domingo, 8 de janeiro de 2023

Lucília Alzira Trindade Decarli (Inquietude) 3


AUSÊNCIA

“Sentí que a ausência doída
ganhou maior dimensão
ao constatar minha vida
ausente em seu coração!”


Você, que foi presença em minha vida,
mas foi embora sem dizer-me adeus,
por avaliar, talvez, que a despedida
traria a dor crucial dos lábios seus...

Você, que no momento da partida
não se furtou de olhar nos olhos meus,
fez-me pensar ainda ser querida,
quase gritar: "não vá, fique, por Deus"!

Ante o silêncio imposto entre nós dois,
pairou a dúvida cruel, depois;
— quem, a este amor, negou vital clemência?...

— Quem pouco amou! — Constato, ao responder:
menos amando, não pôde entender
quem mais sofreu a dor que trouxe a ausência!
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FRUTO DA SEMENTE

Não meças nela o trabalho,
pois colheita é contingente,
mas quanto, de orvalho a orvalho,
Tu já plantaste… em "semente"…


De sol a sol, firmando as mãos no arado,
suor pingando, ao solo se entregava...
— Hoje, um trabalho rude e ultrapassado
do lavrador, que a terra cultivava.

Com grande afinco e sempre atarefado,
fazia os sulcos, com as mãos semeava
e, esperançoso a capinar, cansado,
o agricultor temente a Deus, rezava...

Pedia chuva para aquela empreita,
o pensamento firme na colheita,
depois que via germinando o grão...

E desejava, então, ardentemente,
ver pão na mesa, fruto da semente,
que enverdecera todo aquele chão!
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QUANDO...

“Quando eu morrer deitarei
em ti tamanha saudade,
que bem pouco ficarei
sozinha na eternidade…”


Quando estiver inerte para o mundo,
não faltará quem diga, assim: — "Coitada!"
Outros dirão a respirar bem fundo:
— "Ela descansa em paz, não sente nada..."

Terei, do amigo, a frase entusiasmada:
— "O seu trabalho resultou fecundo!"
Do desdenhoso, embora em voz velada:
— "Mas não fez nada, assim, de mais profundo..."

Não pensarão que tudo escuto, ali,
que alma não morre e não sairá daqui
até que a prece para Deus a eleve...

Nem saberão que em meio a tanta prosa,
aguardo apenas uma rubra rosa
das mãos de alguém que só dirá: — "Até breve!..."
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QUE AMOR É ESTE?!…

"Este amor, que ressurgiu
das cinzas, ardentemente,
veio provar que sentiu
saudade de estar presente!…”


Que amor é este, que impetuoso vem
depois de estar fadado a ser lembrança?...
Parece até desconhecer em quem
ele se agita, pois ousado avança!

Que amor é este, cheio de confiança,
que, ágil, me aponta a direção de alguém,
vindo instingar-me a radical mudança,
impondo a força que ele ainda tem?...

Que amor é este, pleno de certeza,
a convencer-me da real grandeza
que do passado traz e descortina?

Que amor é este em mim, todo Incoerente?!...
No espelho, mostra a idade, fielmente;
por dentro, faz sentir-me uma menina!...
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REENCONTRO

Na tua ausência formei
um rosário dos meus "ais"
e, hoje, que te reencontrei:
- Meu Deus, sofrer, nunca mais!


Antevendo o momento em que irei reencontrar-te,
repensando, feliz, quanto ainda te quero,
intento este preencher do meu tempo com arte,
vindo expor num soneto o amor puro e sincero.

A ansiedade me envolve e já sei que faz parte,
leva quase à loucura e quando eu desespero,
desse anseio sofrido, almejando o descarte,
ouço a voz da esperança e esta angústia, supero!

Com excelso desvelo eu desejo te olhar,
abraçar-te bem forte e, depois, mergulhar
na paixão que revela o que sinto por ti.

Hora e dia a apontar, terra e céu presenciando
o milagre da volta e eu prossigo rogando:
— teu amor para sempre... e esquecer que sofri!
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QUEM SOU?

Prossigo, nesta minha trajetória,
cantando os sonhos perdidos
de tantos amores sofridos,
dispersos no tempo e na história.
Falo de sentimentos abalados,
dos corações machucados,
das dores incrustadas na memória.

Penetro no recôndito dos seres humanos
e faço emergir dos pensamentos
as lembranças dos relevantes momentos
de alegrias, de tristezas, de desenganos...
Desnudo as paixões mais ardentes,
dos que foram muito amados,
dos que foram desprezados;
— os vitoriosos e os carentes!...

Liberto os gritos silenciosos
dos corações oprimidos e exacerbados,
até então em mutismo encarcerados...
Denuncio, com veemência, esse mal
que veloz se propaga — a injustiça social!...
Nunca me esqueço de louvar o Criador,
pois dEle é que se origina a essência do Amor.
Tampouco me omito de exaltar a Natureza;
dela , reconheço a indiscutível grandeza,
o seu árduo e incessante labor!

Persigo, entretanto, a ingrata felicidade
que, indiferente e com requintes de crueldade,
deixa a dolente saudade em seu lugar...
Por isso, abrigo-me nas almas dos poetas
incitando-os a lançarem ao vento
as palavras inspiradas neste meu intento:
— manter a chama do amor sempre acesa!
Mesmo que as expressões sejam indiscretas
e nem sempre revestidas de beleza...

E nunca é demais repetir:
melhor amar, ainda que sofrendo;
melhor a ilusão, que ter rancor remoendo;
melhor a paixão, inflamada a cada dia,
que trazer o coração congelado, a alma vazia
e, pouco a pouco, só de inércia ir morrendo...

Ah! O meu nome?... Pode chamar-me: POESIA!

Fonte:
Lucília Alzira Trindade Decarli. Inquietude. Bandeirantes/PR: Sthampa, 2008.
Livro entregue pela poetisa.

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