segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

Heitor Stockler de França (Poemas Avulsos) III


DENTRO DE UM GRANDE SONHO


Alma simples de poeta e coração sem jaça,
Nasci para ser bom, livre de preconceito,
Vivendo para amar na beleza e na graça
Tudo que é natural e tudo que é perfeito.

E sinto este meu ser já de tal forma afeito
A esse fino prazer, licor de azules taça,
Que me julgo feliz, glorioso e satisfeito
Na artística emoção que todo me repassa.

Embora a aparecer na áurea legião da rima,
Não vislumbro fulgor no estro que me anima,
Nem sei se há vibração nos versos que componho.

E assim, tal como a névoa errante pela altura
Infinita do céu, a mim se me afigura
Que passo por aqui, dentro de um grande sonho!
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BURGUÊS, BOÊMIO OU ARTISTA?

Sou burguês,
Sou boêmio,
E sou artista!

Tirar-me o privilégio
Desses dons de ventura da existência.
É um sacrilégio,
É um crime, até violência!

Na burguesia eu vivo como artista,
Entre artistas não passo de burguês…
Entretanto, não sou mais que um boêmio
Ou artista, ou burguês entre os mortais.

No meio dos artistas, sou um poeta,
Na roda dos burgueses — a honradez,
E na escala dos boêmios — ignoto! , . .

Mas para mim, tudo isso é grande prêmio,
Porque, pelo que penso, sinto e noto,
Não sou boêmio, burguês e nem artista . . .
— Sou um homem feliz e nada mais!
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REFLEXOS DA INFÂNCIA

Gosto de fazer versos quando chove
E ouço o marulho d'água nas sarjetas;
Esse fragor de indômitas maretas,
Tem não sei que de estranho e me comove .. .
Não é que eu seja um triste, uma alma doente,
As belezas da vida indiferente,

Mas, apenas porque
Minhas recordações de infância,
Despertam meu passado
Que, embora distante,
Ainda mora em meu ser.

Revejo, entalo, contemplativo,
Como num cosmorama,
Detalhes da época vivida
No lugarejo natal.

Agora, a casa paterna.
Depois, lá fora, na chácara,
A horta verde, o pomar,
O campo, a aguada, a mangueira,
A lida da criação;
O vento, a chuva, a bonança,
A enxurrada nos caminhos,
O sol dourando a paisagem,
E eu, como um rei de tudo,
Contente a gozar a vida.

Por isso, se está a chover
E se outra coisa não faço,
Faço poemas, versos traço,
Para a infância reviver!…
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MELINDRE DE NAMORADO

Adeus, que me vou embora!
Adeus, garota sem alma!
Já que me roubaste a calma
Nada mais me resta agora.
Sem calma,
Agora,
É melhor que eu me vá embora,
Adeus, garota sem alma!

Já de uma feita fugi,
Quis ficar longe de ti,
Bem longe, em qualquer lugar,
Fui morar no Quero-Quero
Mas, lá não pude ficar.
Pois, meu coração sincero,
Perto do teu devia estar.

Fiz tudo para esquecer
A quem não quis me querer
Por caprichinhos banais.
Ajuntei minha bagagem,
As minhas coisas triviais
E pus-me logo de viagem
Para longe de onde estás.

Adeus, que me vou embora!
Adeus, garota sem alma!
Já que me roubaste a calma
Nada mais me resta agora.
Sem calma,
Agora,
É melhor que eu me vá embora,
Adeus, garota sem alma!

Fugindo, assim, do meu pago
Fui dar comigo no Lago,
Pensando em mansão segura.
Mas, nem lá encontrei sossego
Que me trouxesse ventura.
Por ti este meu apego,
Confesso que é mal sem cura.

Pois, foi debalde, a saudade
Falou-me com ansiedade
Na garota que eu adoro.
Voltei e tu não me queres
Fico triste mas, não choro.
Há no mundo outras mulheres
O teu amor não imploro!

Garota namoradeira,
É nossa terra Palmeira,
Cada qual do seu rincão.
Nasceste no Ferrador,
E eu nasci no Boqueirão.
Tenho n'alma um grande amor,
Tu tens fel no coração.

Adeus, que me vou embora!
Adeus garota sem alma!
Já que me roubaste a calma
Nada mais me resta agora.
Sem calma,
Agora,
É melhor que eu me vá embora,
Adeus, garota sem alma!

Fonte:
Heitor Stockler de França. Alma e coração do Paraná. Brasília: Coleção Morvan Dias de Figueiredo, 1983.
Livro enviado por Vânia Ennes.

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