CASTRO ALVES
Freguesia de Muritiba (hoje, Castro Alves)/BA, 1847 – 1871, Salvador/BA
O crepúsculo sertanejo
A tarde morria! Nas águas barrentas
As sombras das margens deitavam-se longas;
Na esguia atalaia das árvores secas
Ouvia-se um triste chorar de arapongas.
A tarde morria! Dos ramos, das lascas,
Das pedras, do líquen, das heras, dos cardos,
As trevas rasteiras com o ventre por terra
Saíam, quais negros, cruéis leopardos.
A tarde morria! Mais funda nas águas
Lavava-se a galha do escuro ingazeiro...
Ao fresco arrepio dos ventos cortantes
Em músico estalo rangia o coqueiro.
Sussurro profundo! Marulho gigante!
Talvez um — silêncio!... Talvez uma — orquestra...
Da folha, do cálix, das asas, do inseto...
Do átomo — à estrela... do verme — à floresta!...
As garças metiam o bico vermelho
Por baixo das asas, — da brisa ao açoite —;
E a terra na vaga de azul do infinito
Cobria a cabeça co'as penas da noite!
Somente por vezes, dos jungles* das bordas
Dos golfos enormes, daquela paragem,
Erguia a cabeça surpreso, inquieto,
Coberto de limos — um touro selvagem.
Então as marrecas, em torno boiando,
O voo encurvavam medrosas, à toa...
E o tímido bando pedindo outras praias
Passava gritando por sobre a canoa!…
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* jungles = selvas
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Soneto de
BENEDITA AZEVEDO
Magé/RJ
Minha lira
Minha lira interior vibrando ao te encontrar,
Levando-me de volta a dias tão distantes,
Naquele nosso encontro, e a mim sempre garantes
Que foi somente o acaso ali sob o luar...
Que nos levou também ao céu naquele abraço,
ao contar as estrelas em todo esplendor
de uma noite suave e cheia de sabor...
Nós dois ali sentados perto do terraço.
Mamãe a nos olhar vai chegando à janela,
convida-me a entrar, é hora de dormir
cordialmente vais sem nem se despedir.
Canta meu coração, tal qual naqueles dias,
Ao entrar em meu quarto, enquanto tu partias...
Mas, hoje, meu amor, só eu vou decidir.
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Poema de
SILAS CORRÊA LEITE
Itararé/SP
Família
Minha mãe fritava polenta
e convidava a aurora para o banquete
Clarice tinha tranças bonitas
e uma voz de santa
Sueli era uma janela fechada
esperando um príncipe encantado
Erzita era a "irmãe" mais velha
guardiã dos sonhos de nós todos
Paulo e eu brigávamos muito
e tínhamos o destino da luta
(Célio sequer existia ainda
para ser nosso referencial futuro)
Depois meu pai vendeu a casa
Morreu
virou saudade e nos deixou Célio Ely
de herança
E minha mãe com sua voz de clarinete
ainda alonga orações por nossos sonhos.
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Quadra Popular
Quando eu te vi, logo disse:
lindos olhos para amar,
linda boca para os beijos
se a menina os quiser dar.
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Soneto de
JOSÉ XAVIER BORGES JUNIOR
São Paulo/SP
O Livro que não leste
De quais ignotos mundos transcendeste,
Para perder-te assim em meu passado?
E ao te perder perdi meu sonho amado...
A quais ignaros mundos pertenceste?
Por que à ignávia* lassidão cedeste?
E por que teu amor tens abrandado
Se por ti eu teria abandonado
De novo toda a vida que me deste?
Em quais ignóbeis mundos te perdeste
Vagando assim ao léu desencantado,
Que ao ferir-me sequer te apercebeste?
Eu sou a sinfonia que fizeste,
E o amor que te dedico, abnegado
É o livro da tua vida, que não leste!
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* ignávia = covarde, indolente.
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Poema de
VIVALDO TERRES
Itajaí/SC
Ao encontrar-te
Ao encontrar-te na rua.
