Do lado direito da porteira de quem adentrava a propriedade rural, uma cruz se mostrava esquecida. Não era dessas altas a exaltar a fé, comuns nesses lugares, mas cruz de tamanho reduzido a se apegar em terna lembrança. Era entalhada, o que lhe marcava a visibilidade ao se diferenciar de outras que se encontram pelo caminho, com a mesma finalidade.
Numa das pontas do braço horizontal, chanfrara-se uma espiga de milho. Na outra, um ramo de café frutificado. Na parte superior do braço vertical, uma cara de boi encimava a palavra ADEUS, que tomava o resto do corpo. O significado dos entalhes aludia à produção da agricultura e pecuária, e a palavra Adeus, à despedida. A madeira, quiçá sob o longo tempo de exposição ao calor do sol, à umidade da chuva, à força do vento e à poeira, mostrava desgastes, mas se mantinha firme e pomposa ao dar àquele acesso, maturidade e respeito.
Simples, se não houvesse complemento.
Ao seu redor e rente à cerca, porém, chamava atenção um pequeno canteiro tomado por ervas invasoras, mas composto por uma boa quantidade de pés de miosótis floridas com flores azuis e miolos amarelos pontuando aqui e ali, como prova de que mãos femininas a um tempo – não se imagina quanto -, haviam fofado a terra e colocado nela além de muito esterco, também carinho e ternura.
Por que o digo?
Porque a flor miosótis é conhecida como “não-me-esqueças” – que significa um amor verdadeiro -, e somente bem brotam, bem vingam e bem vivem quando plantadas e cultivadas por mãos de mulher. Se um homem o fizer, ela pode até brotar por força do adubo, mas logo perecerá. Por isso a certeza de terem aquelas sido plantadas por dedos finos e carinhosos.
Mas ficou a incógnita: quem o teria feito? Quando? Em memória a quem a cruz ali foi fincada em meio a flores? A tal flor simboliza amor, fidelidade e recordação que, para quem verdadeiramente ama, ganha conotação tão íntima e especial que passa também a amar a flor.
Diz-se que, quando assim plantada e quando cultivada com dedicação e zelo – ela se pereniza a superar com sua força e resistência das raízes, os desafios que um canteiro abandonado aos pés de moirões, numa entrada de fazenda, nos mostrava.
Essa flor é tão miúda, mimosa e delicada, mas carrega um significado único e especial: - onde estiver, não importa com quem, “não-se-esqueças-de-mim” é o recado que dizem suas pequenas pétalas azuis, parecidas com orelhas de rato.
Agora, o ADEUS gravado em letras maiúsculas, como aquele da tábua maior da cruz, sim, representou eterna ausência a lembrar que a vida é feita de movimentos, de fins e recomeços e que as despedidas, como parte desses, embora pesarosas e doloridas, marcam como um entalhe para não mais sair da memória. E ficam.
Mesmo que em forma de flores, num canteiro à beira da cerca.
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Renato Benvindo Frata nasceu em Bauru/SP, radicou-se em Paranavaí/PR. Formado em Ciências Contábeis e Direito. Professor da rede pública, aposentado do magistério. Atua ainda, na área de Direito. Fundador da Academia de Letras e Artes de Paranavaí, em 2007, tendo sido seu primeiro presidente. Acadêmico da Confraria Brasileira de Letras. Seus trabalhos literários são editados pelo Diário do Noroeste, de Paranavaí e pelos blogs: Taturana e Cafécomkibe, além de compartilhá-los pela rede social. Possui diversos livros publicados, a maioria direcionada ao público infantil.
Fontes:
Texto enviado pelo autor.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing
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