quinta-feira, 25 de setembro de 2025

Geraldo Pereira (A alma plena)

Este espaço de jornal em que exercito os meus pendores, às vezes literários, e no qual deixo aflorar os meus sentimentos, é muito mais que mágico. Espaço de meus encontros e de meus reencontros e espaço até de minhas reparações d’alma! Conheci, a partir daqui mesmo, diversas pessoas, leitoras todas das crônicas ensaiadas em momentos assim, do emergir das emoções, dos ganhos ou das perdas que a vida traz. E se encontrei a tantos, reencontrei a outros, velhos companheiros dos bancos de escola, dos tempos dos jesuítas e dos anos de faculdade, que me acompanham nesse mister delicioso de escrever e de ser lido. Com frequência, ouço alusões a um tema qualquer, fruto de minhas divagações do espírito ou resultante da prática nostálgica das minhas saudades. Chego a pensar que o cotidiano agrada a quem faz uma pausa na leitura das notícias do dia-a-dia e se identifica com o articulista, aprendiz sempre! Tanto faz o pretérito distante, como o presente rapidamente transformado em passado!

Certa vez, andando pela praia, nas brancas e finas areias de Pau Amarelo, tive a grata surpresa de ouvir de uma leitora o quanto lhe fizera bem um de meus artigos. A moça, sentada ao sol de verão, levantou-se e me disse de sua satisfação ao comungar das minhas ideias e talvez dos meus ideais. Precisava, como verbalizou, daquelas palavras solidárias, de uma certa reparação das falhas humanas, tão comuns, mas nem sempre compreendidas, do entendimento da fragilidade da criatura. Uma outra senhora, também, nas mesmas areias cálidas, me fez parar a caminhada e indagou: “Você escreve pra mim?”. É que as lembranças da infância e as recordações da juventude dos meus tempos coincidiam com as suas formas de reviver os anos. Sendo de meu grupo de idade, com certeza vivera episódios assemelhados ou andara por lugares parecidos, senão os mesmos de meus dias! Assim, parecia entrar no texto e participar da flexão das palavras e das frases, ajudando a formar períodos inteiros de vivências guardadas agora nos reservados recantos da memória!

Um dia desses, nas proximidades da av. Boa Viagem, ouço do carro ao lado ruidosa saudação de velho amigo – Rodolfo Coutinho –, colega do ginásio. A um só tempo falou dos assuntos de minhas últimas crônicas, dos filmes a que assistíamos juntos, burlando a vigilância descuidada nos cinemas da cidade. De Brigitte Bardot, musa encantada da juventude toda, uma antecipação da Vera Fisher de agora, forasteira e estrangeira, mas estímulo forte às fantasias daqueles tempos. Lembrou as brigas com outro colega de colégio, Marcionilo de prenome, de cujas contendas tomamos por castigo a expulsão materializada da antiga Congregação Mariana, que frequentávamos com olho grande na sinuca e nos outros jogos da sala, nada mais. E o sinal abriu, o encarnado sofreu a metamorfose do verde, impedindo o mais sublime dos atos, o de fiar conversa assim, rebuscando lembranças. Faltou muita coisa - É claro! -, das traquinagens todas, das inquietudes vocacionais primitivas, eclesiásticas por vezes, dos pecados repetidos aos ouvidos dos padres e muito mais! Um dia, recordaremos tudo isso!

Uma determinada crônica, dedicada a uma certa mãe dos meus distantes convívios, gerou uma atenciosa carta de outra senhora igualmente sofredora e da mesma forma desesperada. Dizia, em bom português, que sendo habitual leitora deste espaço, jamais imaginou tamanha sensibilidade. Não me conhecia, dizia e por isso, ideia não podia fazer! Assim, contou a sua desdita, os seus traumas e as suas frustrações. Li, com toda a atenção d’alma, reli muitas vezes e me fiz partícipe de suas dores. E se há noites em que rezo aos céus, na minha incredulidade do hoje, não dispenso essa inclusão em meus pedidos: a reflexão do espírito voltada para o leitor. Muito grato, então, aos leitores todos, aos que ligam e se expressam, aos que encontro no efêmero das ruas, aos que não me cumprimentam porque não podem e até aos que não gostam e dizem ou não dizem! Muito grato a Rodolfo Coutinho, a quem dedico a inspiração e a crônica!
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Geraldo José Marques Pereira nasceu em Recife/PE, em 1945 e faleceu na mesma cidade em 2015, formou-se em Medicina na UFPE em 1986. Fez o mestrado no Departamento de Medicina Tropical da instituição, do qual se tornou coordenador posteriormente. Foi diretor do Centro de Ciências da Saúde e fundou o Núcleo de Saúde Pública e Desenvolvimento Social (Nusp) da universidade. Vice-reitor da instituição de 1996 a 2004 e, quando o reitor precisou se afastar entre março e novembro de 2003, foi reitor em exercício. Fora da universidade, integrou a Comissão Estadual de Saúde, a Comissão Científica de Combate à Dengue do Governo do Estado e a Comissão de Cólera da UFPE e da Cidade do Recife, além de participar do Conselho Científico do Espaço Ciência da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente de Pernambuco. Por conta dos inúmeros artigos científicos publicados, ainda foi membro da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores e do Conselho Estadual de Cultura e presidente da Academia Pernambucana de Medicina. Escrevia crônicas e, em março de 2011, assumiu a cadeira de número 16 da Academia Pernambucana de Letras, que já havia sido ocupada pelo seu pai, o escritor Nilo Pereira.
Fontes:
Geraldo Pereira. Fragmentos do meu tempo. Recife/PE. Disponível no Portal de Domínio Público
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

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