Filmes e romances com frequência falam de um peixe que, talvez por isso, me deixou sempre com água na boca. Trata-se da truta. Comi pela primeira vez há uns 20 anos, em Nova Friburgo, na região montanhosa do estado do Rio. No Brasil, pelo que me consta, só há desses peixes nas águas frias das corredeiras de serras.
Em Nova Friburgo perguntei a um morador local onde era possível comer truta. Ele me informou que o melhor lugar era um restaurante chamado Bürgermeister, que ficava em frente ao ponto final do ônibus do bairro do Cônego.
Lucilla e eu pegamos o tal ônibus, descemos no ponto final, e lá de fato estava o restaurante, espaço acanhado, mas bem acolhedor. Veio um garçom alemão falando com sotaque forte, pedimos truta para dois. Ele explicou que, se a gente não fosse comer muito, bastava uma. Pois que viesse. Ele ia pegar o peixe no fundo do quintal, ainda vivo, e preparar.
Meia hora depois veio aquela belezura: tostadinha, temperos especiais, ao lado um baita prato de batatas ao gosto germânico. O garçom trabalhou a truta com engenho e arte, extraiu a espinha dorsal, deixou a bonitona pronta para ser saboreada, cheirosa, provocosa. Nem toquei nas batatas, que batata a gente come em qualquer lugar. Meu propósito era anotar no currículo a ingênua glória de haver comido truta.
Na verdade, não garanto que a truta seja mais gostosa que a tainha ou que outro peixe menos cinematográfico. Mas o importante não é a coisa em si, e sim o que a gente imagina que seja. Desde menino via trutas no cinema e lia sobre elas nos livros. Fiquei com elas na fantasia. De repente estava com uma no prato, preparada por um cozinheiro alemão, servida por um garçom de sotaque, num restaurante que parecia essas tabernas de contos medievais.
Uns cem quilômetros abaixo, atravessando a cidade de São Fidélis, rola o rio Paraíba do Sul, onde há robalo e lagosta de água doce, dois petiscos de supina gostosura. Quando você passar por lá, não perca a chance de provar. Mas robalo e lagosta não são personagens de filmes. Truta é. A truta e “as filhas da truta”, como me disse um pescador das cujas ditas.
Vale então, portanto, subir a serra, descobrir lá em cima um restaurante meio escondido no ponto final do ônibus do Cônego, esperar que o cozinheiro pegue a truta no riacho que passa no fundo do quintal, e depois lamber os beiços.
Sempre é bom lembrar que o ato de comer tem dupla finalidade. Uma delas é renovar as nossas energias, a outra é dar de presente ao paladar um indescritível prazer. No caso das trutas, comê-las é um ato de poesia. E se você pensa que paguei caro, engana-se. A truta, as batatas, a caneca de vinho, os pães típicos da casa... tudo aquilo, para duas pessoas, custou menos que uma anchova grelhada em Balneário Camboriú.
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(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 17.11.22)
Fonte:
Blog do autor. https://aadeassis.blogspot.com
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