sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

Sinclair Pozza Casemiro (Dia Universal da Paz)


Meu é só o jeito de contar

Era uma vez... uma espécie de concurso no mundo. Era preciso escolher o símbolo da paz. E era bem no início dos tempos, o mundo ainda não tinha tanta gente, tanto bicho, não. Um tempo em que os bichos também falavam.

Já se tinha certo de que seria uma pomba. Então, entre as pombas, teria que se escolher uma delas para simbolizar a paz.

E a notícia correu.

Bem...chegou o dia da escolha, muitas espécies de pomba compareceram. E todas estavam alvoroçadas, desejavam ser escolhidas como símbolo da paz.

O mundo parou para acompanhar o importante evento. Todo tipo de bicho. Da mata, do céu, das águas e do ar, homens, mulheres, crianças, jovens, velhinhos e velhinhas, pararam tudo o que estavam fazendo para acompanhar o espetáculo. O maior de todos os sábios, o mais generoso, o mais amoroso e o mais justo de todo o mundo era quem daria o veredito da “pomba da paz”.

Juntaram-se muitas pombas e de todas as espécies. Com calma, o sábio as identificou, tinha que saber quais estariam participando dessa largada. Fez questão de memorizar cada uma para não prejudicar nenhuma delas.

Chegou finalmente a hora. Todas elas a postos, o grande sábio pediu-lhes que, dada a largada, voassem, escolhessem um ramo e ali retornassem com o tal ramo. Nada mais disse. Só que prestassem atenção ao sinal que ele daria com um gesto de largada. E com o corpo e a alma, gritou: “Já!”

Foi um alvoroço, algumas já ali mesmo se precipitaram, se atropelaram, mas se repuseram rapidinho. Nenhuma se entregou aos embaraços da partida. Houve uma delas que escolheu um ramo que estava mais próximo, fez um rápido caminho de voo e imediatamente lhe entregou.

-Venci?

O sábio lhe fez um gesto de espera e ela, folgadamente se acomodou, iria aguardar. Afinal, seu ramo era perfeito, foi a primeira a chegar, era, sim, a vitoriosa.

E foram chegando, cada uma com um ramo mais lindo que o outro, assim imaginavam. Algumas se demoraram mais, caprichosas, detalhadamente escolheram seu ramo. Outras demoraram mais, também, porque foram se banhar, ajeitar as penas, apresentar-se bem. Por muitos cuidados, enfim, se envolveram. Cada qual escolheu uma razão para ser escolhida: voo caprichoso, velocidade, aparência perfeita, enfim, cada uma fez, a seu modo, sua investidura.

Todas chegaram. Todas?

- Não, falta uma. – disse o sábio.

- Será?

-Sim, vamos aguardá-la.

Mas ela não chegava. O público ficou cansado de esperar; porém, não cedeu. Ficou por ali. As pombas, algumas delas, dormiram, outras conversavam. Outras reclamavam...que falta de respeito! Que fazer? O jeito, pensavam elas, era mesmo esperar. O sábio aguardava.

Quando se passaram muitas horas, passado o dia, a dúvida de que a pomba pudesse ter-se machucado incomodou algumas. Mas...que fazer?

A noite veio, chegou a manhã, muitas dormiam, eis que, lá longe, avistaram uma ave chegando,
seria ela?

O sábio postou-se para a receber. Era mesmo ela.

A pomba, estropiada, suja, aparência de desleixo, já foi logo se desculpando:

– Me perdoem, Mestre, companheiras. Só vim, mesmo, para não desonrar o compromisso.

- Por que se demorou? Perguntou o sábio.

- Ah... Escolhi meu caminho, voava feliz, com velocidade, beleza, peguei meu ramo, muito bonito. Encontrei um pássaro em queda. Segurei-o, levei-o até o chão, vi que era velho, estava cansado. Dei-lhe água, esperei que se recuperasse, se alimentasse e o conduzi até seu ninho, mas...não era perto! Pra ajudar, na volta, me deparei com um filhote no ninho, piava muito, esperei por seus pais, que não vieram! Por certo algum caçador os abatera. Nada fácil, consegui encontrar outro ninho para o filhote, que ficou bem, ficou seguro. Não longe, uma lebre estava ferida por um predador. Consegui conduzi-la a uma fonte, mas estava com muita sede, bebeu muita água, demorou-se, a infeliz. Deitou-se, mas logo que pude a deixei em casa. E assim, Mestre, foram acontecendo coisas inesperadas, umas atrás das outras! Também, de repente... me desculpe, percebi que não era tão importante assim ser um símbolo da paz. Porém lhe dou minha palavra, o mais rápido que pude, aqui estou. Acho que maldosos souberam desse evento, Mestre, e quiseram prejudicar nossa disputa, dificultando nossos trajetos. Até chegar aqui, foram muitas as desgraças espalhadas por aí! E creio que ainda haja muitos concorrentes por aí, há muito sofrimento, podem estar ainda a caminho, se atrasando, também... Faltam muitos para chegar, ainda? Perguntou e se amontoou, exausta.

O Mestre respondeu-lhe:

-Ninguém quer prejudicar nosso evento, não, distinta pomba! O que você viu, acontece sempre. Nos caminhos, são mesmo muitas as dores e sofrimento. Não pedi a ninguém velocidade, que estivesse com a melhor aparência, que chegasse com o ramo impecável. Pedi que fizessem um caminho e que retornassem me trazendo um ramo. Chegaram bem, com excelente aparência, aqui estamos todos. Só você demorou tanto... Ora, veja...você fez o caminho da forma mais certa, mais bela! Pensou nos que encontrou em sofrimento e deu-lhes sua atenção, seus cuidados. Sem se preocupar em ser honorável, sem desejar a glória para si, você distribuiu paz. Portanto, digníssima pomba, você é a vitoriosa! Você, sim, é símbolo da paz!
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Devem existir muitas versões dessa história, era criança quando a ouvi. Como contar exatamente do jeito que a ouvi? Mas jamais esquecerei o que foi realmente que fez aquela pomba se tornar o símbolo da paz!

Fonte:
Texto enviado pela autora.

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