Já passava das oito horas da manhã e a garota-propaganda dormia gostosamente sobre o seu colchão de Vulcaspuma, macio e confortável, que não enruga nem encolhe, facilmente removível e lavável. Foi quando o relógio despertador começou a tilintar irritantemente (Você nunca dará corda num Mido).
A pobrezinha, que tivera de aguentar a cantada de um patrocinador de programa (Agência Galo de Ouro — quem não anuncia se esconde) que prometera um cachê melhor, caso ela ficasse efetiva na programação, levantou-se meio tonta. Fora dormir inda agorinha. Estremunhada, entrou no banheiro, colocou pasta de dentes na escova e pôs-se a escovar com força. Ah... que agradável sensação de bem-estar!
Depois do banho, abriu a cortina do box, que parece linho mas é linholene, e foi até a cozinha tomar um copo de leite. Tinha que estar pronta em seguida para decorar páginas e páginas de texto que apanhara na véspera, no departamento comercial da televisão. Abriu a geladeira de sete pés, toda impermeável, com muito mais espaço interior e que você pode adquirir dando a sua velha de entrada (a sua velha geladeira, naturalmente). Dentro não havia leite: — Não faz mal — pensou (Tudo que se faz com leite, com Pulvolaque se faz).
O diabo é que também não tinha Pulvolaque. Procurou no armário uma lata daquele outro que se dissolve sem bater, mas também não achou. Tomou então um cafezinho mesmo e correu ao quarto para se vestir e arrumar o cômodo o mais depressa possível. Iria à cidade apanhar os textos de uma outra agência que precisavam ser decorados até as três, além disso tinha que almoçar com um diretor de TV, a quem fingia aceitar a corte para poder ser escalada nos programas.
Arrumou as coisas assim na base do mais ou menos. Fechou o sofá-cama, um lindo móvel que ocupa muito menos espaço em sua residência, e procurou o vestido verde que comprara no Credifácil, onde você adquire agora e só começará a pagar muito depois. O vestido não estava no armário. Lembrou-se então que o deixara na véspera dentro da pia, embebido na água com Rinso, e o diabo é que o vestido, como ficou dito, era verde. Se fosse branco, depois ficaria explicado por que a roupa dela é muito mais branca do que a
minha.
Eram onze e meia quando chegou à cidade, graças à carona que pegara. Saltou da camioneta com tração dianteira e muito mais resistente, fez todas as coisas que precisava fazer numa velocidade espantosa e entregou-se ao suplício de almoçar com o diretor de TV.
Ali estão os dois, escolhendo o menu. Ele pediu massa e perguntou se ela também queria (Aimoré você conhece — pensou ela), mas preferiu outra coisa. Garota-propaganda não pode engordar. Comeu rapidamente e aceitou o copo de leite que o garçom sugeriu. Afinal, não o tomara pela manhã. Foi botar na boca e ver logo que era leite em pó, em pó, em pó...
Às três horas o programa das donas-de-casa. Às quatro, o teleteste que distribui brindes para você. De cinco às oito, decorar outros textos, de oito e meia às dez, tome de sorriso na frente da câmera, a jurar que a liquidação anunciada era uma ma-ra-vi-lha. Aceite o meu conselho e vá verificar pessoalmente. Mas note bem. É só até o dia 30.
Quase meia-noite e ela tendo de dançar com "seu" Pereira, do Espetáculo Biscoiteste. Um velho chato, mas muito bonzinho. O diabo era aquele perfume que saía do cangote de seu par. Um perfume inebriante, que deixa saudade.
Já eram quase três da matina quando ela voltou para o seu apartamento com sala, quarto, banheiro, box, copa, quitinete e área interna, tudo conjugado, que comprara dando apenas trinta por cento na entrada e começando a pagar as prestações na entrega das chaves. Finalmente, vai poder dormir um pouquinho.
E, aos pés do sofá-cama, faz a oração da noite: "Padre Nosso, que estais no Céu, muito obrigada pela atenção dispensada e até amanhã, quando voltaremos com novas atrações. Boa noite".
Fonte:
Stanislaw Ponte Preta. Dois amigos e um chato. Ed. Moderna, 1996
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