Apesar
de ser uma pessoa pacata, infelizmente o seu nome provocava alguns
desentendimentos para quem não tinha conhecimento do riscado. No
consultório médico:
– Dona Rosinha, cadê seu Epitáfio?
E dona Rosinha, uma senhora de idade razoavelmente avançada, apavorada:
– Doutor? Eu estou tão ruim assim? Meu Deus!!!!
– Calma, dona Rosinha. Por que esse apavoramento todo?
– O se…se…senhor está já pedindo meu epitáfio!
–
Calma, dona Rosinha. Não é o seu epitáfio, é este senhor que está aí no
consultório, ele se chama Epitáfio Epaminondas. Por favor, quando se
recobrar, peça para ele entrar.
E, por aí se vai... imagine, meu
caro leitor, no escritório de advocacia, nos velórios e enterros, sempre
que confusão era formada! Epitáfio… Epitáfio… quem seria o infeliz que
foi dar um nome desses a alguém? No mínimo, devia trabalhar como coveiro
em algum cemitério!
Mas estou me desviando do verdadeiro
objetivo destas “mal-traçadas linhas”. Epitáfio ficava parte do tempo,
quando estava em casa, olhando pela janela. E quando alguém chegava para
visitá-lo, geralmente com os bofes de fora, quase fazendo mesmo seu
epitáfio, após subir oito lances de escada de uns quinze degraus cada (o
elevador já havia ido pro beleléu fazia tempo e, do jeito que os preços
iam pela morte, não tinham como pagar o conserto) pois bem, sempre que
lá chegavam os amigos, encontravam-no à janela e murmurando: “Aquele é
meu carrinho. Aquele é meu carrinho.” E soltava um longo suspiro.
No outro lado da rua, meio encoberto por algumas árvores, viam um carro vermelho, uma Ferrari. E Epitáfio apontava para ela.
Era
assim, toda vez que alguém aparecia para vê-lo. Epitáfio era viúvo, sem
filhos. E a paixão dele era aquele carrinho. Para os que o conheciam,
era difícil concatenar: como um “office-velho”, que ganhava um salário
mínimo - se muito - e mais um salário da aposentadoria, morando num
apartamento “de cobertura” podia ter uma Ferrari, que custava quase 1
milhão de dólares? Então, claro, tudo isso levava a aventarem as mais
loucas elocubrações sobre seu poder aquisitivo: desde heranças, assalto
já prescrito em que ele ficara com o dinheiro, até recolher os valores
dos mortos no cemitério.
Enfim, era algo que deixava o povo com a
“pulga atrás da orelha”. Devia ter dinheiro embaixo do colchão, ou
conta nas Ilhas Cayman.
Passavam-se os dias, meses e seu Epitáfio dizia: “Aquele é meu carrinho. Aquele é meu carrinho”.
Um
dia, uma fatalidade ocorreu: uma tempestade violenta se deu naquele
vilarejo, as árvores velhas vergavam diante da força dos ventos que
assolavam implacavelmente a terra. Uma árvore inteira se partiu e caiu
sobre a Ferrari, destroçando-a.
A paixão de Epitáfio estava
destruída. Simplesmente ele deveria estar arrasado. Os amigos resolveram
se reunir para visitá-lo, para tentar animá-lo. E lá se foi um bando de
gente, parecia até um arrastão, subindo a escadaria. Alguns pararam no
meio do caminho para recuperar o fôlego e sentir novamente as pernas,
que já estavam falhando; outros chegaram ao apartamento de Epitáfio mais
mortos que vivos. Mas todos finalmente conseguiram adentrar o
apartamento.
Epitáfio brincava com seus cachorros, jogando uma
bolinha: – “Bolinha! Bolinha!”- e jogava para os cachorros que,
preguiçosos, só olhavam a bolinha rolar pela sala.
Ao ver aquele
“mundaréu” de gente entrando em sua casa, preparou-se para alguma
notícia ruim. Alguém do seu rol de amizades deveria ter morrido. Afinal,
muitos estavam apenas esperando a laçada, pois conforme ele, Jesus já
os estava chamando, mas já estavam surdos, por isso não iam. Só laçando,
mesmo.
Epitáfio logo interpelou:
– Que aconteceu? Quem morreu?
Um dos amigos se prontificou em lhe dar os detalhes:
– Meu amigo, sinto muito pelo ocorrido.
– Pelo o quê? Não estou sabendo de nada. Desembucha logo, homem de Deus!
– Seja forte. É melhor se sentar. Estamos aqui para lhe dar a maior força.
– Já está me assustando. O que foi??????
– Sentimos muito pela sua paixão.
– A Valéria? Meu Deus! A Valéria não! Que aconteceu?
– Quem é Valéria?
Nesta
altura do campeonato, antes que levasse um cartão vermelho, Epitáfio se
tocou que eles não sabiam de sua paixão secreta pela antiga colega de
escola. E, rapidinho, tentou desconversar:
– Valéria é uma conhecida da internet.
– Pois é, caiu uma árvore sobre ela…
– A Valéria? – se assustou Epitáfio.
– Afinal, quem é Valéria?
A
coisa estava ficando cada vez mais enrolada e não se chegava à parte
alguma. Daí Epitáfio tomou fôlego e perguntou, apreensivo:
– A árvore caiu em quem?
– Ora, homem! Sobre seu carro.
– Que carro? Não tenho carro!
– Aquela Ferrari vermelha que ficava estacionada aí embaixo.
– Não é minha!
Daí que a multidão de amigos começou a “pirar no parafuso”. A conversa já estava “degringolando” e precisava ter um epílogo.
–
Como... não é sua!? Você vivia suspirando sobre ela, toda vez que
vínhamos te visitar! “Aquele é meu carrinho! Aquele é meu carrinho!”
– Vocês alguma vez me viram dirigindo a Ferrari? Ou mesmo dentro dela?
Os amigos olharam uns para os outros.
– Na verdade, não!
– Pois é! Tem uma importadora de carros do outro lado da rua.
E, para dar um ponto final, Epitáfio fez o epitáfio:
– Afinal, sonhar não é crime! Ou é?
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Fonte:
O autor. Revisão de Sinclair Pozza Casemiro.
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