domingo, 6 de abril de 2008

Agenir Leonardo Victor (Entrevista com A. A. de Assis)

A trova é apaixonante

Antonio Augusto de Assis, mais conhecido como A. A. de Assis, 71, nasceu em São Fidélis-RJ. Veio para Maringá em 1955, retornou ao estado do Rio em 1959 e novamente transferiu residência para Maringá em 1963, aqui permanecendo até hoje. Aposentou-se em 1997 como professor do Departamento de Letras da Universidade Estadual de Maringá. Desde a juventude tem-se dedicado à poesia. Em 1960, residiu em Nova Friburgo-RJ, berço da trova moderna no Brasil. Nesse período, conviveu com os mais importantes trovadores da época, tais como Aparício Fernandes, Delmar Barrão, Luiz Otávio, J.G. de Araújo Jorge e outros, daí surgindo seu entusiasmo pela quadra setissilábica. Assis é autor de vários livros e também da Missa em trovas, que tem sido celebrada em quase todo o país em festas de poesia. Tem uma estante cheia de troféus ganhos em concursos literários realizados Brasil afora e em Portugal. Para a entrevista que transcrevemos a seguir, o poeta maringaense nos recebeu em sua residência, onde conversamos durante cerca de uma hora.

AGENIR – Qual a diferença entre poeta e trovador?

ASSIS – A mesma que existe, por exemplo, se é que existe, entre médico e cardiologista. Todo cardiologista é médico mas nem todo médico é cardiologista. Assim também, todo trovador é poeta mas nem todo poeta é trovador. Digamos que a trova é uma especialidade dentro do gênero poesia.

AGENIR – Como se define a trova?

ASSIS – É um micropoema sem título, composto de quatro versos de sete sons (sete sílabas), rimando o primeiro com o terceiro e o segundo com o quarto.

AGENIR – Mais ou menos como o haicai?...

ASSIS – O haicai é menor ainda: compõe-se de três versos, sendo o primeiro e o terceiro com cinco sons e o do meio com sete sons. Uns dizem que a trova é o haicai ocidental; outros que o haicai é a trova japonesa. Tanto a trova quanto o haicai primam pela síntese.

AGENIR – A trova deve ser muito antiga...

ASSIS – Tem mais de mil anos, e no entanto continua cheia de vida. Suas origens remontam à Idade Média, a partir do sul da França, de onde se expandiu por toda a Europa, encontrando seu canteiro mais fértil na Espanha e em Portugal. A língua portuguesa nasceu cantando trovas, na voz dos antigos jograis e menestréis. Ao Brasil a trova chegou de carona nas caravelas de Cabral, sobreviveu às diversas escolas literárias que andaram na moda nestes últimos quinhentos anos, e permanece até hoje na boca e no coração do povo como a mais natural das modalidades poéticas.

AGENIR – Ainda existem jograis e menestréis?

ASSIS – De certo modo, sim. Os jograis e menestréis da Idade Média saíam de corte em corte cantando suas trovas, nas quais contavam novidades, espalhavam fofocas... eram os repórteres da época. A cantoria deles era um verdadeiro jornal em versos. São seus sucessores, hoje, os cantadores do Nordeste e do Sul do Brasil, com seus repentes e cordéis. O cordel é, em última análise, uma grande reportagem sobre algum assunto em evidência no momento.

AGENIR – E qual a diferença entre os cantadores populares e os trovadores literários?

ASSIS – Uma diferença importante está na maneira de compor a trova: os cantadores não seguem uma forma fixa, enquanto os trovadores conhecidos como "literários" seguem as normas da UBT (União Brasileira de Trovadores) e obedecem ao padrão culto da língua, utilizando vocabulário acessível mas valorizando a correção gramatical.

AGENIR – Pode-se então enquadrar a trova como um modo de comunicação...

ASSIS – Claro que sim. Comunicar é transmitir a alguém uma informação, um pensamento, um apelo, uma emoção, e isso se faz de muitas formas: mediante um gesto, um desenho, um sinal sonoro, um texto oral ou escrito, em prosa ou verso. A trova é um modo de comunicação em versos, tal como o haicai, o soneto, o poema livre, a letra de música etc.

AGENIR – Haveria lugar para a poesia, hoje, na mídia?

