domingo, 5 de outubro de 2025

Asas da Poesia * 107 *


Poema de
JORGE FREGADOLLI
Maringá/PR

João-de-barro, engenheiro da floresta

Feliz é o joão-de-barro,
constrói em qualquer lugar.
Ninguém, pois, lhe tira o sarro,
não lhe vai incomodar!

João-de-barro é engenheiro,
doutor pela natureza.
Porém, trabalha o ano inteiro…
sua casa, que beleza!

Um passarinho de nada
faz as casas em paineira.
Não tem diploma, que nada,
neste palco ele gorjeia!

João-de-barro, inteligente,
nem estudou – quem diria!
É arquiteto, docente,
um mestre em engenharia!

Não tem medo, se o tivesse,
não faria belo ninho.
Deus, ouvindo sua prece…
joão-de-barro, passarinho!
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Aldravia de
CECY BARBOSA CAMPOS
Juiz de Fora/MG

estrelas
choram
lágrimas
prateadas
lamentando
ausências
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Poema de
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

A grande mestra

 Não temas que o Destino te atraiçoe
 pondo pedras demais no teu caminho.
 Usa as pedras que acaso ele te doe,
 e, ao construir, não estarás sozinho!

 Se Deus te deu a luz da inteligência
 e o poder de ir e vir em liberdade,
 tens o solo, a semente e, com paciência,
 um dia hás de colher felicidade!

 Não creias, por temor e covardia,
 que só o Destino teu porvir decida!
 – Destino tu constróis, a cada dia!
 E a Grã Mestra da Obra é a própria Vida!
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Glosa de
GISLAINE CANALES
Herval/RS, 1938 – 2018, Porto Alegre/RS

Ruas do Céu

MOTE:
Este céu tem lindas ruas
e Deus, para enriquecê-las,
de prata pintou as luas
e bordou o chão de estrelas.
Sarah Rodrigues
Belém/PA

GLOSA:
Este céu tem lindas ruas,
cheias de encanto e harmonia,
de tristezas, estão nuas,
nelas, só existe alegria!

São as mais belas de todas
e Deus, para enriquecê-las,
deu-lhes luz de eternas bodas...
Impossível descrevê-las!

Pra não ver mais cores cruas,
com seu pincel de emoção,
de prata pintou as luas
com a mão do coração!

Quis belezas extasiantes
e, assim, para poder tê-las,
pintou as luas distantes
e bordou o chão de estrelas.
= = = = = = = = =  

Soneto de
SÍLVIA ARAÚJO MOTTA
Belo Horizonte/MG

Segredo da despedida

Ao meio dia, alegres dois ponteiros,
cantaram juntos para a paz buscar;
o sol tornou dois corpos mais inteiros,
brilho no rio quis logo espelhar!

Testemunhou paixão febril, no olhar,
firmes mãos dadas, toques bem ligeiros
no tim-tim-tim que o copo fez cantar,
canção vibrante quis os tons primeiros.

Água que passa suja, leva tudo,
No entardecer, relógio, chama agora:
-Já são seis horas...tempo fica mudo.

Na despedida penso:-Quero tê-lo!
Tal qual criança sofre e vai embora...
Tristonha vou...não posso mais detê-lo.
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Triverso de
ANTONIO LUIZ LOPES TOUCHÉ
Guarulhos/SP

A Maria-sem-vergonha 
Como a rosa e a margarida, 
Cumpre a sina: floresce. 
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Spina de
NEUMA TOLEDO
São Paulo/SP

Recado

Soprando, o vento
me contou que
você roubou Deus.

Tirou todo azul do céu 
pôs nos seus lindos olhos,
esqueceu de tingir os meus
que são escuros como graúnas
lembram petróleo cheio de breus.
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Pantum de
MIFORI
(Maria Inez Fontes Rico)
São José dos Campos/SP

Doa-se um coração

Doa-se um bom coração...
Muito afoito e destemido!
Já viveu tanta paixão,
apesar de ter sofrido...

Muito afoito e destemido,
um eterno sonhador.
Apesar de ter sofrido
da solidão tem horror.

Um eterno sonhador,
por muitos, manipulado.
Da solidão tem horror;
quer amar e ser amado.

Por muitos, manipulado
mas ainda em condição...
Quer amar e ser amado!
Doa-se um bom coração...
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Soneto de
ERÁCLIO SALLES
Santo Amaro da Purificação/ BA

Teu Presente
 
Pensei que a terra, por demais escura,
Manchasse o alvor de teus formosos braços.
E arrojei-me, quixótico, aos espaços,
Sorvendo aos tragos a amplidão da altura.

Penetrei mundos de celeste alvura,
Cansando o olhar, multiplicando os passos.
Venci desertos, esmaguei cansaços,
De um presente trazer-te, indo à procura.

Fiquei cego de ver tanta miragem,
Fitando estrelas, no ansiar profundo.
Nem só uma escolhi – tantos cuidados! -

Nada te posso dar dessa viagem.
Mas sei, no entanto, que te trouxe um mundo
Na memória dos olhos apagados.
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Poema de
ANTÓNIO GEDEÃO
(Rómulo Vasco da Gama de Carvalho)
Lisboa/Portugal, 1906 – 1997

Poema da malta das naus

Lancei ao mar um madeiro,
espetei-lhe um pau e um lençol.
Com palpite marinheiro
medi a altura do Sol.

Deu-me o vento de feição,
levou-me ao cabo do mundo.
pelote* de vagabundo,
rebotalho** de gibão.

Dormi no dorso das vagas,
pasmei na orla das praias
arreneguei, roguei pragas,
mordi peloiros*** e zagaias****.

