Uma das coisas que mais divertiram as crianças de minha geração foram os parques que esporadicamente baixavam em nossa cidade.
Os cavalinhos, os barcos, os automóveis em constantes trombadas, a roda gigante... tudo fazia parte de um mundo feliz e encantado de folia e recreação.
Havia também as barraquinhas onde o pessoal se exercitava no tiro ao alvo, ou tentava abiscoitar uma prenda nos sorteios de bilhetes numerados.
O “Parque Mila” foi o que mais marcou a minha lembrança.. Mila era provavelmente filha dos donos, já que o parque levava o seu nome. Era uma garota linda, de uns quatorze anos e de cabelos loiros em cachos compridos. Vestia-se com roupas vistosas e brilhantes, bordadas de pedrarias que lhe ressaltavam a beleza delicada. Eu, simples garotinha de oito anos, admirava-a intensamente.
Uma noite em que fui ao parque com mamãe e Linéa, vi Mila bem de perto, distribuindo prêmios aos sorteados. Arrisquei quinhentos réis num bilhetinho, e qual não foi a minha surpresa quando a ouvi cantar o meu número no sorteio! Que emoção receber o prêmio das mãos daquela menina que me parecia saída de um conto de fadas!
Mas... confesso que fiquei um tanto embaraçada quando ela me entregou a prenda: uma imagem de Santa Terezinha, muito linda, com o famoso ramalhete de rosas nas mãos.
Não sendo católica, eu estava ali sem saber o que fazer com a santinha. Mamãe percebeu o meu constrangimento e fez-me uma sugestão que aceitei imediatamente. Pedi a Mila (lindíssima nessa noite, trajando um vestido de cetim preto, todo enfeitado de missangas reluzentes) que me trocasse a imagem por outra prenda. Ela sorriu para mim e fez um, gesto largo, pondo à minha disposição as fileiras em que os objetos estavam expostos.
Escolhi uma estatueta bonitinha: um pequeno pescador, garotinho de calças curtas, chapéu, e pés descalços, com uma vara na mão e um peixinho enroscado no anzol Adorei o prêmio e já em casa, na maior euforia, fui mostrá-lo a papai.
Coloquei a estatueta ao lado da entrada do quarto dele e de mamãe, sobre uma coluna dórica, de madeira, que possuo até hoje. O lugar era de destaque, e o pequeno pescador ali ficou por muito tempo, até que um dia, para grande tristeza minha, papai escorregou no tapete, e ao bater na coluna, provocou involuntariamente o acidente: a estatueta caiu e espatifou-se no chão. Catei os cacos, mas não consegui colá-los estavam muito estilhaçados. O jeito era me conformar.
Um dia, anos depois, mamãe chamou-me a atenção para uma manchete no jornal que estava lendo. Olhei o título: “O triste fim do Parque Mila.” A notícia dizia que, em uma das cidades que percorria, o parque se incendiara devido a um defeito no sistema de iluminação. Ficara inteiramente destruído.
Eu não queria acreditar. O parque mais lindo de minha infância gravara em minha memória uma imagem indelével que não poderia mudar: os carrosséis e a roda gigante girando, as barraquinhas movimentadas, o mar de luzes deslumbrantes, e a linda e graciosa Mila sorrindo para as pessoas e entregando-lhes prendas com as próprias mãos, como se fosse uma fada distribuindo privilégios a seus favorecidos, num reino venturoso de perene alegria, encantamento e diversão.
Fonte:
Espaço Literário Sorocult (www.sorocult.com)
Espaço Literário Sorocult (www.sorocult.com)
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