ASSIS – Parece que cada vez menos. Houve tempo em que todos os jornais e muitas revistas, bem como as emissoras de rádio e algumas de televisão abriam espaço para a literatura. Hoje, porém, os tempos são outros. Há uma tremenda disputa pelo leitor e pelo ouvinte, de modo que a matéria precisa interessar ao maior número possível de pessoas, sob pena de queda no ibope.

AGENIR – E literatura não dá ibope...

ASSIS – Pelo menos não tanto quanto futebol, polícia, política, economia, fofoca, humorismo... O romance, outrora tão popular, foi quase totalmente substituído pela telenovela...

AGENIR – Poesia, nem pensar... Seria um produto em extinção...

ASSIS – (risos) ...Não exageremos. Não tenho notícia de que a mídia em algum lugar se ocupe em divulgar, por exemplo, o futebol de botão. No entanto, há um sem-número de meninos (de todas as idades), a começar pelo Chico Buarque de Holanda, que são apaixonados por esse esporte. As pessoas jogam botão pelo prazer que isso lhes dá, independentemente da repercussão que possa ter na mídia o seu divertimento. Da mesma forma se comportam os que escrevem, lêem e até colecionam trovas.

AGENIR – Quantas pessoas gostariam de trovas no Brasil?

ASSIS – Não há uma estatística... Só de trovadores conhecidos, temos uns 5 mil. Mas não há como saber quantas pessoas, não-poetas, se deliciam lendo essas quadras. Ninguém sabe também quantos brasileiros apreciam palavras cruzadas, mas é difícil achar um jornal que não as ofereça aos seus leitores. O jornal Diário Gaúcho, de Porto Alegre, publica uma coluna com o título "A Trova do Dia", e o retorno em forma de correspondência é surpreendente. É difícil fazer uma boa trova, porém é muito fácil entendê-la; por isso tanta gente gosta dela. E depois que a pessoa "prova" algumas, acaba se apaixonando...

AGENIR – Livro de poemas vende nas livrarias?

ASSIS – No Brasil, muito pouco. O único que conseguiu ganhar dinheiro vendendo poesia foi J. G. de Araújo Jorge, cuja popularidade chegou a fazer dele um dos deputados federais mais votados no Rio de Janeiro. No romance, Jorge Amado foi um dos campeões. Mas o que mais se vende nas livrarias é livro didático, religioso, de receitas culinárias, de esoterismo e de auto-ajuda. Paulo Coelho, sozinho, vende mais que todos os outros escritores brasileiros juntos.

AGENIR – Como é que os trovadores se comunicam uns com os outros?

ASSIS – Pelo velho correio; pela Internet; por telefone; e por meio de uma grande rede de periódicos publicados mensalmente pelas muitas seções da UBT – União Brasileira de Trovadores. Aliás, uma das razões do sucesso da trova é o fato de ela ter mídia própria. Alguns desses informativos têm tiragem superior a dois mil exemplares, com assinantes em todo o Brasil e em Portugal. Ali saem, além de trovas, também notícias e comentários, e os editais e resultados de todos os concursos de trovas. A média tem sido de 60 concursos por ano.

AGENIR – Há prêmios em dinheiro?

ASSIS – A UBT não apóia nenhum concurso que ofereça prêmio em dinheiro ou que cobre taxa de inscrição. O amor à arte é levado muito a sério. Os vencedores recebem troféus, medalhas e diplomas, além de hospedagem e refeições na cidade-sede do concurso durante a festa de premiação.

AGENIR – Há trovadores profissionais?...

ASSIS – São trovadores profissionais muitos dos cantadores e repentistas do Nordeste e do Sul do país, dos quais já falamos, e que se apresentam como artistas em festas e shows. Os trovadores ditos "literários" são todos amadores: fazem trovas por diletantismo, sem nada receber em troca. Até quando publicam livros, distribuem-nos de graça aos amigos, ou por preço de custo.

AGENIR – Mas, afinal, quem são esses trovadores chamados "literários"?

ASSIS – São pessoas comuns, como todos nós, cada qual com sua profissão: professores, jornalistas, médicos, militares, advogados, engenheiros, bancários, operários, comerciários, empresários, agricultores etc., os quais, nas horas vagas, se divertem fazendo trovas. Nota-se entre eles, sobretudo, um grande número de aposentados.

