Ao olhar para ela, não se podia dizer se era feia ou bonita. Não era alta nem baixa, nem gorda nem magra. Era algo indefinível. Entretanto, examinando-a com atenção, podia-se perceber um certo charme, alguma elegância em seu porte altivo, no modo de andar.
Embaixo dos andrajos que vestia, delineava-se um corpo bem feito e no rosto, emoldurado por cabelos desgrenhados, destacavam-se belos olhos verdes.
Estava sempre suja e não poderia ser de outra forma. Todas as manhãs, bem cedinho, antes do caminhão de lixo passar, lá estava ela, examinando os pacotes que haviam sido colocados nas calçadas das casas e as grandes latas de lixo apinhadas de detritos, vidros, pedaços de plástico e objetos velhos e desprezados, que ficavam em frente aos edifícios de luxuosos apartamentos.
Não gostava de falar. Quando se tentava puxar uma conversa, recebia-se em troca um leve balançar de cabeça ou um olhar indiferente.
A minha curiosidade a respeito dela se aguçava. Não parecia uma pessoa comum. Havia um certo quê de distinção, de orgulho, no seu silêncio insistente. Notei que, vez por outra, um homem a acompanhava — quieto, sem vontade, diferente dela. Parecia totalmente entregue às vicissitudes da vida, não demonstrando a decisão da mulher que sempre o precedia.
Enterrando as mãos, corajosamente, nas imundícies dos latões, ela selecionava as variedades encontradas e dava ordens ao homem, em tom baixo, orientando-o para a precária embalagem dos produtos tirados do lixo. Eu não ouvia o que dizia, mas conseguia entender o que estava acontecendo mediante curiosa observação.
Ela nunca falava alto e, mesmo com o seu companheiro, limitava as palavras. Sua contenção não era só em relação a mim e ao homem que a seguia submisso, mas também, em relação ao mundo que a cercava e que ela parecia ignorar.
Um dia, não me contive e perguntei o seu nome. Não me respondeu. Passado algum tempo, quando o homem estava a alguma distância dela, arrisquei-me, perguntando a ele e recebi a surpreendente resposta; Clara Luz.
Como era estranho! Uma mulher vivendo naquela situação, ter aquele nome — um nome que transmitia a ideia de importância, de brilho, de sucesso. Lembrava uma estrela, sugeria uma pessoa iluminada.
Quanta esperança deve ter depositado a mãe de Clara Luz no bebê que nascia. Quanto enlevo, quanta fé no futuro, ao escolher esse nome para a filha...
Ao passar minha primeira reação de surpresa, percebi que, afinal, aquele nome não era inadequado. Não condizia com a vida que Clara Luz levava aqui na Terra, mas estava de acordo com a altivez que ela demonstrava, com sua posição de guia, com o seu desligamento do mundo.
Fonte:
Cecy Barbosa Campos. Recortes de Vida. Varginha/MG: Ed. Alba, 2009.
Livro enviado pela autora.
Cecy Barbosa Campos. Recortes de Vida. Varginha/MG: Ed. Alba, 2009.
Livro enviado pela autora.
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