nascida, quando a fada má enfeitiçou as três mais velhas; e se voltasse só, seria enforcado no mesmo dia.
José dispensou os navios, preferindo ir a nado, com a certeza de que voltaria com as jovens.
Toda a gente julgou impossível ir um homem nadando até a pedra, que sabiam ficar no meio do oceano, e, em vista disso, mais duvidaram do bom resultado da empresa. No entanto José foi: e assim que chegou à praia, atirou ao mar a esponja, e acompanhou-a até a pedra. Bateu com a varinha, e ela se abriu por encanto. Entrou, e viu a serpente, em quem deu também uma pancada, adormecendo-a imediatamente.
No interior da pedra encontrou a caixa, em que também deu, abrindo-se ela no mesmo instante. Tirou de dentro o ovo, partiu a casca, deu a clara à serpente, saindo então as três princesas, que estavam no ventre do monstro.
Chegando José ao palácio do rei, justamente com as três donzelas, todo o mundo admirou sua coragem.
João e Manuel, seus irmãos, invejosos por vê-lo tão felicitado, não ficaram satisfeitos, e foram dizer ao rei que ele dissera ser capaz de trazer a serpente viva, do fundo do mar. O rei, que não estava disposto a casar a filha com José, ordenou-lhe que fosse buscar o bicho, sob pena de morte.
José procedeu como da primeira vez, e trouxe a serpente.
Então, para caçoar com as pessoas que duvidavam dele, tocou com a varinha em todos, a começar pelo rei, e os fez adormecer. Mandou, depois, agarrar seus dois irmãos e levá-los a seu pai.
O rei, quando acordou, consentiu que se casasse com a mais bonita das princesas, e ele sabendo disso, tocou com a vara novamente em todas as pessoas presentes, que dormiram outra vez até que chegassem seu pai e irmãos, para assistirem ao casamento.
José viveu feliz e benquisto até o fim de seus dias; e, como não era mau, quando subiu ao trono por morte do rei seu sogro, casou Manuel e João com duas de suas cunhadas. Os rapazes mudaram de gênio, corrigiram-se, tornaram-se bons, e foram sempre considerados.
Fonte:
Alberto Figueiredo Pimentel. Histórias da Avozinha. Publicado em 1896. Disponível
Alberto Figueiredo Pimentel. Histórias da Avozinha. Publicado em 1896. Disponível
em Domínio Público
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