AGENIR – Deve ser mesmo um bom divertimento para idosos.

ASSIS – Costumo dizer que a trova é um ótimo brinquedo de velho... É a "trovaterapia". Você faz uma bela ginástica cerebral na construção de cada quadra. Além disso, a trova faz amigos, por meio da correspondência mantida e dos freqüentes encontros da "tribo".

AGENIR – Há muitos trovadores no Paraná ? E em Maringá?

ASSIS – O Paraná tem longa tradição em trova. Atualmente, as principais praças trovistas paranaenses são Curitiba, Maringá, Bandeirantes, Ponta Grossa e Londrina, mas não sei dizer quantos trovadores existem hoje no estado. Em Maringá, estão filiados à seção local da UBT 32 trovadores, alguns simplesmente como "gostantes"...

AGENIR – Parece que vocês são mesmo bem-organizados...

ASSIS – Somos sim. O trovismo, embora não faça disso grande alarde, é o movimento literário mais amplo, mais animado e mais organizado que até hoje se conheceu no Brasil. É uma verdadeira confraria.

AGENIR – Além de concursos, o que mais vocês fazem?

ASSIS – Os concursos são apenas um dos itens da atividade trovista. Realizam-se também congressos, recitais, festas de musas, sessões de autógrafos, palestras e oficinas de trovas em escolas, exposições... Em Bauru, por exemplo, todos os anos, é feita uma exposição chamada "A Trova no Parque", com centenas de trovas escritas em cartazes que são colocados entre as árvores. Na abertura do evento, é costume fazer uma "chuva de trovas", com milhares delas lançadas de avião sobre a cidade. Em Pouso Alegre-MG, foram pintadas trovas educativas em todos os prédios públicos da cidade. Em Curitiba, durante a semana dos Jogos Florais/2003, todos os ônibus do transporte urbano circularam expondo cartazes com trovas. Em outras cidades têm sido realizados "comícios de trovas" (e Maringá foi pioneira nisso, em 1966), com os trovadores apresentando seus versos em praça pública.

AGENIR – E sonetos, ainda há quem os escreva?

ASSIS – Há sim, muita gente. Temos ótimos sonetistas, tão bons quanto os do tempo de Bilac, ou até melhores. A única diferença é que no tempo de Bilac as pessoas tinham mais tempo para ler: não havia cinema, nem televisão, nem shopping... Hoje talvez haja menos leitores, porém a qualidade dos versos é a cada dia melhor. A poesia não morrerá nunca. Aliás, toda arte é eterna. Se assim não fosse, ninguém mais ouviria Bach, Beethoven, Chopin, Mozart, Strauss...

AGENIR – Você se dedica exclusivamente à trova?

ASSIS – Preferencialmente, mas não exclusivamente. Gosto muito da trova e do haicai, porque sou fascinado pela síntese. Da trova mais ainda, por sua musicalidade e por ser um poema fácil de ser compreendido. Mas faço também soneto, verso livre, concreto...

AGENIR – A trova tem trazido algum benefício especial para Maringá?

ASSIS – Não sei o que você chama de "benefício especial". Traz alegria para nós, que temos nisso o nosso recreio intelectual. Mas deve beneficiar também Maringá, pela divulgação que faz da cidade. Cada vez que aqui promovemos um concurso, um congresso ou uma festa de trovas, todos os trovadores do Brasil e de Portugal ficam sabendo. Os que aqui vêm participar pessoalmente do evento saem sempre dizendo maravilhas da cidade. E toda vez que um de nós é premiado lá fora, o nome de Maringá é publicado junto com o da gente. Aliás, há muitas cidades onde as festas de trovas fazem parte do calendário turístico oficial.
E são festas lindas.

Fonte:
VICTOR, Agenir Leonardo. A Trova: O Canto do Povo. Trabalho apresentado ao Curso de Comunicação Social das Faculdades Maringá, para habitlitação em Jornalismo. Maringá: Dezembro, 2003.

Um comentário:

Unknown disse...

Amo, e admiro muito meus amigos trovadores! Agenir é a maior expressão na prosa e na poesia. Sabe muito bem poetar, assim como o Jaime Vieira.Obrigados por tê-los como amigos.