Maltrapilha, quase nua,
Implorando pedaço de pão,
Quem te conheceu não sabe,
Que fostes qual majestade
Morando numa mansão.
Tratavas teus serviçais
Como se fossem animais,
Sem amor ou compostura.
Hoje estás abandonada,
Passas as noites na calçada,
Como mendiga de rua.
Quantas noites recebestes
Esmola e compreensão
Dos mesmos que maltratavas
E arrogante, gritavas:
Vão trabalhar malandrões!
Os mesmos, indignados,
Mas pobres e necessitados.
Fingiam não te escutar
Pois eram gente honesta
Precisavam do trabalho
Pra seus filhos sustentar.
E tu, com arrogância,
Não pensavas que ferias
a alma e o coração
Daqueles que trabalhavam,
Cujo suor derramavam
Para ganharem seu pão..
Hoje vives abandonada,..
Cansada, desmemoriada,
Talvez sintas dor profunda.
Tua casa é a marquise,
Tua cama é a calçada,
Pois és mendiga de rua.
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Soneto de
OLIVALDO JÚNIOR
Mogi-Guaçu/SP
O segredo de um tesouro
“Um bom amigo, que nos aponta os erros e as imperfeições e reprova o mal, deve ser respeitado como se nos tivesse revelado o segredo de um oculto tesouro.”
(Sidarta Gautama - BUDA)
O segredo de um tesouro
não está no que se tem,
mas no que nos vale ouro:
ser a luz irmã de alguém.
Toda luz é mais que o louro
das vitórias de um 'ninguém',
um senhor que tira o couro
dos irmãos e o seu também.
Vem cansado e sem abrigo
este irmão aqui presente,
sem a luz que mais persigo...
Um tesouro é um bom amigo,
um irmão que o faz contente,
bem cantante, vento ao trigo!…
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Poema de
VINÍCIUS DE MORAES
Rio de Janeiro/RJ, 1913 – 1980
A carta que não foi mandada
Paris, outono de 73
Estou no nosso bar mais uma vez
E escrevo pra dizer
Que é a mesma taça e a mesma luz
Brilhando no champanhe em vários tons azuis
No espelho em frente eu sou mais um freguês
Um homem que já foi feliz, talvez
E vejo que em seu rosto correm lágrimas de dor
Saudades, certamente, de algum grande amor
Mas ao vê-lo assim tão triste e só
Sou eu que estou chorando
Lágrimas iguais
E, a vida é assim, o tempo passa
E fica relembrando
Canções do amor demais
Sim, será mais um, mais um qualquer
Que vem de vez em quando
E olha para trás
É, existe sempre uma mulher
Pra se ficar pensando
Nem sei... nem lembro mais
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Soneto de
HERMES FONTES
Buquim/SE, 1888 – 1930, Rio de Janeiro/RJ
Luar
(em Gênese)
Noite ou dia?! Ilusão... É noite. A Natureza
tem um pudor de noiva, ao beijo do noivado:
sonha, velada por um véu diáfano, e presa
de um sonho branco, um sonho alegre, iluminado.
A Lua entra por toda a parte, clara, acesa...
Desabrocham jasmins de luz, de lado a lado...
E o luar – vê bem: dirás que é o óleo da Tristeza
diluído pelo céu... pela terra entornado...
E há nos raios da Lua – a um tempo, hastis e lanças,
corações a sangrar feridos do infortúnio,
flores sentimentais do jardim das lembranças...
A ave do Sentimento as asas bate e espalma...
e, enquanto se abre aos céus a flor do Plenilúnio,
abre-se, dentro em nós, o plenilúnio da Alma...
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Poema de
GONÇALVES DIAS
Caxias/MA, 1823 – 1864, Guimarães/MA
Canção do exílio
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas tem mais flores,
Nossos bosques tem mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar - sozinho, à noite -
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
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Grinalda de Trovas de
FILEMON MARTINS
São Paulo/SP
Mulher
Segue uma estrada florida
quem, na verdade, tiver
a glória de ter, na vida,
um coração de mulher!
Filemon Martins
Quero seguir meu destino
com minha cabeça erguida,
quem ama o bem, imagino,
segue uma estrada florida.
