segunda-feira, 22 de setembro de 2025

Aparecido Raimundo de Souza (Terapia caseira para ir além do cotidiano)

HÁ UMA MÚSICA que não apenas toca meus ouvidos, mas atravessa minha pele, corta como o vento em estrada aberta. Ela não tem nome fixo, não mora em um gênero específico. Às vezes me vejo sentado na sala, diante de meu Nord Stage 5, tocando essa maravilha, outras vezes me flagro em meio a uma espécie de orquestração ancestral, como se eu fosse o maestro com a batuta nas mãos regendo notas de um paraíso bem longe da Terra. 

Ainda que eu não esteja no teclado, somente ouvindo ou dedilhando o som das suas notas, como se vindas de um ponto distante. Não importa. Nessas horas simplesmente me transporto. Quando a música começa, o mundo ao meu redor desacelera. As paredes do meu apê desaparecem, e de repente sou lançado por trilhas suaves e invisíveis. Viajo nesses momentos mágicos, por horas e horas. Me deleito por sendas que não reconheço, mas que me acolhem. 

É como se cada nota tocada ou ouvida fosse uma bússola apontando o futuro para dentro de mim e não só me direcionando, ou me revelando paisagens, todavia, conduzindo meu espírito para lugares que nunca explorei. De roldão, visitarei lembranças esquecidas, abraçarei desejos não realizados, me livrarei de medos bobos que se camuflavam de coragem. Essa música, me fará viajar sem malas e sem mapas. Me levará por desertos de silêncio e florestas de emoções imorredouras. Às vezes, me encontro em um mundo paralelo. 

Me pilho num vilarejo onde o tempo parou, e então fico ouvindo vozes que falam em línguas que não conheço, mas por algum motivo entendo. Noutras, estou flutuando sobre cidades futuristas, como se estivesse plainado ao redor de prédios altos, onde cada batida me impulsiona em direção ao além mavioso de um céu desconhecido. Ela, a música, me ensina que o incógnito adventício e duvidoso, logo em seguida me mostrará que por onde eu transitar não será um lugar de perigo, porém de novas descobertas. 

Em seguida, me fará ver também que há uma beleza rara e incomum naquilo que não compreendo de imediato. Me fará crer que viajar em suas ondas sonoras não será apenas mudar de lugar, outrossim de perspectiva. E quando a derradeira nota ecoar, prevalecerá um arroubo sempiterno ameno e deleitável, e eu não serei mais o mesmo de antes. Trarei de volta, para o meu mundinho retido dentro do meu apartamento, um porvir esplendoroso. 

Regredirei diferente, é claro. Regressarei extasiado, contemplativo, arrebatado, embebido dos pés à cabeça com algo novo formado dentro de todo meu “eu”, ou seja, me exaltarei empanturrado, inundado a alma toda com ideias corpulentas, ingurgitadas numa sensação, e no ar que respiro uma paz jamais sentida. Essa música que ouço e se espalha, não me dará somente respostas. Ela me proporcionará algo mais e me mostrará caminhos sedentos de amanhã. 

Essa música eu diria sem medo de errar, acabou com a minha quase demência, com meu início de Alzheimer. Não sei o nome dessa música. Apenas me foi dado conhecer e entender que é composta de uma melodia que completou a minha vida. Me sinto, por conta, vivo. Igualmente me abraso livre, me incendeio. É a música terapia da minha vida. A indagação que agora deixo para você, meu caro amigo, é uma só: qual é à música da sua vida? Qual a melodia que lhe transportará para lugares além do chão onde atualmente está pisando? 

Sugiro que você pare e tente capturá-la. Se atenha a uma canção suave e serena, que seja envolvente, que provoque a sua alma, que contemple o seu espírito e, sobretudo, que lhe faça sentir seguro. Como a mim, você verá se dissolver o nevoeiro que o está afligindo. Acredite, essa música existe em cada um de nós e pasme, ela não só devolve a paz, alimenta a alegria de viver...e nos guia para um campo neutro onde nos sentimos realizados. 

Essa música lhe devolverá, ao mesmo tempo, no que melhor existe dentro do oco que fere a sua vida cotidiana. Faça, pois, como eu. Crie um ritual. Apague o mundo. Se recolha em sua cama, coloque os fones no ouvido e se deixe levar pelo som do amor. Ele lhe conduzirá. No dia seguinte, você não acordará apenas desperto. Você se maravilhará vivo. Lembre sempre do que direi antes de terminar: quando a mente começar a falhar, você se deparará, do nada com uma forma de dizer: “Ainda estou aqui.” 

E estará mesmo. Inteiro, saltitante, repaginado. Não é preciso muito para viajar longe. Nem passaporte, nem estrada, nem dinheiro. Basta um par de fones de ouvido e a coragem de se entregar ao som da música certa. Não qualquer som, não o barulho do que está ao seu redor, não o batuque frenético que o empurrará para fora, mas aquela centelha sutil que o desconectará do habitual. Tente capturar a música certa, aquela que não gritará nem agredirá seus tímpanos. 

A música certa, meu caro amigo é a que sussurrará. Ela é feita de instantes suaves, de acordes que parecem respirar. Poderá vir de um órgão solitário tocando como se conversasse com o infinito. Poderá ser de um piano, de uma sanfona, de uma guitarra, ou de um violino que deslizará acordes como água sobre pedra. O importante é que ela não lhe tire o foco, apenas o distraia e se revele a você por inteira. Você não precisará entender de música. Só carecerá de a sentir. À noite, quando tudo se acalmar, repito para que não esqueça: tome um banho, desligue as notificações, apague as luzes.  

Tente se desconectar e se ater ao som limpo, puro, como se ele fosse feito para você. E então, acontecerá. Algo mavioso, inesperado. A sua mente desacelerará. O coração mudará de ritmo. Baterá mais leve. Os pensamentos antes embaralhados, começarão a se alinhar como estrelas cadentes num céu magnânimo. Você não dormirá. Você se reconectará com você mesmo. Quando o dia seguinte nascer, você não acordará apenas descansado. Seu todo pulará para a vida, saltará de alma nova.  Você, meu amigo, se verá inteiramente R E N O V A D O.
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Aparecido Raimundo de Souza, natural de Andirá/PR, 1953. Em Osasco, foi responsável, de 1973 a 1981, pela coluna Social no jornal “Municípios em Marcha” (hoje “Diário de Osasco”). Neste jornal, além de sua coluna social, escrevia também crônicas, embora seu foco fosse viver e trazer à público as efervescências apenas em prol da sociedade local. Aos vinte anos, ingressou na Faculdade de Direito de Itu, formando-se bacharel em direito. Após este curso, matriculou-se na Faculdade da Fundação Cásper Líbero, diplomando-se em jornalismo. Colaborou como cronista, para diversos jornais do Rio de Janeiro e Minas Gerais, como A Gazeta do Rio de Janeiro, A Tribuna de Vitória e Jornal A Gazeta, entre outras.  Hoje, é free lancer da Revista ”QUEM” (da Rede Globo de Televisão), onde se dedica a publicar diariamente fofocas.  Escreve crônicas sobre os mais diversos temas as quintas-feiras para o jornal “O Dia, no Rio de Janeiro.” Acadêmico da Confraria Brasileira de Letras. Reside atualmente em Vila Velha/ES.

Fontes:
Texto enviado pelo autor. 
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

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