(Conto classificado em 1º Lugar no I Concurso Literário Virtual da ACL – Academia Virtual Contemporânea de Letras – Isolamento Social - Coronavírus)
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Estava tudo pronto para o casamento de Isabel e Cristiano. Ela, moreninha, desposava um moreninho também. O melhor bufê, a melhor música, a melhor igreja. Tudo havia sido exaustivamente pensado, planejado e executado. Nada fugia ao script do chamado conto de fadas moderno, ou seja, o casamento. Sabe o “Fábrica de Casamentos“? Pois a Isabel não perdia nenhum. Era fã desse reality. Havia decorado as falas, o choro, a voz de cada noiva.
O caso é que próximo à data do tão esperado dia, Isabel e Cristiano tiveram uma ingrata surpresa. Um novo tipo de vírus vinha fazendo vítimas desde a China e, com espantosa velocidade, chegando a todas as partes do mundo. Até nisso os vírus de hoje são contemporâneos e se comunicam com uma rapidez impressionante. Enfim, como forma de conter o temido Covid-19, decretou-se como medida protetiva o isolamento social no País.
− E agora?! A gente tem que se casar de qualquer jeito!, falou Isabel apertando os braços de Cristiano ante William Bonner e Renata Vasconcellos, do Jornal Nacional.
− Não sei, meu amor, mas vamos dar um jeito, respondeu Cristiano tentando acalmar os ânimos de sua noiva, a quem por exatos nove anos vinha “enrolando”, isto é, cozinhando em banho-maria, dizendo que, quando as coisas melhorassem, iriam finalmente se casar.
Os pais de Isabel, Seu João e Dona Ana, a um canto da sala, de rabo de olho, assistiam à cena, pensativos. Tinham lá para eles que iria dar zebra.
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O casório estava marcado para 28 de março, sendo que a quarentena no Estado de São Paulo, onde moravam, havia começado na terça, dia 24. Isabel, coitada, olhava para os presentes já recebidos, para o vestido já engomado e pensava que, fatalmente, não haveria festa e, muito menos, cerimônia. Cristiano, mais consciente, começou a ficar preocupado com a situação, principalmente com os pais de Isabel, já com mais de sessenta anos. Que coisa!
O noticiário mal dava conta de noticiar a quantidade diária de mortos, principalmente na Europa, mais precisamente, na Itália. O bisavô de Isabel era italiano. “Porca miséria!”, diria o danado se ainda estivesse vivo. Esse, o Covid-19 não pegava mais. E a dengue, então? Os casos não diminuíam, só faziam aumentar. Seria o fim dos tempos? Uma vela votiva não parava de queimar no altarzinho recém-armado com muito amor e carinho por Dona Ana.
− Tanto doce, tanta flor, tudo jogado fora!, suspirava sem entender muita coisa a pobre Dona Ana. Seu João, que tanto esperou para entrar com sua filha na igreja, também sentia uma dorzinha no peito quando via que a filha chorava escondida no quarto, sem entender.
− Espere, Ana, eu tenho a solução, falou Seu João para a mulher. Filha! Filha!
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− Vai, mãe, a live vai começar!, falou Catarina, uma das primas de Isabel, que, em seu lar, doce lar, esperava mais uma live do Facebook começar, uma das febres da quarentena.
Todos a postos, os familiares de Isabel e Cristiano, cada um em sua casa, com a tela do smartphone ligada, com o 4G meio falho devido a tantos utilizadores confinados em casa, todos que gostavam daquele casal estavam lá, “online”.
− Estamos aqui reunidos para celebrarmos o casamento, o enlace de dois filhos de Deus, Isabel e Cristiano. Estejam vocês, caros amigos e familiares onde estiverem, podem se assentar. Você também, Ana, o casamento vai começar...
Não, não era um padre que estava realizando o sonho de Isabel e Cristiano, não. Era o Seu João, com sua “roupa de ir à missa”, que, de frente para a filha e o futuro genro, tratava de “oficializar” o casório. Tempos de crise, improviso!
No fundo, sabiam que o mundo andava às voltas com uma grande ameaça e se compadeciam por isso. Porém, mesmo aquela união sendo assim, tão simples, nos fundos de casa, com noivo e noiva, um pai e uma mãe zelosos, numa live da net, estavam mesmo felizes. Não tão só por uma live... Felizes para sempre.
(Publicado no Facebook em 01/05/2020)
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Texto enviado pelo autor.
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