Segue uma estrada florida,
quem é da paz e requer
a esperança protegida,
quem, na verdade, tiver.
Quem, na verdade, tiver
uma paixão desmedida,
felicidade é mister
a glória de ter, na vida.
A glória de ter, na vida,
um amor minha alma quer,
numa paixão incontida
um coração de mulher!
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Hino de
Itaboraí/ RJ
Pedra Bonita,
foi assim que te chamaram
Certa vez em Guarani
Terra bendita,
é assim que hoje
te chamo minha Itaboraí
Tens uma porta aberta para o mar
És a janela do nosso país
Quem vem de longe aprende a te amar
Quem nasce aqui é a tua raíz
Com a argila do teu solo
O calor do teu colo
E o suor do teu povo
Vamos seguir com firmeza
E ajudar com certeza
A construir um mundo novo
És um eterno poema
Que tem como tema a felicidade
Escrito pelo criador,
que te transformou nesta bela cidade (Bis)
Teus laranjais,
teus imortais
A tua história é um hino de amor
És a própria paz,
porque sempre estás
nas mãos de nosso senhor (Bis)
Itaboraí, Itaboraí!
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Soneto de
BERNARDO TRANCOSO
Vitória/ES
Ser feliz
Vida é viver, é ser alguém, é ser ninguém,
Quando quiser; é não mentir, sempre sorrir,
Morrer de rir, quando puder; é querer bem,
Homem, mulher, um ser qualquer, sem resistir;
Não desistir, nunca chorar, só quando tem
Alguém pra ouvir; sonhar, lutar, pra descobrir
O que é amar, o que é sentir; saber também
Que é grande o amor, elevador, sempre a subir;
Crescer, ter fé, firmar o pé, pisar no chão
E caminhar; Andar e crer, buscar, querer,
Na imensidão, o teu lugar; ter mente exposta
E, a quem te gosta, essa canção, teu coração;
Responder "não", pra quem te diz: "Ser ou não ser:
Eis a questão"; pois SER FELIZ: eis a resposta.
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Fábula em Versos de
JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry/França, 1621 – 1695, Paris/França
O passarinheiro, o açor* e a cotovia
A injustiça, o rigor desculpam-se em geral
Citando como exemplo a quantos fazem mal,
Ninguém deve esquecer a regra tão cediça:
«Respeite sempre os mais quem atenções cobiça».
Certo dia um campónio armava aos passarinhos —
Vem despontando abril, estão já sós os ninhos,
A grande natureza há muito que não dorme,
O campo todo em flor ostenta um luxo enorme,
Imprime vibrações no ambiente perfumado,
O constante esvoaçar do inquieto mundo alado —
E o homem de atalaia...
De repente sorri dizendo: — «Talvez caia!»
— Cair o quê? Não sei — objeta-me o leitor.
Era uma cotovia. A tola, a sensabor
Dispunha-se a trocar a boa liberdade
Pela rede traiçoeira, e até, que ingenuidade!
Vinha cantando alegre a procurar a morte:
Ou se é, ou não se é forte.
Neste ponto um açor, que andava pelos ares,
Faminto, peneirando em voltas circulares,
Avista a pobrezinha e rápido qual seta
Silvando fende o espaço em breve linha reta,
Cai sobre a cotovia, empolga-a rudemente,
Aperta-a, despedaça-a em fúria recrescente.
Que bárbaro glutão!
Viu tudo o caçador e resolveu-se então
A puxar o cordel da pérfida armadilha,
Que ao distraído açor enreda, envolve e pilha.
Colhido de improviso o bicho quer soltar-se,
Mas logo dissuadido, usando de disfarce,
Murmura em voz mui doce:
«Meu caro caçador, sem dúvida enganou-se,
Podia lá prender-me! Eu nunca lhe fiz mal!...»
Replica-lhe o campónio: «E o pobre do animal
Que aí tens, fez-te algum? Não me responderás?»
O açor quis responder, porém não foi capaz.
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* Açor = ave de rapina, semelhante ao falcão.
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