Chamusquei o pelo hirsuto,
tive o corpo em chagas vivas,
estalaram-me a gengivas,
apodreci de escorbuto.

Com a mão esquerda benzi-me,
com a direita esganei.
Mil vezes no chão, bati-me,
outras mil me levantei.

Meu riso de dentes podres
ecoou nas sete partidas.
Fundei cidades e vidas,
rompi as arcas e os odres.

Tremi no escuro da selva,
alambique de suores.
Estendi na areia e na relva
mulheres de todas as cores.

Moldei as chaves do mundo
a que outros chamaram seu,
mas quem mergulhou no fundo
do sonho, esse, fui eu.

O meu sabor é diferente.
Provo-me e saibo-me a sal.
Não se nasce impunemente
nas praias de Portugal.
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* Pelote = Peça de vestuário antiga, de abas largas e grandes
** Rebotalho = refugo
* * * Peloiros = bala de metal
* * * * Zagaias = lança curta
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Soneto de
DOROTHY JANSSON MORETTI
Três Barras/SC, 1926 – 2017, Sorocaba/SP

Poeta

… reconheceram a canção que cantariam,
se soubessem cantar .
Helena Kolody

Nunca lhe falta a sensibilidade,
a sutileza, o dom de transferir
às palavras toda a expressividade
na alegria ou na mágoa do sentir.

O poeta é assim, é versatilidade…
Seja o que for que intente traduzir,
mergulha em vida, em sonho, em realidade,
faz de uma noite a aurora reflorir.

Transcende as dores de um mundo sofrido,
pisa os mistérios do desconhecido,
traz as estrelas para o nosso chão.

E quem o escuta, exclama, fascinado:
“Era assim que eu queria ter cantado,
se soubesse escrever minha canção!”
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Soneto de
LAÉRCIO BORSATO
Poços de Caldas/MG

Meu sublime motivo

Eu, que na vida, sempre fui tão inconstante,
Agora me detenho num tema exclusivo:
A cordas dessa lira, fortes vibrantes,
Fazem parte do mundo belo em que vivo...

É como uma mensagem de paz. Num instante,
Vem à minha alma como um doce lenitivo.
Nesse agito, o meu ser torna-se redundante:
Desejo escrever... É meu sublime motivo!

Nessa jornada, no campo imenso da poesia,
Encontro essa beleza que antes não sentia...
São simples temas - nobres joias esquecidas!...

Em cada verso, doo um pouco de mim mesmo.
Nesse jardim inerte, no abandono, a esmo,
Cultivo meu canteiro de belas margaridas!...
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Poema de
ANNA ENQUIST 
Amsterdam/Holanda

Cena Campestre

A casa esperou por nós,
pensamos. O duplo renque de árvores
acena-nos que nos cheguemos. Num sussurro,
o rio vai escorregando cheio
entre as margens.

 À hora exacta, o sol vai esconder-se
por trás dos campos. A escuridão
envolve a casa que nos protege.
Acendemos o fogo, bebemos
entre as paredes.

 Vendi-me inteira à
segurança e debruço-me da janela.
Dormem cavalos e galos, a água
pisca o olho à lua, e eu a pagar,
sempre a pagar.
(tradução: Catherine Bare)
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Soneto de
MANUEL NETO DOS SANTOS
Alcantarilha/ Silves/ Portugal

Primavera Esperada

Vem amor, quando chegar a Primavera, 
Fazer com que floresça o meu sorrir, 
Prender-me com os teus braços de hera 
E amar-me no regaço do devir. 

Vem amor, quando a terra florescer 
E o ar, almiscarado de perfume, 
Em brisas de ternura te disser 
Que acendas no meu corpo esse teu lume. 

Vem amor, quando a greda revolvida 
Florir, numa aquarela aveludada; 
Boninas, lírios brancos, açucenas… 

Vem, amor! Quando o dia, a alvorada, 
Florir as flores, mesmo as mais pequenas 
E traz-me, então, de volta a própria vida.
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Poema de
JOSÉ AUGUSTO DE CARVALHO
Viana/Portugal

Poema para Maria

 Os longes da memória, o tempo e o modo
renascem, inventados, água e lodo...

 Rasgando a treva, a chama de um farol,
por montes, vales, plainos, surge o trilho...

 O múrmuro trinar do rouxinol
poisou no choro brando do teu filho.

 E de montante, o rio rumoreja,
espreguiçando a doce melodia.

 P'los campos, o olivedo que esbraceja
candeia que há-de ser já anuncia...

 Na calma santa e mítica de luz,
a vida sonha e quer-se imaginário...

 O tudo e o nada, o todo se reduz
ao berço do infinito planetário...
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Soneto de
VINÍCIUS DE MORAES
Rio de Janeiro/RJ, 1913 – 1980

Soneto de Meditação I

Mas o instante passou. A carne nova
Sente a primeira fibra enrijecer
E o seu sonho infinito de morrer
Passa a caber no berço de uma cova.

Outra carne virá. A primavera
É carne, o amor é seiva eterna e forte
Quando o ser que viveu unir-se à morte
No mundo uma criança nascerá.

Importará jamais por quê? Adiante
O poema é translúcido, e distante
A palavra que vem do pensamento

Sem saudade. Não ter contentamento.
Ser simples como o grão de poesia.
E íntimo como a melancolia.
= = = = = = = = =  

Spina de
BETH IACOMINI
Ponte Nova/MG

Cenário campestre

Árvores têm casa
cercadas de aves, 
telhados de sapê.

As portas de cor amarela 
brilham ao nascer do Sol.
Vista mágica: pés de Ipê... 
Flor do campo no entorno
amor reina, juntos eu, você.
= = = = = = = = =  

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