Melhor que a criança, ninguém pode definir as coisas da natureza! A criança tem o sentimento livre, é livre para amar e liberada para não gostar!
“Um mar tão grande, com ondas tão pequenas!”, foi como Ana Carolina, a caçula aqui de casa, definiu a praia de Nossa Senhora do Ó. Admirou-se, nadando na imensidão atlântica, com a paz das águas que não se mexiam quase, naquele domingo de férias do mês de janeiro.
É assim mesmo a Praia do Ó, entre Pau Amarelo e Conceição. O mar vem a todo instante beijar as areias brancas e ainda limpas, mas o faz levemente, deixando o ósculo a se espraiar com o alvo das espumas. É amante à moda antiga, capaz de acariciar com a mão espalmada e a leveza de uma pluma, a face da amada.
No Ó, logo cedo, dobra o sino da paróquia, convidando a gente simples – os nativos e os veranistas, que forasteiros não são –, para a integralidade do contato com o Criador e a natureza. A Missa e depois a praia!
Um misto de mar e campo é a praia do Ó! O peixe chegando fresquinho em jangadas carcomidas de tantas viagens mar adentro, o camarão vermelhinho vendido nas portas contrasta com o gado pastando, pachorrento ou o beija-flor rabo-de-tesoura sugando rápido o néctar das papoulas e o mel das rosas. Lagostas aos montes, bulindo, quase vivas ainda ou o caju novinho, amarelo ou vermelho forte, fresco, ao gosto do poeta que foi Mauro Mota ou em passas, como gostamos nós, os mortais e incapazes do verso fácil.
Em dias de semana, em tempos de trabalho, aqui e ali, uma alma perdida toma o sol por padroeiro. Raramente uma mulher amorenada da tez e arabizada de face, como disse Gilberto Freyre, deixa o corpo mais livre. Aos sábados e domingos não precisa a caminhada, basta sentar na frouxidão da areia e admirar a passagem de gente toda bonita, de gente que é paisagem misturada à imensidão do mar.
Gente urbana curtindo o sol e gente rural com ares citadinos, vermelha feito um tição, gente que é do mar e é rural, catando a mariscada que na panela vai dá, ao coco ou ao azeite, prato pra toda a família.
(Texto escrito quando Ana Carolina, a filha caçula, tinha entre 3 e 5 anos de idade)
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Geraldo José Marques Pereira nasceu em Recife/PE, em 1945 e faleceu na mesma cidade em 2015, formou-se em Medicina na UFPE em 1986. Fez o mestrado no Departamento de Medicina Tropical da instituição, do qual se tornou coordenador posteriormente. Foi diretor do Centro de Ciências da Saúde e fundou o Núcleo de Saúde Pública e Desenvolvimento Social (Nusp) da universidade. Vice-reitor da instituição de 1996 a 2004 e, quando o reitor precisou se afastar entre março e novembro de 2003, foi reitor em exercício. Fora da universidade, integrou a Comissão Estadual de Saúde, a Comissão Científica de Combate à Dengue do Governo do Estado e a Comissão de Cólera da UFPE e da Cidade do Recife, além de participar do Conselho Científico do Espaço Ciência da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente de Pernambuco. Por conta dos inúmeros artigos científicos publicados, ainda foi membro da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores e do Conselho Estadual de Cultura e presidente da Academia Pernambucana de Medicina. Escrevia crônicas e, em março de 2011, assumiu a cadeira de número 16 da Academia Pernambucana de Letras, que já havia sido ocupada pelo seu pai, o escritor Nilo Pereira.
Fontes:
Geraldo Pereira. Fragmentos do meu tempo. Recife/PE. Disponível no Portal de Domínio Público
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

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