sábado, 19 de abril de 2008

J. G. de Araújo Jorge (I Jogos Florais de Corumbá)


Alegro-me de ter sido o patrono dos I Jogos Florais de Corumbá. Conheci a cidade em novembro de 1967, como convidado especial de D. Lucy Bonilha de Souza para participar do recital de encerramento do seu curso de declamação. Impressionei-me com a participação da sociedade corumbaense numa festa de arte, do mais elevado nível cultural; com o trabalho e a organização do casal Sachser de Souza (dr. Hélio e D. Lucy), e sugeri que poderiam promover em Corumbá os Jogos Florais.

Qual não foi minha surpresa quando, alguns meses depois, recebo em minha casa, no Rio, a visita dos dois, pondo-me a par da iniciativa, já em plena realização. E o resultado foi o que todos tivemos a oportunidade de constatar, em junho deste ano: os primeiros Jogos Florais de Corumbá se transformaram numa festa da cidade e num verdadeiro sucesso. E nós, que idealizamos os Jogos Florais no Brasil, e deles participamos em tantas outras cidades, podemos testemunhar que os de Corumbá, principalmente pela vibração e pelo interesse popular, tornaram-se os de maior expressão e beleza dentre quantos já se realizaram.

Em crônica para a revista “Jóia”, do Rio de Janeiro, de agosto deste ano (1968), comentei assim essa festa de poesia:

A trovite está grassando. Raro é o dia em que não recebo, pelo correio, um livro de quadras. E multiplicam-se os Jogos Florais, baseados quase todos em concursos de trovas. Observa-se, realmente, um verdadeiro surto trovadoresco em todo o país. Aparício Fernandes publicou em dois grossos tomos oito mil trovas, de oitocentos poetas brasileiros. Eno Theodoro Wanke vem procurando fixar sua história e desenvolvimento: “o trovismo é o primeiro movimento poético surgido no Brasil, depois do modernismo de 1922” (...).

Eis um aspecto importante do movimento trovadoresco: a reconciliação da poesia com o povo. A trova é um gênero literário eminentemente popular, primeira manifestação de poesia, simples, musical, comunicativa. Seus cultores estão repondo, de certo modo, nossa poesia em sua tradição: não se envergonham de usar um idioma acessível; de poderem ser ouvidos e compreendidos. Não passam por gênios, não fabricam charadas, não se fecham nos sótãos obscuros de esdrúxulas construções verbais (...).

Escrevo estas palavras no justo momento em que acabo de voltar dos Jogos Florais de Corumbá.

Aqui no Rio, em 1959, a Casa da Bahia, por sugestão do seu secretário, o trovador e baianíssimo Jaime de Faria Goes, meu querido amigo já desaparecido, realizou um concurso de trovas cujo tema era “a boa terra”. Interessando-me pelo mesmo, saí vencedor. Eis a trova que fez a mágica:

Ladeira, praia, coqueiros,
igrejas, lendas, poesia,
cais do Mercado – saveiros...
– Natal da pátria: Bahia!

Na viagem, eu e Luiz Otávio, outro dos vencedores, imaginamos o renascimento dos Jogos Florais no Brasil, e escolhemos Friburgo para o lançamento da idéia. De lá para cá, cerca de cem cidades brasileiras já realizaram Jogos Florais, e Friburgo programou com as festas do seu sesquicentenário, este ano (1968), os seus IX Jogos Florais.

A maior prova do sucesso absoluto da iniciativa positivou-se, agora, com os I Jogos Florais de Corumbá, na fronteira oeste do Brasil, de onde estou chegando. E valeu a pena o longo passeio. Corumbá é, por si só, uma bela surpresa para o visitante. Como não viajo de avião, fui mesmo de ônibus e de trem. Mas não me arrependi da esticada até os confins da pátria, nos limites com a Bolívia. Eta Brasil grande! Até Bauru segui de ônibus; de lá, pela Noroeste, de trem, até Corumbá. Dois dias e uma noite de viagem.

Corumbá engalanou-se toda para os festejos. Pelas ruas e praças havia faixas coloridas saudando os trovadores. É uma cidade clara, limpa, bem traçada, com modernos edifícios. Possui jornais diários, duas estações de rádio, uma faculdade, e precisa apenas de uma rodovia para romper seu isolamento e expandir-se. Contornando a cidade, à distância, a serra do Urucum, toda de manganês e ferro (...). Na frente está o rio Paraguai, que faz um S caprichoso diante da cidade, como quem não quer ir-se embora. Mais abaixo, a Base Naval de Ladário, com suas tradições históricas (...).

O povo corumbaense lembra muito o carioca, pela alegria, cordialidade, sem bairrismos estreitos, hospitaleiro. Corumbá, “Cidade Branca”, como a chamou o poeta maior Pedro de Medeiros, repousa sobre um vasto e alvo lençol de calcáreo, que desponta aqui e ali manchando o chão, e que se pode ver, nos cortes do morro, quando se chega à cidade pelo rio. Então, parece uma Bahia fluvial, com cidade baixa e alta: uma rente ao cais, com sobradões coloniais e armazéns; outra no alto, por trás do renque de palmeiras imperiais perfiladas na Avenida Marechal Rondon. E dá vontade de repetir, como na canção dedicada à Bahia: “Você já foi a Corumbá? Não? Então vá!”

Durante uma semana, Corumbá, o Governo do Estado, a Prefeitura, autoridades civis e militares, industriais, comerciantes, o povo, todos participaram das festas do I Jogos Florais.

Espetáculo inacreditável – e eu diria inédito se não tivesse assistido a outro semelhante em Maringá – foi o daquela praça lotada de povo, ouvindo e vibrando com as apresentações de trovadores, naquilo que chamei de verdadeiro “comício de poesia”.

Ponto culminante dos festejos foi o grande recital, promovido por D. Lucy Bonilha de Souza, quando foram coroadas a nove musas, e entregues os prêmios e troféus aos vencedores.

Num mundo triste e conturbado, agitado por ódios e violências, vale a pena ressaltar uns claros e poucos momentos de amor e poesia. Corumbá está de parabéns pela demonstração de sensibilidade e inteligência de seu povo. De certa forma os Jogos Florais correspondem ao grito de paz da mocidade, com o seu “The Flower Power”. E não encontro melhor fecho para esta crônica do que a trova de Antonio Augusto de Assis, trovador de Maringá, que obteve o primeiro lugar, quando louva a missão dos poetas:

Num tempo em que tanta guerra
enche o mundo de terror,
benditos os que, na Terra,
semeiam versos de amor!

Fonte:
Colaboração do trovador A. A. de Assis

Nenhum comentário: