quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

Aparecido Raimundo de Souza (Como moeda de troca)

ANUNCIEI NO WATSAPP do grupo do prédio onde moro, que estou trocando uma caixa de som por um rádio portátil, desde que o aparelho funcione e pegue todas as estações. O meu atual não foge à regra, porém, a estação que eu gosto de ouvir, a FM-95,9, a Solta o Som, por algum motivo inexplicável, toda vez que é ligada, se transforma numa chiadeira infernal.

A coisa pegou. Todo mundo resolveu entrar na dança gostosa e se fazer presente, barganhando alguma coisa ou vendendo, aquilo que não faz mais uso. O Beto, do 501, quer se desfazer da coleção da vampiresca americana L. J. Smith, por alguma coisa mais séria. Beto deixou claro que os textos englobados nos volumes lidos não lhe convenceram. Água com açúcar. Prefere Stephanie Meyer.

Ofereci a ele o E. L. James, e o prezado deixou claro que a britânica E. L. James, apesar dos seus Cinquenta Tons de Cinza não está mais no topo das suas predileções. Dona Rosinha do 803 quer trocar seu gato por um cachorro. O gato dela solta muitos pelos, daí a preferência por um cachorro. Deixou sintetizado que o gato está com todas as vacinas em dia. Ela quer que a troca seja justa.  Que o animal a ser apresentado em substituição ao bichano também exiba toda a documentação em perfeita ordem.

A moradora do 1002, dona Vitalina quer doar uns vestidos que lhe ficaram pequenos e mais de uma dúzia de sapatos em perfeito uso.

Seu Luiz do 704 anunciou que leciona violão. Aulas a partir de 200 reais. Os interessados carecerão trazer seus instrumentos.

O Chico do 605 fez uma pergunta que deixou o músico do 704 deveras embrabecido. Escreveu:

— Dar aulas de violão sem o violão?  Entendo que o professor aí precisaria ter, pelo menos, uma meia dúzia para empréstimos.

O professor não deixou por menos. Gravou um vídeo em resposta, mostrando a sua cara furiosa e de poucos amigos:

— Caro morador, entendo que o senhor ao pretender tomar aulas de violão comigo, precisa ter a seu ao alcance das mãos. Em minha antiga casa, contava com três. Ao me mudar para cá, meu carro foi arrombado e o infeliz do meliante levou os violões, me deixando a ver navios onde só existiam partituras. Se o companheiro quiser vir tomar aulas, será bem-vindo, contudo, providencie um violão ao sabor da sua predileção.

O doutor Paulo, síndico e administrador do grupo deu um chega pra lá calando os dois brigões:

— Por favor, cavalheiros. Vamos ficar de fora das picuinhas e dos melindres.  

A Bárbara do 804 que enviuvou do marido, quer se desfazer dos ternos do falecido. Anunciou as peças com uma série de fotos a preços módicos. O engraçadinho do Pilombeta, porteiro da noite, não deixou por menos. Gravou um áudio:

— Tenho interesse nas vestimentas. A viúva vem junto?

Toda a galera pendurada caiu na gargalhada. Contei mais de 50 risadas. Novamente o doutor Paulo entrou em cena:

— Gente, vamos focar sem melindres e gracinhas. Rogo que venham ao grupo apenas aqueles moradores que desejem vender ou comprar alguma coisa que esteja sem valor ou ocupando espaço. Sugiro colocarmos a educação em primeiro lugar.

Um telefonema não cadastrado sinalizou anonimamente pedido de permissão. Foi aceito. Gravou áudio:

— Oa arde a odos. Dona Árbara do 804. Ona Árbara, aqui é o Alo Arijó. Enho interesse as oupas do eu ex. Odavia, ostaria de aber se a enhora me eixaria udar de ala e uia ara eu apê e lhe eter a espora. O ue e iz?

Sem brincadeira nenhuma. Oitenta risadas se fizeram ouvir. Algumas escritas com o tradicional kikikikikiki. Ganhou a maioria com mais de cem áudios os mais cabeludos e a revelia da proposta inicial do organizador.

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

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