sexta-feira, 26 de setembro de 2025

Laé de Souza (O desconfiado)

Ediliando nunca foi de ficar xeretando, porém, observava que, de uns tempos para cá, a mulher andava se perfumando mais, se enchendo de anéis e se vestindo na moda. Procurava desviar o pensamento mas, às vezes, não dava para dominar e era um tormento que chegava a lhe tirar o sono. Várias vezes acordou à noite com desculpa de ir ao banheiro e, na ansiedade, ia até a cozinha consumir um danone ou um pedaço de bolo e custava a pegar de novo no sono. Percebeu que ela se acostumou a sair e, por diversas vezes, controlou o horário, mas a demora era tal que dava para fazer muitas coisas erradas e não tinha como não lhe passar más ideias pela cabeça.

Quando questionada, a mulher ora lhe respondia com evasivas, ora dava respostas malcriadas, que ele matutava, no seu canto, que a coisa não era certa e que ela estava escondendo safadeza. Tanto assim que ele resolveu investigar.

Por duas vezes, fingiu ir trabalhar e espreitou o dia inteiro, sem que a mulher saísse de casa. Num sábado à tarde, ela saiu dizendo que ia dar uma volta pelo shopping e até o convidou, mas ele achou que aquele convite era de “agá” e, fingindo displicência, recusou. Seguiu-a, e ela foi mesmo ao shopping. Noutro dia, dizendo que ia com um grupo de amigas distribuir comida para os pobres, saiu rapidamente e até aonde ele a seguiu (sentiu medo de entrar na favela), ao que tudo indicava, ela estava mesmo fazendo caridade. Numa noite, disse que ia para a missa e novamente o convidou; mas ele, que nunca foi de frequentar igrejas, recusou. Contudo, em observações, constatou que a mulher realmente entrou na igreja e de lá só saiu, quando terminou a missa.

No dia seguinte, disse que ia fazer visitas de caridade, num ritual que há meses praticava, depois que começou a se reunir com o tal grupo de amigas que se propunha a ajudar os pobres. Ediliando questionou ainda que se era para fazer caridade a pobres e descamisados, por que se embelezar tanto? Isto a deixou irritada e com cara de abismada pela desconfiança. Por fim, saiu ele atrás espionando. Entrou numa casa e demorou, num tempo que dava para o coitado do Ediliando perder o juízo. Após fumar três cigarros, não se aguentado mais, dirigiu-se à casa e bateu com a força de quem estava disposto a briga e até à morte, se preciso. A mulher saiu acompanhada de uma velhinha e demonstrou espanto ao ver o marido. Passou-lhe uma descompostura e falou-lhe uns desaforos, toda cheia de razão. Ediliando, envergonhado, pediu perdão pela desconfiança e beijou a mão da velhinha que o abençoou e lhe falou que se desse por feliz e agradecesse a Deus por ter tão generosa mulher. 

Ediliando, com o coração feliz, saiu arrependido de tanta maldade que lhe passou pela cachola, enquanto lá dentro, sua mulher, num calafrio, jogou-se na cama e o neto beijou a vovozinha agradecido por ter-lhe salvo a vida e poder continuar com aquele romance que era a sua razão de viver.
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Laé de Souza é cronista, poeta, articulista, dramaturgo, palestrante, produtor cultural e autor de vários projetos de incentivo à leitura. Bacharel em Direito e Administração de Empresas, Laé de Souza, 55 anos, unifica sua vivência em direito, literatura e teatro (como ator, diretor e dramaturgo) para desenvolver seus textos utilizando uma narrativa envolvente, bem-humorada e crítica. Nos campos da poesia e crônica iniciou sua carreira em 1971, tendo escrito para "O Labor"(Jequié, BA), "A Cidade" (Olímpia, SP), "O Tatuapé" (São Paulo, SP), "Nossa Terra" (Itapetininga, SP); como colaborador no "Diário de Sorocaba", O "Avaré" (Avaré, SP) e o "Periscópio" (Itu, SP). Obras de sua autoria: Acontece, Acredite se Quiser!, Coisas de Homem & Coisas de Mulher, Espiando o Mundo pela Fechadura, Nos Bastidores do Cotidiano (impressão regular e em braille) e o infantil Quinho e o seu cãozinho - Um cãozinho especial. Projetos: "Encontro com o Escritor", "Ler É Bom, Experimente!", "Lendo na Escola", "Minha Escola Lê", "Viajando na Leitura", "Leitura no Parque", "Dose de Leitura", "Caravana da Leitura”, “Livro na Cesta”, "Minha Cidade Lê", "Dia do Livro" e "Leitura não tem idade". Ministrou palestras em mais de 300 escolas de todo o Brasil, cujo foco é o incentivo à leitura. "A importância da Leitura no Desenvolvimento do Ser Humano", dirigida a estudantes e "Como formar leitores", voltada para professores são alguns dos temas abordados nessas palestras. Com estilo cômico e mantendo a leveza em temas fortes, escreveu as peças "Noite de Variedades" (1972), "Casa dos Conflitos" (1974/75) e "Minha Linda Ró" (1976). Iniciou no teatro aos 17 anos, participou de festivais de teatro amador e filiou-se à Sociedade Brasileira de Autores Teatrais. Criou o jornal "O Casca" e grupos de teatro no Colégio Tuiuti e na Universidade Camilo Castelo Branco.
Fontes:
Laé de Souza. Coisas de Homem & Coisas de Mulher. SP: Ecoarte, 2018.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

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