HÁ DORES que não se veem. Elas não deixam marcas na pele, não sangram, não gritam. Mas estão lá, silenciosas, persistentes, alojadas no fundo mais profundo da alma. O sofrimento da alma é aquele que nasce da perda, da ausência, da solidão, da incompreensão. É o vazio imenso que se instala quando os sonhos se desfazem, quando o amor não encontra abrigo, quando a esperança parece ter se perdido no caminho.
É uma dor que não se cura com analgésicos, que não se explica com palavras simples. Ela exige escuta, tempo, acolhimento. Às vezes, tudo o que a alma precisa é de um olhar que compreenda, de um abraço que não julgue, de um silêncio que respeite. Mas há também beleza nesse sofrimento. Porque é nele que a alma se revela, se transforma, se fortalece. É na travessia da dor que descobrimos quem somos, o que importa, o que nos move. A alma sofre, mas também aprende, cresce e renasce.
Que possamos apesar dos prós e contras da vida, cuidar da nossa alma com a mesma atenção que damos ao corpo. Que possamos, igualmente, reconhecer as nossas dores, sem aquela pecha (vício) de vergonha, sem medo e sem atropelos. Porque toda alma que sofre carrega em si a semente da cura. O sofrimento da alma é uma espécie de campo vasto e pode ser explorado sob diferentes perspectivas.
A alma sofre em silêncio, perguntarão meus leitores e amigos? Sim. Sofre. Não por falta de voz, mas porque a sua dor é sutil, invisível, muitas vezes incompreendida. É o tipo de sofrimento que não se explica com palavras, pois nasce de sentimentos profundos: saudade, culpa, vazio, angústia. Se apresenta como uma tempestade interna que não molha a pele, mas afoga o espírito. Literalmente.
Vejamos, agora, o que diz o filósofo Nilo Deyson Monteiro Pessanha, “o sofrimento pode ser um espelho que nos obriga a encarar o ego, a refletir sobre nossas escolhas, crenças e valores”. Nesse tom, ele propõe que a dor seja vista como um convite à crítica e ao autoconhecimento, e não como uma espécie de punição. Para muitos pensadores espirituais, como Divaldo Franco, “o sofrimento é um portal”. Concordo plenamente. A meu entender, ele rasga o véu das ilusões e nos empurra para dentro, para uma jornada de despertar.
Bato na tecla que é no colapso, ou seja, na perda, na doença, na ruptura que a alma se rende e começa a buscar o verdadeiro sentido. Essa busca pode levar ao reencontro com o sagrado, com o propósito, e também, com a essência. Na doutrina espírita, por exemplo, agora citando Léon Denis, o sofrimento é visto como uma oportunidade de evolução. Para Herculano Pires, “muitas dores são reflexos de escolhas passadas, e outras são instrumentos de aprendizado”. Na visão de Camille Flammarion, “a dor moral, pode ser terapêutica. Ela nos tira da zona de conforto e nos obriga a mudar, a reparar e a perdoar”.
Chico Xavier dizia que “a alma que sofre também pode iluminar. Quando a dor é acolhida, e compreendida”. Particularmente, eu asseveraria que a dor pode ser a qualquer tempo, “ressignificada” (guardem bem essa palavra), cuja sentido seria, como pesquisa feita via Internet, “algo a que se deu um novo sentido, tipo valor, função ou forma geralmente com o intuito de superar padrões estabelecidos ou de se enxergar uma situação sob uma nova perspectiva mais positiva e construtiva”. O sofrimento não precisa ser fim. Pode ser começo. Pode ser, e de fato é, o solo fértil onde brota a cura, onde predomina a arte, e sobretudo, onde se vivifica grandemente a FÉ.
Aproveitando o gancho, darei “uma palhinha” rápida sobre duas figuras ilustres. Fernando Pessoa e Clarice Lispector. Ambas gigantes da literatura que mergulharam fundo na alma humana, cada um à sua maneira, com estilos distintos, mas igualmente intensos. Suas reflexões atravessaram temas como identidade, solidão, sentido da existência e o mistério do ser.
Fernando Pessoa, no dizer do saudoso gaúcho Luiz Fernando Veríssimo, “não era apenas um poeta, era muitos”. Verdade. Fernando Pessoa criou heterônimos como também o fizeram Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis, cada um com uma visão de mundo própria. A obra de Fernando Pessoa é marcada por fragmentações do “eu”. “Tenho em mim todos os sonhos do mundo”, diz ele em “o Livro do Desassossego”, revelando um sujeito dividido, múltiplo, em busca de sentido.
“O Livro do Desassossego” seu livro mais “espetaculoso” se tornou uma espécie de canção de introspecção radical, onde o autor asseverava que “A heteronímia é como uma resposta à complexidade”. Pois bem. Fernando Pessoa não se contentava com uma só voz, pelo contrário, ele se “outrava”, ou dito de forma mais simples, criava uma série de outros personagens que pensavam diferente dele.
Clarice Lispector seria outra que considero uma “fera insuperável”. Ela escrevia como quem escava a alma. Ia fundo. Seus textos são densos, líricos, e muitas vezes desconcertantes. Sua literatura nos convida a sentir antes de entender a busca do “eu”. Em “A Paixão Segundo G.H”, a protagonista vive uma epifania ao encarar uma barata. Transborda em nós, uma espécie de mergulho profundo e quase sem volta no que descreveria como “abismo do ser”.
Assim como Fernando Pessoa, segundo estudos comparativos, ambos problematizavam a identidade e o “eu” moderno. Nessa senda, o português Fernando Pessoa fragmentou o sujeito em múltiplas vozes, ao passo que a ucraniana de origem judaica Clarice Lispector dissolveu a criatura em sensações e silêncios. No geral, os dois revelaram que “o ser humano é um mistério e que a literatura é uma forma de tocá-lo”.
Entre tapas e beijos, pescoções e pernadas, juntando Fernando Pessoa e Clarice Lispector, aprendemos que o sofrimento da alma é aquele como já disse acima, no início desse texto, “é o que nasce da perda, da ausência, da solidão e da incompreensão. É o vazio que se instala quando os sonhos se desfazem, quando o amor não encontra abrigo, ou quando a esperança parece ter se perdido no caminho”.
Resumindo, é uma dor que não se cura com analgésicos, que não se explica com palavras simples. Ela exige escuta, tempo e acolhimento. Às vezes, tudo o que a alma precisa é de um olhar que compreenda o não visto, de um abraço apertado e afetuoso que não julgue, de um silêncio puro que respeite o que não foi dito. Não devemos nos esquecer que há também beleza nesse sofrimento. Porque é nele que a alma se revela, se transforma e se fortalece. É na travessia da dor, como o cruzamento de uma ponte imensa, que descobrimos quem somos, o que nos importa e o que nos move.
Repetindo a pergunta: a alma sofre? Sim, sofre e muito. Mas percebam, também com esse sofrimento aprendemos, crescemos, renascemos. Que possamos, pois, cuidar da nossa alma com a mesma atenção que damos ao corpo. Que tentemos reconhecer nossas dores, sem vergonha, sem as máscaras do medo. Toda alma que sofre ou que padece, ou que se estropia, carrega em si a semente da cura. A alma sofre porque PENSA demais, como diria Fernando Pessoa.
A alma sofre porque SENTE demais, como asseverava Clarice Lispector. E entre o PENSAR e o SENTIR, ela se DESFAZ, e se REFAZ. O sofrimento não é o fim, é apenas um caminho longo para a travessia. É o lugar onde o “eu” se encontra com o mistério. E ali, no fundo da dor em sua melhor forma de expressão, é ali que nasce a poesia.
Para mim, em particular, a alma que sofre, sobrevive. Sobrevive sempre. E mais: ela não apenas sobrevive, ela se remodela, e se transforma. Se refresca. O sofrimento da alma é como o vento forte que dobra a árvore, mas não a quebra. Ele testa as raízes, desafia a estrutura, mas, como um todo, também ensina como passar por tudo com perseverança e paciência.
A alma que sofre, vista agora por outra ótica, aprende a escutar o silêncio, a valorizar o instante e a reconhecer a beleza escondida nas pequenas coisas. Ela se torna mais sensível, mais profunda, mais verdadeira, mais dona de si. É como o barro que, ao ser moldado pela dor, vira arte. A dor, portanto, não é o fim. É o processo. E a alma, mesmo ferida, como diz o escritor moçambicano Mia Couto, ela carrega dentro de si uma força ancestral que a empurra para frente. Confiram: “A alma não tem cicatrizes. Tem memórias que brilham.”
Eu, como mero “escrevinhador”, me acho, como uma espécie de Mia Couto vivendo os tempos de hoje. A minha alma não sofre. O sofrimento da minha alma é a base, o alicerce, a estrutura do meu amanhã que ainda nem chegou, todavia, acreditem, ele, o meu porvir, ainda está por chegar. E chegará. Respondendo à pergunta embutida no título: Será que ele, o Sofrimento, é eterno? Não, meus caros. O sofrimento é um ser PASSAGEIRO.
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Aparecido Raimundo de Souza, natural de Andirá/PR, 1953. Em Osasco, foi responsável, de 1973 a 1981, pela coluna Social no jornal “Municípios em Marcha” (hoje “Diário de Osasco”). Neste jornal, além de sua coluna social, escrevia também crônicas, embora seu foco fosse viver e trazer à público as efervescências apenas em prol da sociedade local. Aos vinte anos, ingressou na Faculdade de Direito de Itu, formando-se bacharel em direito. Após este curso, matriculou-se na Faculdade da Fundação Cásper Líbero, diplomando-se em jornalismo. Colaborou como cronista, para diversos jornais do Rio de Janeiro e Minas Gerais, como A Gazeta do Rio de Janeiro, A Tribuna de Vitória e Jornal A Gazeta, entre outras. Hoje, é free lancer da Revista ”QUEM” (da Rede Globo de Televisão), onde se dedica a publicar diariamente fofocas. Escreve crônicas sobre os mais diversos temas as quintas-feiras para o jornal “O Dia, no Rio de Janeiro.” Acadêmico da Confraria Brasileira de Letras (Floresta/PR). Reside atualmente em Vila Velha/ES.
Fontes:
Texto enviado pelo autor.
Imagem = Associação Espírita Allan Kardec
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